No epílogo do livro, Angélique Kidjo relata um episódio passado em Los Angeles, nos EUA, em Março de 2012. “Estou sentada no restaurante Soho House, em Sunset Boulevard, e vejo-me a jantar numa sala cheia de pessoas. Fomos convidados por Bono, George Clooney e Bill Gates. Sento-me frente a Oprah Winfrey e Sean Penn, não muito longe de Ellen DeGeneres e Ben Affleck.” É um jantar de beneficência. Angélique Kidjo, nascida num país distante e protagonista de um difícil percurso no meio musical, está finalmente no mesmo patamar das grandes estrelas.

É este o espírito da autobiografia “Spirit Rising: My Life, My Music”, agora publicada em inglês pela Harper Design, chancela da editora norte-americana Harper Collins. Angélique Kidjo assina o texto juntamente com Rachel Wenrick.

Filha de uma vendedora de roupa e de um fotógrafo, nasceu em 1960 no Benim – país da África Ocidental a partir do qual os portugueses traficaram escravos e que se manteve como colónia francesa até 1960.

Começou a cantar aos seis anos, por influência da mãe, que se dedicava ao teatro amador. O disco de 1967 “Pata Pata”, de Miriam Makeba, veio a ter uma grande influência sobre Angélique. E o mesmo aconteceu com “Amazing Grace”, álbum que Aretha Franklin lançou em 1972.

Muitos dos episódios da infância e adolescência relatados no livro servem para que deles se extraiam princípios edificantes. De resto, o tom do livro transmite a ideia de que Angélique Kidjo veio do nada e batalhou muito até obter reconhecimento como cantora. Algumas passagens impressionam quem desconheça a realidade do Benim.

“Os antepassados do lado do meu pai são originários da aldeia de Ouidah, do lado do Oceano Atlântico, a poucos quilómetros de Cotonou [capital do Benim]. Descendem dos Pedah, uma tribo de pescadores. Ouidah teve um trágico papel histórico. Foi dali que muitos escravos foram obrigados a rumar às Américas”, lê-se.

Em termos de etnia, escreve a cantora, o pai pertence aos Fon, o maior grupo étnico do Benim, enquanto a mãe é Yoruba, um grupo com raízes na Nigéria. “A religião Fon tem um nome infeliz: Vodun. No Ocidente, tem-se uma ideia errada sobre o que é vodu. A maior parte das pessoas pensa que se trata de sacrificar galinhas e vacas, lançar feitiços e obter vinganças. O vodu de Nova Orleães e do Haiti é muito diferente do vodu beninense e tem sido ridicularizado por Hollywood. No Benim, é apenas uma das muitas e importantes religiões animistas que existem há vários séculos”, acrescenta.

A fuga para Paris, durante os anos da ditadura comunista no Benim, e a discriminação de que foi alvo por ser negra, atravessam vários capítulos. A artista relata as dificuldades económicas que encontrou no exílio francês e a exploração de que foi alvo em trabalhos como o de cabeleireira e o de empregada de limpeza num hotel.

Finalmente, com o álbum “Parakou”, em 1989, alcançou reconhecimento do público e da imprensa. Muito mais tarde, em 2002, seria convidada para Embaixadora da Boa Vontade da UNICEF, cargo que ainda desempenha; e em 2008 receberia um prémio Grammy pelo álbum “Djin Djin”, produzido por Tony Visconti, cuja colaboração com David Bowie é bastante conhecida.

“Spirit Rising: My Life, My Music” tem prefácio do arcebispo anglicano e Nobel da Paz Desmond Tutu, e introdução da cantora Alicia Keys. Termina com cinco receitas tradicionais do Benim, recriadas pela autora.

Bruno Horta