A polémica em torno da necessidade e eficácia dos TPC estalou esta semana em Espanha, onde os pais dos alunos iniciaram uma greve de um mês aos trabalhos de casa passados aos seus filhos, alegando que os TPC estavam “a invadir o tempo das famílias" e a "violar o direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas atividades artísticas e culturais".

Contactado pela Lusa, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, põe de parte a hipótese de os portugueses avançarem com uma ação semelhante, mas reforça a posição de que “é preciso repensar o modelo e garantir que se deixa tempo aos alunos para fazerem o que gostam, já que muitos alunos não têm tempo livre durante o período letivo”.

Lembrando que o atual modelo remonta ao século XIX, quando os alunos passavam apenas parte do dia na escola, Jorge Ascensão manifesta-se a favor do trabalho, mas com a garantia de que “deixam as crianças respirar”.

Hoje, a maioria dos alunos começa as aulas por volta das 8h30 e só sai da escola ao final da tarde. Muitos regressam a casa com a mochila carregada com tarefas para fazer.

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“Em algumas situações há exagero na quantidade e na própria metodologia, já que os professores não desafiam as crianças a aplicar em casa o que aprenderam na escola, mas sim a repetir o trabalho já feito, com fichas e mais fichas”, lamenta Jorge Ascensão, alertando para os casos em que os professores usam os TPC para avançar nos programas demasiado extensos para serem dados apenas nas aulas.

Para a Confap, “os TPC não devem existir por norma nem ser um instrumento essencial das aprendizagens. As escolas deveriam implementar um modelo em que o estudo e a consolidação das matérias era feito no tempo escolar e com a ajuda de quem sabe”.

O presidente da Confap alerta para o perigo de os TPC serem um fator discriminatório: “Se há famílias que têm tempo e conhecimentos para ajudar os seus filhos, existem muitas outras que não têm. Se uns podem pagar a explicadores, outros não o podem fazer e depois, quando estes alunos chegam à escola, podem passar por desinteressados ou calões, quando a realidade é bem diferente”.

Um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) alertou precisamente para o facto de os TPC reforçarem “a disparidade socio-económica entre os estudantes" e "aumentarem o intervalo entre os ricos e os pobres".

Para evitar este efeito perverso, a OCDE recomenda que escolas e professores ajudem os seus alunos mais desfavorecidos a realizar os TPC, oferecendo por exemplo auxílio aos pais nesse sentido ou proporcionado aos jovens “lugares calmos” onde os possam realizar.

É que uma das dificuldades apontadas pelos alunos de meios mais desfavorecidos é precisamente a de não terem, em casa, um lugar calmo onde possam estudar nem tempo disponível para o fazer, já que têm outras responsabilidades familiares ou trabalho.

Apesar de tudo, os alunos portugueses não se podem queixar muito, já que dedicam, em média, cerca de quatro horas por semana aos TPC, menos uma do que a média registada entre os 38 países e zonas económicas da OCDE.

No entanto, a Confap conhece casos em há um exagero de TPC, que acabam por afetar o ambiente familiar.

Jorge Ascensão lembra as famílias que depois de um dia de trabalho e com outras tantas tarefas domésticas pela frente se veem confrontados com a necessidade de ajudar os filhos a fazer os TPC.

“Quando se vive numa azáfama que é agravada com a preocupação dos TPC, que têm de ser feitos numa hora já tardia, esse tempo em família pode acabar por ser prejudicial à convivência familiar”, alertou.

Para Jorge Ascensão, nem todos os alunos precisam de TPC e se para uns esse trabalho pode ser benéfico, para outros pode ser contraproducente.

Por isso, os professores deveriam adaptar os TPC às necessidades de cada aluno e, acima de tudo, a Confap gostaria que o sistema confiasse um pouco mais nos jovens dando-lhes autonomia para que fossem eles a decidir se precisam ou não de estudar em casa.

Contactado pela Lusa, também o dirigente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), Rui Martins, defende que “é preciso haver bom senso em relação aos TPC”, sublinhando, no entanto, que “esse trabalho não traz grande mal ao mundo”.