Logo na introdução do seu livro escreve "ainda bem que não casei com um cozinheiro". Dá-nos com esta frase o mote que explica a sua entrada no mundo da cozinha?

Exatamente. Tive muita oportunidade de aprender com a minha mãe e avó que eram excelentes cozinheiras, mas nunca me interessei pelo tema, dando sempre a desculpa  que " quando fosse grande iria casar com um cozinheiro".

E foi a partir do momento que me casei que se deu a minha entrada no mundo da cozinha: tinha uma cozinha nova, toda equipada e não sabia fazer nada. Tinha então três hipóteses: ou punha o meu marido a cozinhar (o que não parecia ser grande solução...), ou ia jantar todos os dias a casa dos pais, ou começava a fazer alguma coisa. Na altura, até estava entusiasmada com a cozinha nova. Por isso, resolvi-me aventurar. Apeteceu-me começar a "por a mão na massa". Saía relativamente cedo do trabalho e tinha um final do dia à minha frente. E foi aí que nasceu o gosto pela cozinha. Todos os dias ia experimentado coisas novas. Sempre diferentes e com alguma dificuldade. De facto, se o meu marido tivesse algum jeito para a cozinha, provavelmente, hoje em dia, seria uma excelente ajudante de cozinheiro e não teria este gosto pela cozinha.

A cozinha é um espaço de memórias, de recordações de infância, relações e reuniões familiares, sabores, etc. Pode, neste caso, relatar-nos a sua experiência pessoal?

É mesmo verdade. Cada pessoa tem uma recordação de infância relacionada com algum cheiro, alguma comida, qualquer coisa que se fazia lá em casa e traz tão boas recordações.

Aprendi, desde pequena, que uma mesa bem posta, com comida saborosa a fumegar, reúne as pessoas, sejam familiares ou amigos, para os melhores momentos da nossa vida. E é isso que considero importante passar e transmitir às minhas filhas e a todas as pessoas.

A minha infância foi recheada dessas recordações. Nasci e vivi até aos sete anos em Bruxelas e lembro-me da minha mãe fazer lanchinhos portugueses para as nossas vizinhas belgas. Aquele cheiro do bolo de maçã acabado de sair do forno, aqueles biscoitos de manteiga deliciosos. Todas estas recordações de cheiros fazem-me viajar rapidamente para a minha infância. Depois, vim para Portugal e lembro-me de levar, todos os dias, o cesto com comida nos termos para a escola e de os meus amigos acharem que a minha comida cheirava sempre melhor do que a deles. Para mim, na altura, nada disto fazia sentido. O pão com compotas caseiras, os bolos fatiados que levava para a escola, eram sempre "snacks" muito diferentes dos outros meninos. Mas eu gostava daqueles sabores.

E depois recordo-me, como se fosse hoje, das festas de anos em que tudo, tudo, era feito em casa, desde o pão das sanduíches até ao bolo de anos. E que bem que cheirava a casa nesses dias. Era a minha avó, a minha mãe e a minha tia, todo o dia, em grande azáfama, à volta das panelas. Eu ia passando pela cozinha para saber se havia alguma coisa "para rapar". Mas ajudar, nem pensar. "Iria casar com um cozinheiro" era sempre a minha resposta quando me desafiavam para aprender a cozinhar.

Como caracteriza a cozinha que produz?

Diria que é uma cozinha muito afetiva, baseada nas recordações de cheiros e sabores de muitos anos. É uma cozinha feita com amor, variada e criativa. É, sobretudo, uma cozinha simples, mas que procura ser elaborada na sua apresentação.

Gosto muito de misturar os sabores e experimentar ingredientes novos. Ou simplesmente misturar as coisas de forma diferente. Hoje em dia, diria que gosto de criar cada vez mais uma cozinha multicultural, com algumas influências orientais.

Depois, adoro os doces. E, neste capítulo, sou fascinada pela doçaria francesa.

O seu livro é também um manual para poupar na cozinha, com conselhos e dicas úteis. Ou seja, a MVM quis passar para a sua obra a vertente "SOS" na cozinha que lhe é reconhecida entre os que lhe são mais próximos...

É muito verdade. Adoro ser o “SOS” culinário dos meus amigos e familiares e, neste livro, tentei resumir um pouco os principais conselhos e dicas úteis que tenho vindo a sugerir ao longo dos anos. Esta partilha de experiências, mesmo à distância, é muito importante para eu poder avaliar as dificuldades e perceber quais são os principais problemas que se colocam às pessoas. Normalmente, estão "encalhadas" nalguma parte do processo e só precisam de uma voz calma do outro lado da linha para ultrapassaram o problema. Era tudo isto que eu queria transmitir a quem lesse o meu livro. Algumas ideias gerais de como podem aproveitar melhor o seu tempo na cozinha, ultrapassar as dificuldades que normalmente surgem, mas sem serem "escravos" dela.

Em seu entender, num universo culinário e mediático dominado pelos chefes de cozinha, que espaço existe para os chefes "amadores"?

Confesso que tenho alguma dificuldade em responder a esta pergunta. Talvez porque ache um contrassenso falar de chefes de cozinha amadores. Os chefes de cozinha são profissionais por natureza. E, fora dos seus restaurantes, dos seus programas de televisão, fora do seu mundo profissional, são pais de família, amigos, irmãos, enfim, pessoas normais que sabem cozinhar. E, neste ambiente não profissional, são cozinheiros, tal como todas as demais pessoas que querem ou têm que o ser. São cozinheiros de excelência, acima da média, que gostam e têm jeito para a cozinha.

O meu livro foi pensado para os cozinheiros não profissionais, tanto os que gostam de cozinhar - porque encontram ideias novas - como os que não gostam, porque procura transmitir-lhes uma perspetiva diferente, mais positiva e mais "terapêutica". Estes últimos são o meu maior desafio. Fico realizada, e sobretudo feliz, quando contribuo para alguém que não cozinhava, começar a cozinhar, ou alguém que não gostava de cozinhar, passar a cozinhar com prazer e alma!

Neste contexto, não pretendo ser ou "competir" com os chefes de cozinha. Era absurdo e pretensioso. Ensinaram-me muito e continuo a gostar de aprender com eles. Mas isso não significa que eu, e outras cozinheiras como eu, não possam partilhar a sua experiência, a sua paixão ou as suas ideias. Temos é papéis diferentes e, por isso mesmo, abordagens distintas.

Ainda decorrente da pergunta anterior, considera que a massificação da comunicação nos blogues, redes sociais, etc. está a contribuir para o renascimento da chamada comida caseira através da troca de experiências, etc?

Penso que sim. Ao longo dos tempos, sempre se assistiu ao fenómeno das senhoras adorarem trocar receitas entre si. Mas agora, mais do que nunca, com o fenómeno da cozinha estar na moda e com o desenvolvimento da internet, esta partilha veio ainda tornar-se mais fácil e acessível a todos. E já não é um tema só de mulheres, passou também a ser um tema discutido e abordado, tanto por mulheres, como por homens.

Eu própria sigo alguns blogs culinários e penso que eles levam muitas pessoas a experimentar novas receitas e "puxam" novas pessoas para a cozinha. Geralmente, são receitas apelativas, que trazem muitas fotografias (muitas vezes, trazem mesmo o passo-a-passo da receita) e que, assim, fazem com que as pessoas fiquem tentadas a experimentar, porque acham as receitas atrativas.

Um bom planeamento é "meio caminho andado" para o sucesso na cozinha lá de casa?

Sem dúvida que um bom planeamento é crucial para o sucesso de qualquer cozinha, seja ela a cozinha do dia a dia, seja uma ocasião especial.

Tento sempre ser o mais organizada possível quando estou a planear o dia a dia da cozinha lá de casa, para ser mais eficiente e, depois, não perder muito tempo na cozinha. O planeamento é fundamental e isso começa, precisamente, nas "listas de compras" sempre atualizadas. Quando acaba uma coisa na cozinha é essencial que essa falta entre automaticamente para a lista de compras, de forma a que, na próxima ida a supermercado, essa necessidade fique satisfeita. Aconselho sempre a criação de uma lista semanal de menus, só para se ter uma ideia do que se vai comer e não passar o dia a dia no supermercado. Há pessoas que vão ao supermercado todos os dias, só porque não conseguem  prever o jantar do dia seguinte. Considero isto uma perca de tempo, que pode ser prevenida  com um planeamento prévio, sem grande dificuldade.

Em relação às festas ou a uma ocasião especial, aí sim, já convém pensar, antecipadamente, no número de pessoas, se é um jantar sentado ou em pé, no verão ou no inverno, num ambiente descontraído de férias ou mais formal... Há uma série de dicas e truques que tento transmitir no meu livro para cada uma das ocasiões, para facilitar a vida às pessoas.

Folheando a sua obra percebemos a fusão entre Ingredientes de diferentes proveniências, sabores inusitados, apresentações apelativas. Ou seja, a cozinha com criatividade que defende. Pode aprofundar?   

É muito a característica da minha cozinha. Sempre que viajo perco-me nos sabores típicos dos países que visito. A minha família já está habituada a que, por onde passe, traga especiarias, ingredientes e "pózinhos" diferentes, para poder explorar, depois, em casa.

A cozinha cá de casa é exatamente este processo contínuo de mudança. Gosto sempre de experimentar ingredientes novos, desconhecidos e tentar "inventar" alguma receita diferente com eles. A cozinha deve ser muito criativa e é mais uma forma de arte. Se pensarmos na cozinha ao serviço dos sentidos, já repararam como o olfato e a visão são, de facto, os sentidos mais "fortes" e que devem estar sempre presentes? A expressão "comer com os olhos", a meu ver, deveria ser rescrita para "comer com os olhos e com o nariz". Muito importante, para além da apresentação de um prato, é também o seu cheiro. O olfato é uma das memórias que nunca nos abandona. Há recordações visuais da infância de que nos lembramos mais ou menos, mas ao sentir um cheiro de infância, vamos sempre reconhecê-lo, não vamos ter dúvidas e vamos rapidamente "viajar no tempo".

Que conselho daria a alguém que quer agora lançar-se na cozinha doméstica? Isto pensando nos cozinheiros de "primeira água", sem experiência anterior.

Diria em primeiro lugar para comprarem o meu livro [risos]. Falando a sério, acho que deveriam começar a pesquisar alguns blogues culinários de pessoas que gostam de cozinhar e começar a frequentar alguns cursos de cozinha básicos (há uma infinidade deles espalhados pelo país). Há cursos de 2 ou 3 horas; não precisam de frequentar cursos de meses para quem quer começar a divertir-se na cozinha. O passo seguinte, é começarem a "por a mão na massa", diariamente. A minha experiência demonstra que não há melhor forma de começar a aprender, do que com os seus próprios erros. Em cima disto, se tiverem alguém da família com mais aptidão para a cozinha, "colem-se" a essa pessoa e tentem esclarecer e retirar o máximo de dúvidas possível. Mas não desistam logo, porque as primeiras vezes pode não correr tão bem, mas se insistirem vão ver que conseguem.