Foi numa feira de vinhos, pelos anos de 2016 ou 2017, que tive pela primeira vez contacto com a Quinta do Cardo. Na altura falava-se amiúde em vinhos biológicos, sem grande alarido e quiçá com alguma desconfiança. A Quinta do Cardo apresentava-se, a quem passava pelo stand, como uma quinta de viticultura ecológica, propriedade da Companhia das Quintas, desde 2001, e com rótulos literais: era um cardo que se destacava nas várias referências, com vinhos da Beira Interior agradáveis ao palato, ou assim o entendemos, depois de várias provas de vinho.

Era também uma quinta com grande especialidade em vinhos brancos, fruto do trabalho de uma anterior proprietária, que a dotou com uma das mais modernas adegas do país para vinificação destes vinhos, ainda no final da década de 1980.

Daí, saltamos para 2023. De lá para cá, a Quinta do Cardo mudou, a começar pela equipa responsável e pelo proprietário. Artur Gama, da Quinta da Boa Esperança, em Torres Vedras, é o produtor e Jorge Rosa Santos, o enólogo, dupla que se juntou ao viticultor Ermindo Coelho, que em 2022 somou 35 vindimas no planalto desta quinta situada em Castelo Rodrigo. A própria imagem mudou e já não é o cardo que figura nos rótulos dos vinhos. Mas a essência, mantém-se.

“Andava há um tempo à procura de um projeto, com o Jorge, que fosse diferente da Quinta da Boa Esperança e apareceu a Quinta do Cardo. Ficámos apaixonados quando lá chegámos, num dia de inverno, cheio de neve, com enorme potencial. Eu acho que fazer vinhos na Beira é muito especial”, explica Artur Gama, no evento de apresentação de novidades.

Nasce assim uma nova Quinta do Cardo, com seis novos vinhos “que são o reflexo daquilo que pensámos para a quinta, mas respeitando a sua história de quase 100 anos, com vinhos de castas autóctones, em altitude e com pouca intervenção”, assume.

Fundada em 1932, o terroir desta quinta tem predominância de granito e solo argiloso, mas também é possível encontrar xisto e alguns solos arenosos, a 750 metros de altitude, numa distribuição de 79 hectares.

As características da região conferem uma identidade mineral aos vinhos, num produtor com todo o seu portefólio em modo biológico, muito graças às características climatéricas da Beira Interior serem ótimas para este modo de produção. A sua amplitude térmica aliada ao facto de ser uma região seca, faz com que a necessidade de tratamentos na vinha seja diminuta. No entanto, como explica o enólogo Jorge Rosa Santos, este não é o statement principal, mas sim a identidade da Quinta do Cardo. Resumindo, são naturalmente biológicos, sem esforço. E o que tem de ser, tem muita força.

A casta Síria destaca-se no conjunto de castas da Quinta do Cardo - não confundir com Syra, que nada tem a ver com esta casta. O nome mais familiar talvez seja Roupeiro, como assim é conhecida no Alentejo – que marca presença em todas as novidades de branco apresentadas. Esta, em particular, considerada por Jorge Rosa Santos “a casta rainha da Beira Interior”, tem aromas típicos de fruta como laranja, limão, pêssego ou melão, mas também loureiro e flores.

Há seis novas referências: três vinhos brancos, dois tintos e um rosé, sendo que os Cardo Tinto, Cardo Branco e Cardo Rosé, são a gama de entrada, Grande Reserva Branco, um topo de gama, enquanto o Vinha do Lomedo (branco) e Vinha do Pombal (tinto) são monovarietais. Estas novas referências juntam-se às quatro já existentes - Superior e Reserva, branco e tinto – totalizando agora 10 referências.

“Mantivemos aqueles perfis que existiam – vinha do Lomedo, do Pombal, grandes Reservas, Cardos – mas reposicionámos o projeto porque ele merece isso e porque a região tem muito potencial”, concluiu Jorge Rosa Santos.

Vamos então às novidades.

Cardo Branco 2022

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Cardo Branco 2022 créditos: Divulgação

Aqui se apresenta a casta Síria com uvas colhidas à mão e as esperadas vinhas em altitude. O vinho foi vinificado em cuba durante 30 dias, a cerca de 14ºC, com um ligeiro estágio sobre borras finas de fermentação. De acordo com o produtor “denota cor verde limão brilhante, notas florais, minerais e frutadas, maçã e lima. Na boca mostra untuosidade e frescura, com final longo”. O PVP é 7,50€ e este é aquilo que podemos chamar de um bom vinho de verão.

Cardo Rosé 2022

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Cardo Rosé 2022 créditos: Divulgação

Feito, em partes iguais, com as castas Rufete e Tinta Roriz, vindimadas à mão no início de setembro e prensadas em cacho inteiro. Segundo os responsáveis da Quinta do Cardo “apenas foi utilizada a lágrima dos primeiros apertos de prensa, para obtermos um rosé de cor ténue e de perfil fresco”. Com notas de fruta de caroço, alguns tropicais e ligeiro mineral (ou não estivéssemos a falar de vinhas em altitude), este rosé com uma cor salmão, muito leve tem uma estrutura agradável, que o torna num vinho gastronómico, que casa bem com os pratos de verão, que se querem mais leves. O PVP é 7,50€.

Cardo Tinto 2021

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Cardo Tinto 2021 créditos: Divulgação

Elaborado a partir das várias castas tintas da Quinta do Cardo como Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, mas também um pouco de Alicante Bouschet e Tinto Cão, foi fermentado a 24ºC e fez estágio parcial em barricas de carvalho francês. “De cor rubi com laivos violeta, aroma a fruta preta e cereja, com notas balsâmicas. Na boca é denso, com taninos vivos, mas aveludados”, diz-nos o produtor. Trata-se de um vinho jovem, o que se pode colocar como um desafio dado as características de região, que pede vinhos mais maduros. Por essa razão é um vinho gastronómico, a puxar pela comida, mas que não vai funcionar com todos os pratos. O PVP é 7,50€.

Quinta do Cardo Grande Reserva Branco 2021

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Quinta do Cardo Grande Reserva Branco 2021 créditos: Divulgação

Com origem nas vinhas mais antigas de Síria da quinta, que estão a uma altitude de 750m, este vinho, com uvas que também foram colhidas à mão e prensadas em cacho inteiro, aproveitando, assim, apenas os primeiros apertos da prensa, foi vinificado em barricas novas e usadas de carvalho francês de 500 litros. Estagiou durante um ano em barrica, sobre borras totais de fermentação e com bâtonnage durante três meses. É um vinho que se mostra mais exuberante em termos aromáticos, elegante e que está pronto para ser bebido, apesar de ter capacidade de guarda, acompanhando bem comida. O PVP é 16€.

Vinha do Lomedo 2021 - Branco

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Vinha do Lomedo 2021 - Branco créditos: Divulgação

Este vinho tem origem na parcela mais antiga da vinha do Lomedo, da década de 1970, somando à volta de 50 anos, sendo 90% do encepamento com a casta Síria, com pequenos cruzamentos de Arinto ou Moscatel. Estagiou e fermentou em barricas antigas de 3.000 litros. “Na prova, apresenta enorme especificidade de terroir, com notas citrinas, flor de laranjeira, melão e ligeiro floral. É amplo e longo, o que lhe confere nobreza e potencial de guarda” entre 10 a 15 anos (pelo menos), assegura o produtor. Um vinho que “nos próximos cinco a dez anos, não tenho dúvida que vai sempre em crescendo”, assegura o enólogo da Quinta do Cardo. Com uma produção de apenas 3.000 garrafas, tem um PVP de 35€.

Vinha do Pombal 2021 - Tinto

A Quinta do Cardo é um exemplo em como o biológico é natural num vinho quando tem de o ser
Vinha do Pombal 2021 - Tinto créditos: Divulgação

Este vinho é proveniente da parcela mais antiga de Touriga Nacional, localizada junto ao Pombal construído no início século XX. As uvas são colhidas à mão e vinificadas em cuba de inox, sem qualquer estágio em madeira, a baixas temperaturas, e com pouco maceração, permitindo assim “exponenciar a especificidade do terroir e o potencial varietal”. Estagiou durante 12 meses sobre borras finas. “O objetivo deste vinho é mostrar toda a expressão da elegância da casta, neste terroir tão específico de altitude. Apresenta-se com uma elegante cor rubi, com expressivo aroma varietal, com notas florais e fruta fresca tipo amoras pretas. Na boca tem taninos envolventes e suaves, com enorme elegância e precisão”, concluiu o produtor. Podemos acrescentar que este é um vinho muito diferente daquilo que se espera de um tinto, com um aroma muito distinto. Está pronto para beber, bebendo-se com prazer. O PVP é 35€.