O novo ano letivo está a arrancar e os estudantes que procuram um quarto em Coimbra acabam por se deparar muitas vezes com anúncios de quartos "só para meninas", havendo também situações, menos regulares, de apartamentos "só para rapazes".

Numa breve pesquisa pelos sítios que se dedicam a aluguer de quartos e apartamentos, essas condições saltam à vista várias vezes.

"É misto?". David Marques ouve recorrentemente essa pergunta por parte de pais de alunas do ensino superior, que procuram um quarto para as suas filhas.

Quando começou a arrendar há cerca de quatro anos, não era relevante o facto de o apartamento ser para rapazes ou para raparigas, mas no anúncio diz que o espaço que arrenda é apenas para "meninas".

"O problema é que os pais das estudantes queriam que as filhas ficassem num apartamento só de raparigas. Se dissesse que estavam lá rapazes já não queriam", explanou o senhorio, que sublinha não ter qualquer tipo de preconceito para com o sexo masculino: "Há rapazes e raparigas limpos e há rapazes e raparigas porcalhões".

Outra senhoria de Coimbra, que optou por não se identificar, afirma que, quando começou a arrendar, há 15 anos, nunca pensou em bloquear o acesso a rapazes. "Comecei por arrendar a uma rapariga e depois as famílias é que pediam que o apartamento fosse só para raparigas", conta, referindo que "de há 20 anos para cá não é tanto o preconceito de quem arrenda" que condiciona a oferta, mas as exigências de "pais e mães galinha".

No entanto, o preconceito em relação aos rapazes, como sendo mais desarrumados ou sujos ainda subsiste na colocação deste tipo de anúncios.

Maria Marques, de 75 anos, arrendou um ano "a rapazes" e a experiência "foi muito negativa". Desde então, só aceita raparigas, considerando que as exigências dos pais têm mais influência do que algum preconceito que possa existir.

"As meninas são mais arrumadinhas e sossegadinhas. Se calhar é um estigma, se calhar os rapazes acabam por ser discriminados, mas nós também somos discriminadas em muitas outras coisas", constatou outra senhoria.

Mas há também quem pense o contrário. Uma senhoria a arrendar na zona da Solum refere que os "rapazes são mais organizados e limpos". "Há misturas que não se devem fazer. Pode ser uma mentalidade um pouco retrógrada, mas são opções que se fazem", explana.

Bruno Marques, estudante de mestrado em Coimbra, encontra "várias vezes" anúncios de quartos só para raparigas quando procura um quarto. "É algo que está muito presente em Coimbra", observa, considerando que as raparigas acabam por ter mais facilidade em encontrar um quarto do que os rapazes.

Para o presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, Mário Frota, no arrendamento ou sub-arrendamento não pode haver lugar a qualquer tipo de "restrições ou discriminações", nomeadamente de género.

"O mercado aí está de algum modo limitado, ao contrário de outras circunstâncias, sendo que não deve haver discriminações", aclara, recordando que a própria Constituição da República não o permite.

Preconceito contra estudantes lusófonos no arrendamento em Coimbra é pontual

Na hora de escolher um quarto em Coimbra, estudantes brasileiros e africanos podem deparar-se com situações de discriminação por parte de senhorios. A situação não é generalizada, mas há registos de vários casos, alertam associações.

Coimbra é uma cidade marcada pela sua universidade, que se mostra aberta e orgulhosa da sua diversidade e procura todos os anos aumentar o contingente de estudantes internacionais. No entanto, algumas das associações de estudantes de países lusófonos contactadas pela agência Lusa falam de alguns casos de discriminação no momento de se escolher um quarto, deparando-se com senhorios preconceituosos.

"Não alugo a negros" ou "só alugo a nacionais" foram algumas das respostas que estudantes de países lusófonos já ouviram quando procuravam um quarto numa cidade onde por esta altura se multiplicam os anúncios de apartamentos a arrendar.

Élida Brito, cabo-verdiana a estudar em Coimbra desde 2008, ouviu ao longo dos anos relatos de colegas seus a falarem de casos de senhorios racistas: "Achava que os meus colegas exageravam". Depois de ter estado numa casa em que tinha uma relação "muito boa com a senhoria", a estudante de Engenharia Eletrotécnica deparou-se com a primeira situação de discriminação este ano.

"Encontrei uma casa que era do meu interesse e, primeiro, disseram que sim". Porém, mais tarde, foi-lhe dada a resposta de que "não preenchia os requisitos" por causa da cor da sua pele.

Há situações não tão diretas, constata, referindo casos de colegas em que o senhorio apenas diz que a casa não está disponível na hora de assinar o contrato, mas, contactado posteriormente, "a casa continuava disponível".

Todavia, Élida Brito ressalva que esta não é uma regra geral. Depois de se deparar com uma "situação de racismo tão direta", passou a avisar os senhorios que contactava que era "de cor" e "nenhuma pessoa se mostrou preocupada com isso".

Também com os estudantes brasileiros já houve casos de discriminação na hora de procurar um quarto em Coimbra, disse à Lusa o presidente da Associação de Estudantes e Pesquisadores Brasileiros em Coimbra, Eduardo Monteiro.

"Não é algo generalizado, mas acontece", observa, sublinhando que, para além do preconceito em torno do brasileiro, as probabilidades de discriminação aumentam quando este é "negro ou mulher".

Muitas vezes, a discriminação é feita de forma indireta ou "por medo" e não tanto a partir de uma posição "arrogante", explana, realçando que, apesar dos casos que vão sendo relatados, Coimbra é "uma cidade recetiva" e que nota que tem vindo "a mudar".

Para além destas questões, Eduardo Monteiro repara que também há alguns senhorios que têm a ideia de que os brasileiros que estudam em Portugal, porque estão cá, "têm dinheiro" e tentam explorar, pedindo mais do que o acordado.

Henrique Pinhel é o presidente da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra e já sentiu "na pele" o racismo.

Ao procurar casas para acolherem estudantes da Guiné-Bissau na cidade universitária, Henrique ouviu justificações como os africanos "fazem barulho" ou "só arrendo a portugueses". "Somos todos estudantes. Não se pode estar a diferenciar pela cor da pele de cada um", comenta o estudante de Direito.

Já Osvaldo Kidi, presidente da associação de estudantes angolanos em Coimbra, não tem conhecimento de qualquer situação e entende Coimbra como uma "cidade aberta e acolhedora de um modo geral".

No caso da associação de estudantes moçambicanos, também não há registo de recusas por parte de senhorios, conta o presidente Olímpio Machachane. Porém, enfatiza, existe "um certo preconceito dos senhorios", que arrendam, mas ficam de pé atrás. "Ficam desconfiados e temem que o estrangeiro vá estragar a casa", aponta.

Demicy Vaz, há sete anos em Coimbra e presidente da associação de estudantes cabo-verdianos, acredita que não é uma situação generalizada, mas deverá acontecer "todos os anos, nesta altura".