A escola surge hoje como um espaço integrado e integrador, onde coexistem vivências, valores, culturas, comportamentos e atitudes perante a vida diferentes. É o local privilegiado onde se ensina, onde se aprende, que responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade das crianças e jovens, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários, tal como preconizam a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo.

 

Partindo deste pressuposto, a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) tem promovido ações de informação sobre responsabilidades parentais e a escola, com o apoio técnico-jurídico de António Fialho, juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro e moderação de Ricardo Simões, presidente da APIPDF.

 

«O exercício das responsabilidades parentais configura-se como um conjunto de faculdades confiadas aos pais no interesse dos filhos para assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, representação e administração dos seus bens, de acordo com o Código Civil», esclarece António Fialho.

 

«Ninguém duvidará que, em situações de dissociação familiar, o interesse da criança deve ser identificado com o estabelecimento de condições psicológicas, materiais, sociais e morais favoráveis ao seu desenvolvimento harmónico e à sua progressiva autonomização», continua o juiz.

 

A garantia de tais condições dependerá, necessariamente, da inserção da criança num núcleo de vida familiar estável e gratificante – do ponto de vista do bem-estar, da proteção e da educação – da possibilidade de um amplo relacionamento pessoal e direto com ambos os pais e da promoção de um nível de vida que lhe permita um desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social adequado.

 

Desta forma, «é necessário promover a participação interessada, a intervenção concertada e a corresponsabilização ativa de ambos os pais pela educação do filho», afirma António Fialho. «Também é necessário garantir laços afetivos estáveis e profundos entre a criança e ambos os pais, apesar da separação destes, e prevenir a sua instrumentalização nos eventuais conflitos que os oponham», acrescenta Ricardo Simões.

Os pais e a educação dos filhos

A Constituição da República Portuguesa consagra como princípio geral a igualdade dos pais na educação dos filhos, o que implica que, seja qual for a relação familiar entre os progenitores – casamento, união de facto ou mesmo sem qualquer coabitação – numa situação de dissociação familiar, o exercício das responsabilidades parentais continua a ser exercido em conjunto por ambos.

 

A educação compreende todos os aspetos da socialização da criança, processo pelo qual adquire atitudes, normas de comportamento, capacidades e conhecimentos indispensáveis para levar uma vida social e integrada, ficando o Estado encarregado de garantir o apoio e o reforço da função educativa da família e o desenvolvimento da capacidade educativa dos pais.

 

Segundo o juiz António Fialho, «incumbe aos pais e encarregados de educação uma especial responsabilidade, inerente ao seu poder-dever de dirigirem a educação dos seus filhos e educandos, no interesse destes, e de promoverem ativamente o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos mesmos».

 

O ensino obrigatório e universal, constitucionalmente consagrado, implica responsabilidade para a escola e para os seus órgãos de gestão, estruturas de orientação educativa e professores. À escola compete, de acordo com António Fialho, «verificar o dever de frequência assídua das atividades escolares, pelos alunos, informando e comunicando aos pais e encarregados de educação a assiduidade dos alunos e assegurando a prestação de serviços de ação social, de saúde, de psicologia e orientação escolar, para apoiar e tornar efetivo o cumprimento do dever de frequência assídua dos alunos».

O encarregado de educação

A figura do encarregado de educação surgiu no sistema educativo com uma função facilitadora na relação que se estabelece entre a escola e a família da criança ou jovem, entendendo-o como o interlocutor privilegiado nessa relação. Desta forma, o encarregado de educação é a mãe, o pai ou qualquer pessoa que acompanha e é responsável pelo aproveitamento de uma criança ou adolescente em idade escolar.

 

Ricardo Simões lembra que «em caso de divórcio ou separação e, na falta de acordo dos progenitores, considera-se que o encarregado de educação é o progenitor com quem o menor fica a residir». No caso em que é estabelecida a residência alternada – divisão rotativa e tendencialmente simétrica dos tempos da criança com os progenitores de forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles (in «O papel e a intervenção da escola em situações de conflito parental”, António Fialho, 3ª edição, Verbo Jurídico) – deverão os pais decidir sobre o exercício das funções de encarregado de educação.

 

«Com efeito, o direito e o dever de educação dos filhos é não só um dever ético e social, mas também um dever jurídico de ambos os pais», considera António Fialho. «Contudo», esclarece o juiz, «da simples indicação de um dos progenitores como encarregado de educação não resulta qualquer poder ou direito acrescido nem implica para o outro progenitor qualquer poder ou direito diminuído, salvo no que respeita ao especial dever de diligência que lhe incumbe na medida em que o ato praticado pelo encarregado de educação se presume realizado por decisão conjunto do outro progenitor».

O desacordo dos pais sobre atos da vida quotidiana

Com a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho passaram a ser exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de «urgência manifesta», em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível. O juiz António Fialho clarifica: «Se um dos pais praticar um ato que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro».

 

Após a dissociação familiar, o funcionamento desta presunção persiste mas, pelo facto de os pais viverem separados, na realidade, a educação diária da criança ou do jovem é realizada apenas pelo progenitor com quem reside habitualmente, existindo uma superioridade de um progenitor sobre o outro, fazendo com que seja o progenitor residente a praticar a grande maioria dos atos da vida corrente relativos à vida e educação da criança ou do jovem.

 

«O progenitor não residente não tem de ficar, necessariamente, afastado das decisões de menor importância; aliás, tem o direito de intervir nelas », recorda Ricardo Simões, presidente da APIPDF. Como não é possível aos pais recorrerem judicialmente contra as decisões quotidianas tomadas pelo outro, «em caso de desacordo, deve comunicar ao progenitor residente o seu desacordo para impedir a prática do ato ou demonstrar a invalidade do mesmo, se este chegar a ser realizado», acrescenta António Fialho.

 

«Mais ainda», alerta o juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, «em caso de abuso sistemático por parte do progenitor residente, usando a sua posição privilegiada para agir contra a vontade do outro em assuntos de particular importância ou em atos da vida corrente, o progenitor não residente pode propor uma modificação do exercício das responsabilidades parentais que restrinja os poderes do outro progenitor».

O direito à informação

«O progenitor que não exerça as responsabilidades parentais tem o direito de vigiar as condições de vida e a educação do filho pelo que, consequentemente, beneficia do direito a solicitar e receber da escola todas as informações relativas ao percurso e sucesso escolar do seu filho», lembra António Fialho. «Por maioria de razão, este direito é extensivo aos progenitores que exerçam conjuntamente as responsabilidades parentais».

 

Existindo um direito legal de informação do progenitor com quem o aluno menor não reside ou a quem não tenha sido confiado ou nem exerça as responsabilidades parentais e não sendo esse que, normalmente, exerce as funções de encarregado de educação, os estabelecimentos pré-escolar e de ensino (público, particular ou cooperativo) «não podem adotar qualquer procedimento que impossibilite aquele de obter informações sobre o rendimento escolar do filho, mesmo perante situações de conflito parental», alerta Ricardo Simões.

 

Quando estava em vigor o Estatuto do Aluno dos Ensino Básico e Secundário, perante uma situação de dissociação familiar, era ao progenitor residente que cabia prestar as informações que se mostrassem relevantes para que o outro progenitor (exercendo ou não as responsabilidades parentais) pudesse exercer o seu direito de vigilância sobre as condições de vida e educação do filho comum. Entre essas informações, o progenitor residente deveria comunicar ao progenitor não residente a identificação do professor titular ou do diretor de turma, o horário de atendimento, resultados ou necessidades escolares, comportamento escolar, progressão nas aprendizagens, reuniões de pais e encarregados de educação,. «Informações cruciais para um acompanhamento efetivo do percurso do filho e partilha dos direitos e deveres parentais com o progenitor não residente», diz Ricardo Simões.

 

«Infelizmente», continua o presidente da APIPDF, «não é isto que se verifica numa boa parte das situações em que um dos progenitores não cumpre os seus deveres de informação para com ou outro, impedindo ou dificultando o acesso aos elementos necessários para que o progenitor não residente possa exercer o seu direito de vigilância sobre a vida e educação do filho, apenas restando o recurso ao estabelecimento de ensino para o efeito».

 

De acordo com o juiz António Fialho, «o direito de ser informado significa que esse progenitor tem o direito a exigir do outro a informação relativa ao modo como o outro exerce a sua responsabilidade parental, em particular no que se refere à educação e condições de vida do filho, e que o outro tem o dever de as prestar». Mas o direito de ser informado não poderia ser exercido apenas relativamente ao progenitor obrigado ao dever de prestar a informação, já que poderia sê-lo relativamente à escola, sem que esta pudesse escusar-se a essa obrigação mesmo que já a tivesse legalmente cumprido perante o encarregado de educação.

 

«Na vigência do Estatuto do Aluno dos Ensino Básico e Secundário, incumbia à escola permitir que, perante um pedido formulado pelo progenitor que não estava indicado como encarregado de educação e que normalmente não surgia como o interlocutor privilegiado, fossem prestadas as informações que lhe sejam pedidas nas mesmas condições que eram fornecidas ao encarregado de educação». A iniciativa teria de partir do progenitor relativamente ao qual não foi cumprido o dever de informação sobre as condições de vida e educação do filho, pertencendo a este a opção se as deveria obter através da escola ou através de qualquer outra forma legalmente permitida.

 

Como afirma António Fialho, «perante esta iniciativa, que, em meu entender, não tem de ser fundamentada ou justificada, a escola deveria prestar as informações que lhe fossem solicitadas, nas mesmas condições que o faria relativamente ao outro progenitor e encarregado de educação, salvo se lhe tivesse sido dado conhecimento escrito de qualquer restrição judicial que impedisse o acesso a essa informação».

 

Com a entrada em vigor do Estatuto do Aluno e Ética Escolar, as fichas de registo de avaliação serão entregues ao progenitor que não resida com o aluno menor de idade, a pedido daquele, «importando ainda ter em conta que os ónus de informação e a obrigação de facultar o acesso ao processo individual que impedem sobre o estabelecimento de ensino ou escola não se referem apenas ao encarregado de educação mas também aos pais, ou seja, a qualquer um dos progenitores, mesmo que não exerçam as funções de encarregado de educação», esclarece o juiz.

 

Com o estabelecimento de uma verdadeira igualdade no direito de informação por parte de ambos os pais do aluno menor, o Estatuto do Aluno e Ética Escolar «vem contribuir para o estabelecimento de verdadeiros sinais de mudança e confiança nas relações entre os pais e os estabelecimentos de ensino e, desta forma, deve ser entendido como um forte incentivo à redução de conflitos parentais que envolvem as escolas», afirma António Fialho.

A proibição de contatos no espaço escolar

«A criança ou o jovem tem o direito de estabelecer, reatar ou manter uma relação direta e contínua com o progenitor a quem não foi confiado, devendo esse direito ser exercido no interesse da criança, verdadeiro beneficiário desse direito de visita, atribuindo ao progenitor residente as obrigações de não interferir nas relações do filho com o progenitor não residente e a facilitar, ativamente, o direito de contato e de relacionamento prolongado enquanto que, ao progenitor não residente é atribuído o dever de se relacionar pessoal e presencialmente com o filho», esclarece António Fialho.

 

«Em situações de dissociação familiar e estabelecida a residência dos filhos comuns, assiste ao outro progenitor o direito de participar no crescimento e educação daqueles, bem como o direito de tê-los na sua companhia, concretizando aquilo que é designado por “regime de visitas” mas que será mais adequado denominar por “organização dos tempos das crianças” ou por “relações pessoais entre o filho e o progenitor não residente”», continua o juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro.

 

«No âmbito das relações pessoais entre a criança ou o jovem e o progenitor não residente, são usuais as situações em que o progenitor residente condiciona os contatos do progenitor não residente durante a permanência da criança na escola, designadamente dando instruções ao estabelecimento de ensino no sentido de não permitir os contactos do progenitor não residente (ou dos familiares deste) com o filho ou de não permitir as entregas do mesmo após o termo das atividades letivas», lamenta Ricardo Simões.

 

O principal fator de conflito manifesta-se pelas instruções fornecidas por um dos progenitores ao estabelecimento de ensino, utilizando para o efeito o poder conferido à figura do encarregado de educação, no sentido de impedir os contactos do outro progenitor com a criança, durante as atividades letivas ou fora destas, colocando o estabelecimento de ensino no centro do conflito e obrigando-o a adotar uma posição que, normalmente, se traduz pela prevalência da decisão ou da posição assumida pelo progenitor que exerce as funções de encarregado de educação.

 

Contudo, «no âmbito dos poderes do encarregado de educação, não existe qualquer faculdade que lhe permita limitar os contatos pessoais do outro progenitor com o filho, pelo menos sem que essa limitação tenha sido determinada por decisão judicial fundamentada no superior interesse da criança», afirma António Fialho. «Também em relação aos ascendentes (por exemplo, os avós) ou irmãos (filhos dos mesmos pais ou fruto de outras relações) não podem os pais, injustificadamente, privar os filhos do convívio com aqueles».

 

Ricardo Simões acrescenta que «não sendo a criança uma propriedade dos pais, qualquer limitação nos contatos pessoais com o outro progenitor que não se encontre devidamente suportada por decisão judicial fundamentada não é justificada nem pode impedir o outro progenitor de ter contato com o filho durante o período das atividades escolares ou no início e termo destas e desde que as mesmas não resultem prejudicadas».

A escola como mediadora de conflitos

É certo que a escola não constitui o local mais adequado para os contatos pessoais entre o progenitor não residente e a criança mas a verdade é que, numa situação de conflito entre os progenitores, muitas vezes constitui o único local onde aquele progenitor consegue ter o filho na sua companhia durante algum tempo.

 

Tais restrições aos contatos pessoais de um progenitor com o filho, suportadas apenas na orientação ou na vontade do outro progenitor, «não devem merecer qualquer apoio ou suporte junto dos órgãos de administração e gestão do estabelecimento escolar ou de ensino ou mesmo junto dos docentes e auxiliares de ação educativa que tenham mais contato com a criança», apela o presidente da APIPDF.

 

«Numa atitude mediadora e pedagógica, perante uma orientação com esse conteúdo, a escola deverá fazer ver junto do progenitor que fornece essas indicações que as mesmas não se encontram fundamentadas em decisão judicial e, logo, não podem participar ou colaborar em comportamentos que representam uma violação dos direitos de visita do outro progenitor», afirma Ricardo Simões.

 

«Não encontrando eco ou apoio nas suas pretensões, por vezes, o progenitor incumpridor desiste da sua intenção e o problema nem chega a verificar-se», acrescenta António Fialho. «Com efeito, a prática diária nos tribunais tem demonstrado que muitos incumprimentos das responsabilidades parentais ocorrem porque o progenitor incumpridor encontra apoio ou indiferença junto da família, das instituições ou nalguns sistemas de apoio e aconselhamento», continua o juiz.

 

«É por isso que a escola deve evidenciar uma atitude diferente, não acolhendo esse tipo de comportamentos já que, sem sombra de dúvida, os prejuízos decorrentes dos mesmos irão refletir-se na criança e na imagem que esta deve conservar dos pais e dos adultos que a rodeiam», pede Ricardo Simões.

 

Contudo, «existem casos em que essa atitude mediadora e pedagógica pode não ser suficiente e, nessas situações, a postura da perante o conflito deverá ser mais empenhada no sentido de dar a entender a ambos os progenitores que não só não acatará qualquer orientação limitativa dos direitos de algum deles ou da criança que não seja suportada em decisão judicial como também não permitirá que a escola se transforme numa zona de conflito entre os progenitores que, por certo, irá provocar risco ou perigo para o desenvolvimento emocional, a educação, a saúde e a segurança da criança», conclui o juiz António Fialho.

 

 

Maria João Pratt

 

Mais informações em Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos.