Esta semana chegou ao fim a série 'Matilha', da RTP1, projeto que Maria João Bastos integrou e do qual não poderia ter ficado mais orgulhosa.

O Fama ao Minuto esteve à conversa com a atriz num momento em que esta se encontrava no Brasil, conforme nos confidenciou a aproveitar as maravilhas do Rio de Janeiro.

Embora a série tenha servido de mote para a entrevista, Maria João Bastos acabou por fazer uma reflexão sobre a sua carreira de 30 anos.

Ao longo deste tempo, a artista somou muitos êxitos, quer na representação nacional, quer lá fora, no Brasil, integrando novelas da Globo, como foi o caso de 'O Clone' (2001/2002).

Agora, Maria João Bastos está mais focada nas oportunidades que surgem por cá, destacando o momento feliz que se vive sobretudo a nível de séries. 'Rabo de Peixe', cujas gravações da segunda temporada arrancam em breve, é um exemplo.

Comecemos por falar sobre 'Matilha'. Porque é que abraçou este projeto?

Gostei imenso da série 'Sul' ['Matilha é uma extensão desta história]. Na altura, quando a vi, pensei: 'gostava de ter feito parte desta série, está muito bem feita, muito bem construída'. Estavam ali todos os ingredientes que para mim são importantes: história, a personagem... mas cada vez mais as pessoas com quem trabalho ganham peso. Achei a Madalena [personagem a que deu vida] super interessante, com todos os seus contornos e o seu posicionamento na história. Fiquei super feliz com o convite e aceitei de imediato.

Não me interessa muito entrar num projeto com pessoas com as quais não quero trabalhar e, felizmente, tenho essa possibilidade

Disse que as pessoas com quem trabalha são muito importantes para aceitar um projeto. No mundo da representação é fácil encontrar essas pessoas?

É só escolher com quem se trabalha. Não me interessa muito entrar num projeto com pessoas com as quais não quero trabalhar e, felizmente, tenho essa possibilidade. Cada vez mais quero que o meu momento de trabalho seja um momento de prazer.

A grande maioria das pessoas neste mundo tem uma grande paixão por aquilo que faz e o que alimenta essa paixão é o desafio de fazer um projeto bom. Não quero contracenar sozinha, se quisesse trabalhar sozinha tinha sido escritora, por exemplo. Preciso das pessoas para trabalhar, para aprender e para juntos construirmos uma boa cena.

E o que se faz quando se entra num projeto e se percebe que o colega de elenco não partilha essa perspetiva?

Temos sempre de trabalhar da mesma forma, com a mesma entrega e profissionalismo. Quando não temos o mesmo feedback é dar o melhor de nós... sempre, sempre, sempre! Às vezes até tentar estimular esses atores que se envolvem menos.

A vida também é assim: nem sempre lidamos com as pessoas certas, mas muitas vezes são essas as que mais nos ensinam. Nada acontece por acaso

Houve mais lições que tivesse aprendido ao longo da sua carreira e que gostava que tivessem surgido mais cedo?

Acho que tudo na vida acontece na altura certa. Tenho uma forma de ver a vida muito positiva: quando olho para trás não vejo um projeto do qual me arrependa, foi uma aprendizagem. O não ter sido espetacular e não ter trabalhado com pessoas que não trabalham da mesma forma, que não tinham a mesma energia, foram trabalhos que me ensinaram bastante e me fizeram chegar onde estou hoje.

Tenho muita coisa para aprender. Encaro os trabalhos como mais uma experiência e mais um caminho de aprendizagem. A vida também é assim: nem sempre lidamos com as pessoas certas, mas muitas vezes são essas as que mais nos ensinam. Nada acontece por acaso.

Então não é daquelas pessoas que pensa: 'se pudesse diria isto à Maria João de há 20 anos'. Deixaria que tudo se repetisse?

Provavelmente sim. Para já, quando me dizem 'não faças qualquer coisa', fico logo curiosa para o fazer [ri-se]. Penso logo 'se calhar tenho de ir lá experimentar, seja bom, seja mau'. Não sou uma pessoa medrosa, pelo contrário, gosto de arriscar. Sempre gostei do incerto, de descobrir por mim.

Com a maturidade que tenho hoje se calhar reagiria de maneira diferente, mas não deixaria de viver nada. Já tive projetos difíceis, como se pode imaginar, mas olho para trás e não havia nada que não tivesse feito. Se calhar teria reclamado um pouco mais...

Reclamado?

Sim, na altura, se tivesse a experiência e o conhecimento que tenho hoje. Mas acho mesmo que os momentos menos bons são os que nos fazem aprender mais. Vale tudo a pena.

Ao ler-se a sua biografia fica-se com a ideia de que a Maria João sempre foi muita decidida quanto ao que queria fazer.

Nunca aceitei nada em vão, nem no início. Mesmo aí sempre escolhi projetos que eu quisesse realmente fazer. A minha história é marcada por isso: coisas que eu até achava que eram importantes para mim, mas que eu disse que não, várias vezes. Todas as decisões foram pensadas, por isso, estou aqui porque quero.

E é fácil manter essa perspetiva mesmo nos momentos mais difíceis, por exemplo, em que se vivem dificuldades financeiras?

[Fica a pensar...] Não... Honestamente, não.

Guia-se, então, pela sua intuição?

Tenho uma intuição muito forte. Acho que está sempre certa, não só na minha profissão, como na minha vida. Desde miúda que tenho presente isso em mim, em ouvir a minha primeira sensação.

Custa-me quando temos um bom produto nas mãos e não temos tempo para fazê-lo como poderíamos fazer

Qual a parte menos boa de ser atriz?

É a falta de tempo para fazermos as coisas bem feitas. É preciso tempo para fazer as coisas e para atingir um certo nível. Custa-me quando temos um bom produto nas mãos e não temos tempo para fazê-lo como poderíamos fazer. E mesmo assim acho que fazemos muito bem feito!

Sentiu essa diferença quando foi trabalhar para o Brasil?

Senti, porque quando fui era para trabalhar na Globo, que tem o Projac e uma estrutura. Isto era há 20 anos e nem hoje é comparável.

Admiro o que fazemos em Portugal, porque fazemo-lo muito bem e às vezes em condições muito difíceis. Muito me orgulha termos atingido o nosso público. Mas não posso dizer que as condições são as mesmas, porque não são. A Globo tem uma indústria que não se compara com Portugal, eles vendem novelas para o mundo inteiro e nós fazemos novelas para o nosso mercado. Há muito investimento, muito dinheiro e isso permite condições de trabalho diferentes.

Agora, a entrega e o talento, isso não acho que sejam melhores do que nós. Temos muita entrega, muita vontade de fazer bem, mas é uma indústria mais pequena.

Gostava muito de voltar [ao Brasil] e têm aparecido algumas oportunidades, mas a verdade é que desde a pandemia também vivemos em Portugal um momento muito interessante

Gostava de voltar a fazer um projeto no Brasil?

Gostava muito de voltar e têm aparecido algumas oportunidades, mas a verdade é que desde a pandemia também vivemos em Portugal um momento muito interessante. Finalmente os nossos projetos começaram a ganhar algum interesse e olhar internacional. Quer produtos internacionais que vêm para filmar em Portugal ou em coproduções, quer as nossas próprias produções que começam a estar em outras plataformas.

Felizmente, fui convidada para vários projetos e quis fazer parte disso. Ainda não parei de trabalhar em Portugal e isso não me permite fazer uma novela de nove meses no Brasil. Fiz a 'Crónica dos Bons Malandros', entre um confinamento e outro, e depois estive envolvida em projetos muito interessantes, como a série da Netflix, 'Rabo de Peixe'.

Falando em 'Rabo de Peixe', como vão as gravações?

Já estamos em preparações para a segunda temporada e vamos começar a gravar em breve. Estamos muito entusiasmados, acho que vai ser muito giro.

No meio destes sucessos que marcaram a sua carreira, é fácil gerir o ego? Não há dias em que se pensa 'sou mesmo boa'?

[Ri-se às gargalhadas]. Acho é que sou uma pessoa muito dedicada, com muito trabalho, preparo-me muito para a minha sorte.

Isto é uma frase feita, mas não poderia estar mais certa: 'a preparação encontra a oportunidade'. Isso para mim é a melhor definição daquilo que tem sido a minha sorte. Estava preparada para todas as oportunidades que me apareceram

Mas já lhe devem ter dito isso...

Ah, muitas vezes! 'Ah que sorte que tens!'. Sim, a minha sorte tem um investimento enorme a nível pessoal. Na altura, quando vim viver para o Brasil, diziam-me 'que sorte tens tu de estar na Globo'. Mas tinha de estar longe da minha família, de andar entre Brasil e Portugal, [tinha de fazer] um investimento financeiro, de horas de trabalho...

É preciso uma grande dedicação e entrega, não é sentada no sofá à espera que apareça. Isto é uma frase feita, mas não poderia estar mais certa: 'a preparação encontra a oportunidade'. para mim é a melhor definição daquilo que tem sido a minha sorte. Estava preparada para todas as oportunidades que me apareceram. Fazia cursos, ia para fora... sempre preparei a minha máquina, que sou eu, ao longo destes anos. Agora se isso é sorte? Acho que é mais trabalho e dedicação.

A família aceitou bem a sua escolha de ser atriz?

A minha família sempre me apoiou, e não só a nível de aceitação, mas de me instigarem a ir atrás do meu sonho. A minha mãe ia para o teatro preparar-me e vestir-me no espetáculo que fazíamos em Benavente. Era ela que me maquilhava e que me trocava de roupa. As minhas irmãs sempre me incentivaram e fizeram-me acreditar que seria capaz, com trabalho e dedicação. Alimentávamo-nos todos nesse sonho.

Reconhecer a falha e saber lidar com ela é muito importante. É ver como um momento de oportunidade

Quando é que teve a sensação de 'finalmente, consegui!'

Estou a conseguir ainda... Estou sempre a colocar-me desafios, sempre a colocar-me em causa, a conseguir ou a não conseguir. O mais importante ao longo da minha carreira, mais do que pensar 'eu consegui', foram todas as vezes em que falhei e que pensei que ia aprender com isso e fazer melhor. Reconhecer a falha e saber lidar com ela é muito importante. É ver como um momento de oportunidade.

Quais são as oportunidades que gostaria que aparecessem?

Muita coisa! Quero fazer personagens incríveis, olhar para o meu trabalho e orgulhar-me. Adorava fazer um filme de terror. Adoro fazer personagens reais, já tive a oportunidade de fazer a Vera Lagoa, mas gostava de fazer mais.

Algum ator com quem gostasse de contracenar?

Portugueses já contracenei com quase todos...

E lá fora?

Isso é a coisa mais fácil do mundo! As minhas atrizes preferidas: Meryl Streep e Kate Blanchet. Fazia as minhas malinhas e ia à minha vida [ri-se]. Tenho mais, como é óbvio, mas estas são as minhas duas grandes referências.