Luís Represas precisou de seis anos para presentear os fãs com um novo trabalho. Aos 67 anos, o cantor português lança 'Miragem', um álbum que o liga a artistas brasileiros e que põe fim a um período difícil e desafiante por que passou.

O artista, que sempre sentiu facilidade em compor novos temas inspirando-se para isso no quotidiano, viu-se privado da sua fonte de inspiração quando o mundo entrou em confinamento devido à Covid-19. Desse período, o cantor guarda poucas memórias e depois, já de volta à normalidade, viu-se confrontado com um novo problema: uma endocardite.

Em 2022, Luís Represas foi diagnosticado com uma infeção da camada interior do coração que o obrigou, uma vez mais, a parar. Ao Fama ao Minuto o artista atualizou o seu estado de saúde, assunto do qual pouco tem falado durante estes dois anos, e apresentou 'Miragem', cujo resultado o enche de orgulho.

Já podemos ouvir o seu novo trabalho, o tão aguardado 'Miragem'. Que álbum é este?

É um disco que está a ser pensado desde 2022. Foi pensado com mais calma do que os anteriores.

Parte de uma canção em particular que nasceu há uma década...

Sim, parte do tema 'Miragem', que fiz a meias com o músico brasileiro Ricardo Leão. Ele mostrou-me esta música há 10 anos e convidou-me para fazer a letra e para a cantar. Ela ficou à espera de oportunidade de vir cá para fora durante estes anos todos. No final de 2022 comecei a reunir material para fazer um novo álbum e reencontrei esta maquete.

'Miragem' reflete um pouco aquilo que penso da vida. Para mim, é sempre mais importante o caminho que o destino

Foi aí que falou com o Ricardo para lançarem finalmente este tema?

Falámos sobre a oportunidade de ele aparecer no meu novo disco e quando chegámos à conclusão de que a música teria esse papel de destaque no álbum, então fazia sentido que o Ricardo Leão fizesse a produção e os arranjos deste disco. Depois juntou-se o Ricardo Silveira [guitarrista brasileiro] e começámos a preparar o disco. Quando demos por nós estava o trabalho feito e decidi chamar o disco de 'Miragem'.

E a palavra "miragem" tem outro significado mais profundo quando associada ao álbum?

Reflete um pouco aquilo que penso da vida. Para mim, é sempre mais importante o caminho que o destino. A miragem é a imagem ondulante que está no fim de um sequioso deserto e quando lá se chega fica-se desiludido porque, no fundo, não passa de um monte de areia. A pergunta é: e se não for apenas um monte de areia? Se for aquilo que antecipámos? O que é de facto importante é o caminho, a vontade com que se faz esse mesmo caminho e o que se vai vivendo e aprendendo enquanto o fazemos.

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Neste álbum também volta a alimentar uma ligação especial que tem manifestado ter com o Brasil ao longo da sua carreira. Foi propositado ou aconteceu naturalmente?

Não vejo as coisas tanto como uma ligação ao Brasil mas sim como uma ligação aos músicos que, por acaso, são brasileiros. A porta está sempre aberta para trabalhar com músicos que tenham outras culturas e outras vidas e que por isso, certamente, trarão outras abordagens à música que faço. Isso também só é possível se houver uma grande empatia em termos pessoais.

Quando faço um espetáculo gosto sempre de me pôr nos sapatos do público, de fazer o exercício de me sentar na cadeira e de olhar para o que vou fazer

A apresentação do álbum será feita nos Coliseus de Lisboa e Porto. Há algum motivo em particular que tenha levado à escolha destas salas?

Voltar aos Coliseus é sempre um regresso a casa, é um clima muito familiar. O segundo concerto que fiz com os Trovante foi no Coliseu dos Recreios e aquela sala sempre me acolheu muito bem. Tenho um gosto especial em voltar aos Coliseus.

E de que forma já prepara esses concertos? Irá focar-se nos temas do 'Miragem' ou é inevitável voltar a cantar os temas que já todos conhecemos?

Quando faço um espetáculo gosto sempre de me pôr nos sapatos do público, de fazer o exercício de me sentar na cadeira e de olhar para o que vou fazer. No palco também é importante que me esteja a divertir e a correr as canções numa sequência que me faz sentido e que seja positiva para mim. Encher as pessoas com o disco novo todo poderá não ser o exercício mais prazeroso para quem me vai ouvir. O ideal é 'oferecer' às pessoas algumas canções novas que façam sentido no meio de tantas outras que as pessoas querem ouvir e que eu também quero tocar.

Saí de um ambiente familiar, de uma banda que estava oleada e com métodos de trabalho muito específicos

Não o incomoda o facto de ser quase 'forçado' a tocar alguns temas mais marcantes da sua carreira porque, se não o fizesse, acabaria por não corresponder à expetativa do público?

Ao cantá-los tento ver sempre um 'filme' diferente na minha cabeça, sempre com novos elementos, novas paisagens, nova luz e, por vezes, com novos cheiros. Só quem canta e quem está em cima do palco pode descrever isto.

E tenta dar novas roupagens a esses temas para que não pareçam os mesmos?

Eles são sempre os mesmos para mim, não o são para o público. Quando penso 'agora vou ter de tocar este tema pela milionésima vez' tenho de olhar para as pessoas e pensar 'para eles não é a milionésima vez, provavelmente nunca ouviram ao vivo e vão ouvir agora pela primeira vez'.

Foi na década de 90 que decidiu deixar os Trovante. Acredito que na altura possa ter sentido algum receio por desvincular-se de um grupo de tanto sucesso para arriscar numa carreira a solo, mas a verdade é que, neste momento, concordamos que acabou ser uma boa decisão...

Sem dúvida nenhuma. Claro que houve indecisão, é um bocado como sair da casa dos pais. Saí de um ambiente familiar, de uma banda que estava oleada e com métodos de trabalho muito específicos. Foram 16 anos e foi uma escola. Houve dúvidas e ao fim destes anos todos confirma-se que valeu a pena e que continua a valer a pena. Ainda bem que tomei essa decisão e que fui pela opinião de vozes próximas.

Foi um momento traumático, que não acrescenta nada ao nosso valor de vida

Recentemente disse, numa outra entrevista, que durante o período da pandemia sentiu que a sua mente guardou poucas memórias e que parece existir um lapso temporal, quase como se tivesse passado todo esse tempo 'adormecido'. Consegue explorar um pouco mais esta questão?

Naquele momento, compor esvaziou-se do meu universo. Uma das minhas maiores fonte de inspiração são as pessoas, as ruas e a vida, tudo o que se passa à nossa volta que depois eu vou buscar a uma enorme caixa de informação que se traduz em canções. Naquela época, estávamos todos fechados em casa e de costas uns para os outros. As ruas estavam vazias, a vida esvaziou-se. Para outras pessoas poderá ter dado para escrever muita coisa, para mim não deu para escrever nada. Foi um momento traumático, que não acrescenta nada ao nosso valor de vida.

Recentemente viu-se também a contas com o diagnóstico de endocardite. Como se encontra o Luís agora e em que estado está a sua saúde?

A coisa resolveu-se. Foi como se tivesse sido atropelado na rua. Houve uma infeção bacteriana que fez os seus estragos, felizmente tive uma rede de profissionais de saúde fantástica que tomou as providências necessárias para que aquilo tivesse um ponto final.

E que cuidados passou a ter?

Em primeiro lugar, passei a ter uma vida ainda mais positiva, entregue a fazer coisas boas e a continuar com a vida para a frente. Depois é preciso ter alguns cuidados para que não seja novamente infetado por uma vil bactéria que possa entrar por qualquer lado. Não posso ter mais cuidados do que estes porque não foi nada provocado por mim, não tive culpa nenhuma [risos].

Qual é a grande motivação que encontra para compor novos temas e iniciar outros projetos, mesmo depois de já ter construído uma carreira consolidada e de não ter nada para provar a ninguém?

Além do que já foi feito, ainda me falta fazer tudo. O caminho é o mais importante e é ele que faz com que surjam novas etapas e oportunidades. Quando fiz o 'Boa Hora', em 2019, nunca me passaria pela cabeça estar a gravar este álbum e a fazer este trabalho com o Brasil. Cada trabalho é mais uma rampa de lançamento para outro que se irá fazer a seguir. Mais importante do que aquilo que se fez é o que as canções fizeram com que acontecesse. Tenho tudo a provar a mim próprio.