Em declarações à agência Lusa, o assessor técnico da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) denunciou aquilo que considera ser uma “situação perversa”, com que as organizações que apoiam vítimas de violência doméstica se veem confrontadas no seu trabalho.
“Muitas vezes quando há situações de crianças e jovens com suspeitas de crime, também de violência doméstica ou de abuso sexual, aquilo que muitas vezes acontece é a falta de comunicação entre os diferentes tribunais”, adiantou Daniel Cotrim, que falava à Lusa a propósito do caso de uma criança que estava com a mãe numa casa abrigo para vítimas de violência doméstica, em Viana do Castelo, e que, por ordem do tribunal, foi entregue na segunda-feira ao pai, investigado por alegado abuso sexual da filha.
Quer isso dizer que, “na grande maioria das vezes”, não há comunicação entre o tribunal onde corre o processo relativo aos menores e o processo-crime.
“Existem muitas situações em que é provado que o agressor ou a agressora ficam proibidos de contactar com aquela mulher e aquelas crianças, mas depois, em sede de regulação das responsabilidades parentais, ao nível do Tribunal de Família e Menores, há uma determinação do tribunal em que pai ou mãe podem contactar com aquelas crianças apesar de ter havido uma outra determinação”, revelou o responsável.
Daniel Cotrim diz mesmo que esta falta de comunicação entre as diferentes instâncias é uma falha que tem vindo a ser apontada “há algum tempo” ao sistema judicial.
“Tem que ser resolvida de forma a evitar situações que sejam perversas tanto para a vítima, e até para o próprio agressor, mas que sobretudo tem consequências gravíssimas na vida das crianças e jovens que se apanham envolvidos no meio destes conflitos”, defendeu.
De acordo com a coordenadora-geral do Gabinete de Atendimento à Família (GAF) de Viana do Castelo, que gere a casa-abrigo, a mulher e a filha chegaram depois de cumpridos todos os procedimentos legais e depois de ter sido determinado, pelas várias instituições e autoridades que foram acompanhando o caso, que tanto a mãe como a criança estavam numa situação de alto risco e que havia um elevado grau de veracidade nas declarações da mãe.
A mesma fonte adiantou que a mulher apresentou cinco queixas por violência doméstica, a última das quais em julho de 2015, que coincide com a segunda queixa apresentada pela mãe por abusos sexuais do pai em relação à menor.
Esta queixa por abuso sexual encontra-se em fase de investigação pelo Ministério Público.
Questionado sobre de que forma estes processos deveriam correr, Daniel Cotrim defendeu que o ideal seria que, sempre que há um processo-crime que envolva crianças, “que a informação dos diferentes processos corresse entre si” para “evitar situações, que muitas vezes acontecem, em que o pai é condenado por abuso sexual, mas depois em sede de regulação parental até tem direito a visitar os filhos”.
O responsável disse mesmo que este tipo de casos “acontece com muita frequência” no sistema judicial português, dando como exemplo situações em que mulheres vítimas de violência doméstica estão em casas abrigo com os filhos e apesar de terem medidas de proteção contra o agressor, o Tribunal determina que o pai tem direito a visitar as crianças.
Apesar de não querer referir-se ao caso em concreto, Daniel Cotrim arriscou dizer que qualquer decisão do tribunal deverá ter em conta os pareceres das organizações que estiveram envolvidas no apoio às vítimas.
“Aquilo que nos parece ter falhado aqui, e não estou a avaliar sobre o acórdão, e que achamos estranho é que não tenham sido contactadas as instituições no sentido de prestarem mais informações e mais esclarecimentos sobre as situações”, rematou.
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