“O cais do Sodré não é/só bares de prostitutas/também é gente a alombar/caixa de peixe e de fruta…” Dispensa a prosa que nos alonguemos na cantiga. Até porque esta cai desamparada no presente texto por culpa direta do articulista e da sua Irreparável associação entre Cais do Sodré, a praça, e o fado que Rodrigo deu ao mundo. Meia dúzia de passos no dito Sodré e lá irrompe, em memória sonora, a voz e toda a joalharia de Rodrigo.

Diga-se em abono da verdade que o Cais do Sodré (ou mais precisamente a praça Duque da Terceira) continua a ser um pouco de tudo aquilo que exala da letra de Francisco Bandeiras. É frenesi de quem trabalha, de quem chega e quem sai de Lisboa, de quem por ali habita e coabita; é noite e, modernamente, também é moda. E tem a moda muito o que dizer. Da passageira, por isso mesmo é moda, e daquela que agora o é mas que o deixará de ser. Isto por duas razões: a moda morre. Quando amadurece subsiste às novas modas.

Seis anos será tempo suficiente para ultrapassar as modas e ganhar alguma tarimba. Seis anos é quanto traz de idade o Ibo Restaurante no Cais do Sodré. Cozinha portuguesa de casamento firme com a cozinha moçambicana. “Ibo” porque é nome da vila e da ilha moçambicana onde se encontra a Fortaleza de São João Baptista. “Uma geografia e história, mas também afetos” como refere João Pedro Pedrosa, proprietário e chefe de cozinha, a quarta geração de uma família portuguesa com fortes ligações a Moçambique.

João Pedrosa, 37 anos, rendeu-se às memórias dos sabores da infância e saltou da Gestão e Marketing, onde se licenciou, para a cozinha. Pedro criou um estilo muito seu, “carregado de memórias, preocupado com a qualidade dos ingredientes”. Um conceito que o empresário estende desde março de 2015 à Ibo Marisqueira.

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O novo espaço, com frente virada para a estação de comboios, convive paredes-meias com o restaurante. O ambiente é informal. Sala ampla, paredes em pedra nua, viveiros de água salgada que conservam os mariscos vivos até ao momento do consumo. Música adequada, com q.b. de decibéis (suficientes para abafar um tal “Ai Cais do Sodré/Ai Cais do Sodré…”). Dispensável? O televisor. O aparelho tem alguns defensores: “começámos sem TV. Mas faz parte da cultura das marisqueiras”, alerta João. E junta-lhe uma história: “há uma senhora que se senta frente à televisão e janta durante horas”.

Cozinha honesta

“Horas!”. Não parecerá estranho ao simpatizante ferrenho do slow food. Até porque a carta da Ibo Marisqueira dá pretextos para delongas e para incursões gastronómicas por diferentes latitudes: Algarve, Berlengas, Moçambique, Canadá; e com alguma amplitude, dos mariscos aos peixes e às carnes.

“Um processo que começa na escolha dos fornecedores” esclarece João Pedrosa. Processo hoje em dia facilitado pelos anos de seleção dos fornecedores, pela relação de confiança. “A nossa carta conta com propostas com lugar cativo. Mas como é óbvio falamos de produtos sazonais, sujeitos aos caprichos do mar, dos ventos, etc. Acontece alguém ligar-nos e diz-nos: `tenho lingueirão acabado de apanhar`. E nesse dia entra na carta”.

Uma carta onde mergulha a gamba do Algarve, o casco de sapateira, o camarão à Guilho, o camarão tigre (Moçambique), as puntilhas (lulinhas fritas em farinha de milho, apaladadas com limão e maionese), a amêijoa, a conquilha, a canilha, o lingueirão, o mexilhão. “Diariamente há uma opção de peixe grelhado. Dourada, robalo e um `lagareiro`, com bacalhau ou com polvo”, refere o chefe. A confeção é honesta, com respeito pela origem. O produto sabe ao mar onde cresceu e viveu. O preparo dispensa os molhos e afins, mestres na arte de escamotear o menos bom.

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Uma honestidade que se mantém quando a carta salta do mar, a sua “zona de conforto” (para usar aqui um termo agora na moda), para os produtos da terra. Um bom exemplo: o presunto ibérico Castro e González com cura de 48 meses em Guijuelo, perto de Salamanca. “Um equilíbrio muito bom entre o salgado e doce” refere João Pedrosa. Presunto que teve honras de presença em Portugal de um mestre de corte. O objetivo foi formar a equipa da Ibo Marisqueira.

Outro exemplo da carta de carnes: o prego do lombo em pão torrado com molho de bife. Vem emparelhado com batatinhas fritas às rodelas e com um conselho do João: “escolham para acompanhar uma das qualidades de piripiri feitas aqui na casa com malagueta fresca”. Comensais mais sensíveis fiquem com esta dica: O piripiri não bate no topo da atmosfera, mas toca na estratosfera. Cuidado.

Para apaziguar palatos uma Laurentina, loura, fresca, tropical. A cerveja mais premiada de Moçambique nasceu em 1932 pela mão de Cretikos, um grego. Uma cerveja que resulta da combinação de três maltes. Na carta de bebidas a Ibo Marisqueira aposta também nos vinhos nacionais e no consumo a copo. “Temos um pouco de todas as regiões mas com alguma prevalência do Douro e Alentejo”, diz João Pedrosa.

Nas lambarices, ou preferindo, nas sobremesas, as propostas espraiam-se do tradicional pudim Abade de Priscos, aos gelados, mousses e saladas de fruta.

Chegados ao preço, impõe-se a inevitável pergunta: “quanto estou disposto a pagar por produto de boa qualidade, fresco, bem confecionado, com um bom serviço, ambiente agradável, etc., etc., etc.?. Na Ibo Marisqueira encontramos um bom compromisso entre o produto/serviço apresentados e os euros que deixam de habitar as nossas carteiras. Alguns exemplos: sopa de marisco (4,90 euros), cataplana de marisco/duas pessoas (44,00 euros), camarão à guilho (11,90 euros), mariscada/duas pessoas (60,50 euros), santola (28,50 euros/kg). Prego no pão (6,00 euros).

“O cais do Sodré não é/só bares de prostitutas/também é gente a alombar/caixa de peixe e de fruta…”. Certo. Também é marisco de boa qualidade. O Rodrigo há de voltar.

IBO Marisqueira

Morada: Rua Cintura do Porto, nº 22, Cais do Sodré, Lisboa

Telefone: 929 308 068

Texto: Jorge Andrade

Fotos: Ibo Marisqueira