Lembro-me que, quando me separei e me tornei oficialmente “solteira, mas mãe de quatro”, me deparei com aqueles pequenos detalhes que, não sendo especialmente significantes, fazem toda a diferença quando temos um homem ao nosso lado. O ‘eureka’ deu-se quando comprei uma estante e cheguei a casa, com ela totalmente desmontada e enfiada numa caixa de cartão que escondia a complexidade da montagem. Aliás, que escondia a complexidade da montagem para uma pessoa como eu: com tanto jeito para pôr um móvel de pé como para definir o orçamento de estado. Mas, num ato estoico de verdadeira emancipação, sentei-me no chão com os meus quatro filhos, a rodear aquele quebra-cabeças, e jurámos que apenas pararíamos quando aquela estante estivesse perfeitamente montada e encostada à parede da sala. Em jeito de resumo, adianto que só umas duas horas depois o móvel começou a ganhar formas.

Naquele dia, dei outro sentido à frase que celebrizou a mediática campanha do Obama: “yes, we can”. Podia ser difícil (muito difícil!), mas eu ia conseguir vencer os desafios tipicamente mais masculinos que me passassem pelas mãos. Foi por isso que aprendi a valorizar as minhas pequenas conquistas: a primeira vez que formatei o meu computador, a primeira vez que pus óleo no carro, a primeira vez que comprei a minha própria caixa de ferramentas. Enfim, coisas pequeninas e sem relevo mas que, cá em casa, faziam com que eu e os meus filhos comemorássemos como se nos tivesse acabado de sair o euromilhões.

As crianças depressa se aperceberam que eu conseguia assumir estas tarefas que até à data me pareciam um atentado do demo, pelo que a frase que mais vezes saía daquelas quatro boquinhas era: “tu consegues!”. É preciso desentupir a sanita? “Tu consegues!”. É preciso fixar quadros na parede? “Tu consegues!”. É preciso montar um móvel com uma engenharia à Picasso? “Tu consegues!”.

Acontece que, para eles, eu consigo tudo menos uma coisa. Aquilo que, quando se dá, os faz suspirar e suplicar:
- Por favor, mãe, sai daqui...

Há uns anos, quando os meus filhos mais novos eram ainda bebés, descobri que nem a maternidade aliviara a minha fobia a insetos – que é gigantesca! Ponham-me um urso, uma cobra ou um cão raivoso à frente e eu consigo manter a calma. Agora, que ninguém tenha o azar de estar por perto quando um grilo ou, sobretudo, um gafanhoto estão a, pelo menos, 500 metros de mim. O cenário não é bonito, acreditem, e eu chego a pensar que quase seria capaz de abalroar os meus próprios filhos para poder sair rapidamente do ângulo de visão do inseto.

A juntar a isto dá-se o fato de ter duas gatas cujo maior prazer é trazer lagartos e outros insetos para dentro de casa. Descubro-os frequentemente debaixo da mesa da sala, no tapete da entrada ou junto à porta da cozinha. E é então que a rotina se inicia: primeiro, grito tão histericamente como se tivesse o Freddy Krueger a apontar-me aos olhos uma das suas unhas navalhais, e, depois, suplico pela presença dos meus filhos homens. Apesar de só terem oito anos, eles já reconhecem a ordem dos acontecimentos. Assim, lá aparecem eles a rastejar os pés pelo chão e a abanar dramaticamente a cabeça, segurando o guardanapo com que apanharão o bicho, para depois o devolverem à rua. Mas, antes desta operação maquiavélica, interrompem invariavelmente os meus gritos de desespero para suplicar: “Por favor, mãe, sai daqui...”.

A vantagem disto? Sou, para os meus filhos machos, com uma mãe enferma que há que proteger. Percebi isso ontem quando, no último beijo de “boa noite”, um deles me segredou:

- Sabes, quando eu for crescido e casar tenho de viver perto de ti. Não só porque te amo muito, mas porque vais precisar que venha cá a casa matar os bichos que aparecerem…

 

Alda Benamor

 

Licenciada e consultora em Comunicação Empresarial, é mãe de quatro crianças. Os filhos dizem-lhe que é a melhor do mundo, mas que não conhecem mais nenhuma mãe que seja assim “tão extrovertida”. Ela reconhece o papel, assumindo que isso afasta, por enquanto, potenciais genros e noras que queiram aparecer para jantar.