Retratos Contados - Nasceste em 1984 em Tomar. Com 3 anos foste viver para Viana do Castelo. Com 18 anos vieste para Lisboa. Com 3 anos não devem ter ficado memórias de Tomar. Como foi a tua infância e a tua adolescência em Viana do Castelo?

Melânia Gomes - Foram maravilhosas! Adoro o Minho e as suas gentes, a sua franqueza, a sua frontalidade, verdade, alegria, generosidade... Enfim, amo Viana! E nunca perdi a ligação a Tomar também. Os meus avós viviam lá e também ia passar férias com o meu pai que vivia lá, por isso...

A tua mãe foi mãe muito nova. Chegou a ser vitima de violência doméstica, o que fez com que ela abandonasse Tomar para ir viver para Viana do Castelo. No entanto, por decisão do tribunal até aos 12 anos viste-te obrigada a ir frequentemente a Tomar e a ficar pontualmente com o teu pai.  Que recordações tens desses tempos?

Melânia Gomes - Umas boas e outras não tão boas... Lembro-me de brincar com o meu primo e com a nossa cadela, dos banhos de mangueira no quintal, do baloiço que o meu avô paterno fez para mim no jardim, de estar sempre a conhecer um pouco mais do meu pai a cada viagem, de nem sempre ser a primeira opção de companhia para ele, de discussões... Das peças de teatro que fazia à noite, das sessões de fotos artísticas, do descontrolo absoluto da alimentação tal era a vontade de me agradarem...

Tens uma diferença de idade da tua mãe de apenas 17 anos. Como foi o vosso relacionamento na infância e na adolescência?

Melânia Gomes - Éramos muito unidas na minha infância. E depois houve alguma rebeldia da minha parte na adolescência, mas acho que é assim com todas as mães e filhas... (risos). Agora sinto que estávamos a crescer juntas em muitos aspectos.

Tens a tia Irene e a tia Silvina que são duas peças fundamentais na tua vida. Fala-nos do teu relacionamento com cada uma delas ao longo da tua vida.

Melânia Gomes - São as minhas princesas, os meus anjos da guarda. Tenho uma profunda admiração, gratidão e amor por elas. Eram a minha companhia em criança, as minhas melhores amigas, bem como a minha mãe. As minhas confidentes e conselheiras. E com o tempo apercebo-me cada vez mais de como foram e são importantes na minha formação, naquilo que eu sou e acredito.

E no que diz respeito aos avós? Fala-nos dos teus avós paternos e maternos. Onde viviam? Que relacionamento tiveste com cada um deles? De que forma te marcaram e te ajudaram a seres o que és hoje?

Melânia Gomes -  Para mim só tenho avós maternos, e infelizmente o meu avô já faleceu. Foi uma grande perda, a primeira grande perda de que tive consciência.
Os meus avós conheceram-se em Luanda (toda a minha família vivia lá e a minha avó foi de Tomar para lá, conheceu o meu avô, casou, teve filhos...). Voltaram todos por causa da guerra. Uns partiram muito antes das coisas piorarem por Luanda e outros até nunca chegaram a sair de lá. A família ficou espalhada por Portugal, onde arranjavam trabalho... Os meus avós ficaram em Tomar, por volta de 1980.
São outro pilar super importante na minha vida! O meu avô foi a única figura paternal que tive durante muito tempo. Passava sempre férias com eles, corremos o pais todo. Perdíamo-nos muitas vezes, era sempre uma risada! Ninguém conseguia fazer uma simples viagem sem se perder, discutir e depois desatar a rir! À noite dormíamos de portas abertas e do quarto de cada um era só rir a contar histórias...
Tenho uma profunda admiração pela minha avó, uma verdadeira guerreira, que sempre fez pela vida e nunca teve medo de nada. Foi para França e Angola sozinha, trabalhou sempre e mesmo depois de viúva conseguiu pôr-se em pé outra vez e continuar a lutar. Admiro-a muito, e à sua fé imbatível também. Sempre que posso estou com ela, claro! E é linda de morrer, a minha avó! ;)

Sentes que herdaste alguma característica dos teus avós?

Melânia Gomes -  Da minha avó já falei em cima e sinto que herdei essa força sim, essa energia de "mulher furacão", mulher guerreira (e o bom sentido de orientação que ela tem também!). O gosto por plantas e pela natureza vêm também da minha avó, e a minha mãe também foi brindada com tudo isto.
Do meu avô herdei o sentido de humor, a lealdade e a ingenuidade (que também ainda tenho, às vezes até demais). Gostava de ter herdado a calma dele, mas tenho um pouco da sua sabedoria e com a idade a calma também há-de chegar. Herdei a alegria pela vida, essa permanente bênção de estar grata e feliz!

Existe parte da tua família que viveu em África. Que histórias te contaram sobre essas vivências?

Melânia Gomes - Histórias de piqueniques na baía, de festas... De como eram felizes e a vida era diferente.
Viviam todos juntos, numa rua cheia de casas e jardins. Era uma vida muito boa. O meu bisavô era um homem de negócios e os seus filhos tinham bons empregos. Contaram-me das suas lutas para defender os empregados da fábrica, da forma bondosa do meu bisavô gerir o pessoal. De como a guerra foi dura, e de quão inconscientes foram na altura por continuarem a agir como normalmente faziam e sem papas na língua... Das filas para a comida... De como Angola era muito mais evoluída que Portugal. Quando vinham cá de férias notavam muita diferença.

Quando começaste a sonhar em ser atriz? Foi algo que foi crescendo dentro de ti até tomares a decisão de vires viver para Lisboa?

Melânia Gomes - Eu sempre soube que queria ser actriz, desde aquela experiência no infantário. Toda a minha infância e adolescência seguiu nesse sentido. Vir para Lisboa era uma coisa que tinha de acontecer, e naturalmente aconteceu.
Foi a vida que me puxou e falou mais alto, eu simplesmente fui atrás. Depois de aqui estar é que as coisas foram diferentes. A oportunidade estava criada, mas eu tive que a agarrar e criar outras novas oportunidades. Tive que correr atrás, nesta profissão temos sempre que correr atrás, nunca nada está ganho!

Sabemos que pisaste o palco pela 1º vez com apenas 4 anos. Fala-nos dessa experiência. Os teus avós estiveram presentes?

Melânia Gomes - Não, os meus avós só vinham nas férias, ou ia eu ter com eles. Esteve a minha mãe, e as minhas tias, de certeza.
Foi no infantário, fazia de Sol e lembro-me daquele burburinho na sala mexer comigo, dar-me vontade de entrar e actuar, ao contrário dos outros meninos que choravam e arrancavam os fatos. Quando finalmente entro e recebo palmas fico maravilhada com aquilo...  E passo os dias seguintes com o fato em casa e na rua à procura da mesma reacção, das palmas do público (risos). Por isso quando era miúda cantava, dançava na rua assim do nada, e os espanhóis davam-me pesetas! Ou então inventava histórias e chorava até as pessoas acreditarem em mim e depois ria-me e dizia quer era mentira, que estava brincar. Só queria mesmo despertar reacções nas pessoas, isso sempre me divertiu imenso.

Olhando para trás achas que esse episódio da tua vida foi determinante para te tornares naquilo que és hoje?

Melânia Gomes - Foram esses vários pequenos mas constantes acontecimentos sim, claro. Mais tarde foi na escola, recitando poesia. Tinha 6 anos quando fui à rádio pela primeira vez recitar um poema maroto! (Risos)
Por tudo isto a minha mãe inscreveu-me num grupo de teatro amador, O Trapo. A minha primeira actuação "profissional" foi na verdade na Ilha da Madeira, no Funchal a fazer teatro de rua! "O velho da horta" de Gil Vicente, eu era uma espécie de anjo, a consciência do Velho! Foi muito especial para mim! A primeira viagem de avião, o primeiro público verdadeiro depois de meses a ensaiar à noite com actores profissionais. Um sonho tornado realidade!
Este ano voltei à Madeira com o BOEING BOEING e foi muito importante para mim, não me tinha apercebido mas faziam exactamente 20 anos! Foi maravilhoso! Senti-me muito abençoada!

Amanhã não percam a 2º parte da entrevista que os Retratos Contados fizeram à atriz Melânia Gomes.