É claro que eu adoro os meus filhos. Adoro a lembrança de os arrancarem do meu corpo e de, logo ali, ao confrontar aqueles seres desconhecidos, os ter amado intensamente. Adoro aquelas vozes fininhas que me chamam “mãe”, os abraços apertados, as vezes que dizem amar-me, a nossa cumplicidade, vê-los crescer. Sim, adoro genuinamente vê-los crescer e ganhar asas, mesmo que isso implique tê-los menos para mim. As primeiras noites em casa de amigos, as primeiras respostas tortas que até têm graça, as primeiras paixões que se partilham num bilhete que questiona, sem os pudores da maturidade, um imediato “queres namorar comigo?”.

Tal como, apesar da estonteante correria do dia-a-dia, não perco a oportunidade de os ir buscar à escola, de saber o que almoçaram, de ouvir que ficaram de castigo por espreitarem debaixo da saia da Inês, de correr para casa para dar banhos, fazer o jantar, saborear num ápice a refeição, me aninhar com eles no sofá, lhes desejar boa noite e ir confirmar o seu descanso antes de me deitar.

(Mas eu tenho quatro filhos. Quatro!)

Ter um bebé nos braços é uma coisa maravilhosa, como se, de repente, se instalasse em nós uma sensação divina de sermos abençoados e vivermos num universo perfeito, e paralelo ao caos instalado que corre lá fora. Ter dois bebés é igualmente maravilhoso. Repetem-se as emoções, descobrem-se novidades, acredita-se que aquela unidade dos dois irmãos é eterna.

E se, de repente, aparecem mais dois bebés – sim, os dois ao mesmo tempo – alguma ingenuidade nos faz acreditar que o (nosso) mundo é ainda mais fenomenal, mesmo no meio de quatro almas pequenas a gritar, a chorar, a espernear e a virar esse mesmo (nosso) mundo do avesso.

(Lembro: eu tenho quatro filhos. E trabalho. E tenho - e quero ter - vida pessoal.)

E, apesar de continuar a saber que a maior bênção reside neles, é num piscar de olhos que as lembranças desvanecem. O trânsito que apanhei para os ir buscar à escola, o trabalho que ficou pendurado, a casa inundada de migalhas, os TPCs que se arrastam, a mais velha que responde mal, a outra que quer jogar computador, um dos mais novos que grita desenfreadamente por mim porque o irmão lhe quer arrancar um olho. E o tacho ao lume, os banhos que ainda não foram tomados, a roupa que está por estender, a minha cabeça a explodir, o telefone a tocar, e eu a lembrar-me que, nesse mesmo dia, haverá alguém a jantar tranquilamente num restaurante da moda de que ainda nem ouvi falar.

(inspira, expira.)

E, depois de tudo isto, lá vão os quatro em fila indiana para a cama. Enrolam-se em mim, dizem que me amam, chamam-me de “melhor mãe do mundo” (sem perceberem que nem sempre me sinto assim), escondem-se debaixo das mantas e suspiram, numa conclusão daquilo que terá sido mais um dia feliz.

E eu regresso à sala, tropeço no comboio que ficou perdido no corredor, aspiro as migalhas do chão, apanho a roupa, limpo a cozinha, sento-me no sofá, ligo o computador e regresso à minha vida de “não mãe”. E suspiro, pelo sossego, pelo descanso, pela paz, pela minha individualidade que, nem que seja no final de cada noite, me é permitida viver.

Mas mesmo antes de me ir deitar, já de olhos semicerrados e com as pernas a quebrar de cansaço, dou um beijo em cada um daqueles rostos tranquilos. E anseio pela hora de acordar e abraçar novamente aquelas quatro crianças que viraram a minha vida do avesso.

Alda Benamor

 

Licenciada e consultora em Comunicação Empresarial, é mãe de quatro crianças. Os filhos dizem-lhe que é a melhor do mundo, mas que não conhecem mais nenhuma mãe que seja assim “tão extrovertida”. Ela reconhece o papel, assumindo que isso afasta, por enquanto, potenciais genros e noras que queiram aparecer para jantar.