O que prometia ser uma ensolarada tarde de agosto, esboroou-se no cinzento típico do litoral da nossa Região Oeste. Um teto baixo a largar uma morraça sobre o Parque D. Carlos I, nas Caldas da Rainha. Uma boa oportunidade para recorrer ao velho adágio, “quem anda à chuva molha-se”. Isso mesmo acontecia, a 25 de agosto, a todos os que decidiram visitar a “Frutos - Feira Nacional de Hortofruticultura”. O certame fez história entre as décadas de 1970 e 1990. Agora o município quer revitalizar a feira. Tem bons argumentos para isso, bastando invocar dois produtos qualificados no território: a Maçã de Alcobaça e a Pera Rocha do Oeste.

E como feira não significa apenas bancas de mostra, demonstração e venda, a “Frutas” como é carinhosamente conhecido o certame, fez prova do potencial dos produtos locais. Um desses momentos ficou a cargo de dois nomes da cozinha nacional. André Magalhães, dono e senhor da Taberna da Rua das Flores, em Lisboa, e Miguel Laffan, o chefe que há vários anos dirige a cozinha do restaurante L'And Vineyards, em Motemor-o-Novo.

Laffan contra Magalhães é muita fruta no mesmo cesto

Laffan e Magalhães tinham pela frente perto de uma hora de “Batalha da Fruta”. Esta, a única a jogar em casa e com um currículo apreciável. Quanto aos oponentes, a folha de serviço também é de monta. Miguel Laffan já foi Estrela Michelin, em 2014, ao comando da cozinha do L'And Vineyards. Perdeu-a, entretanto. Agora tenta com afinco reconquistá-la. Um autodidata que antes havia dirigido as cozinhas do Hotel Casa Velha do Palheiro e Hotel Quinta da Casa Branca, ambos no Funchal. Foi, também, assistente em cozinhas com estrelas Michelin, como Les Jardins des Remparts, em Beune, em França e na Fortaleza do Guincho, em Portugal.

No lado oposto da cozinha improvisada num dos pavilhões da “Frutas”, a figura imponente de André Magalhães. Na sua Taberna da Rua das Flores, este homem que também dirigiu a cozinha do Clube de Jornalistas (Lisboa), funde sabores asiáticos com a tradicional comida de tasca. Na bagagem, Magalhães traz os cursos tirados na Universidade do Texas e na Universidade de Cambridge. Soube o que é trabalhar nas cozinhas de chefes de perfil mundial, como Fausto Airoldi e Dave Pasternak.

Na batalha em torno da fruta, os dois chefes receberam um desafio cego. Até ao momento de ligar o forno e o fogão, de desembolsarem os instrumentos de cozinha e de colocarem o avental, Laffan e Magalhães não sabiam o que lhes reservava o cabaz. Aos três, dois, um, levantou-se o pano sobre o mistério. Maçãs, peras, batatas, cebola, pepino, alho, alface, abóbora, azeite, especiarias, entre outros produtos, espicaçavam a veia criativa dos chefes.

Algo semelhante ao ambiente “Masterchef” invadia agora a cozinha. Embora, aqui, sem testar a competência culinária dos intervenientes. A substituir o júri, o Miguel Araújo, cabeça dos “Azeitonas”, mais dado a cantorias do que propriamente aos labores da mesa. Miguel é a sexta geração de indianos. Em casa, sente-se à vontade com os caris. Neste palco atuou como “agente provocador”. A experiência dos dois chefes falou mais alto do que as distrações. O público tinha, agora, duas promessas. Laffan ia preparar três tipos de canapés, respetivamente com maçã, pera e morango. Comum aos três canapés a utilização de codorniz. Magalhães garantia uma codorniz recheada com presunto e morango, acompanhada de uma salada com pera marinada e licor e, ainda, pera caramelizada.

Laffan contra Magalhães é muita fruta no mesmo cesto

Sobre a bancada, desossava-se uma codorniz, embrulhavam-se morangos em presunto, preparava-se um molho vinagrete com dois terços de vinho para um terço de azeite, vinagre de pera, pimenta; refogava-se cebola, alho e tomate. De premeio os dois chefes aproveitavam para falar sobre alguns dos ingredientes a uso. A introdução do tomate e da batata a partir das américas; a boa relação qualidade preço dos nossos restaurantes. André Magalhães arriscou mesmo apostar na nova tendência gastronómica. Depois do sushi, dos gins, dos ceviches, prepare-se o consumidor para os vinhos de fruta, nomeadamente as sidras.

Coisas destas cozinhas improvisadas, havia de falhar sucessivamente a eletricidade e com ela o forno. Laffan perdeu um dos seus folhados, Magalhães poupou as suas codornizes a alguns minutos de forno, levou-as à frigideira. No final, um empate técnico no sabor, na apresentação e no à-vontade. Na cozinha não se desenrolou uma batalha, antes o comprometimento de dois cozinheiros com os produtos portugueses. Miguel Laffan ganhou nas entradas. Competiu contra si mesmo. André Magalhães ganhou no principal. Jogou sozinho. As codornizes? Tenras, saborosas, com a carne ferrosa a casar com um presunto gordo. O morango a desfazer-se. A pera, doce, caramelizada no ponto. Os canapés? Um folhado estaladiço e o sabor da fruta a evidenciar-se. Porque, aqui, era fruta que importava.

Laffan contra Magalhães é muita fruta no mesmo cesto