A Associação SORRIR tem como missão promover e salientar a importância de sorrir para a saúde, não pela ausência de doença, mas enquanto bem-estar físico, mental e emocional.
O movimento O MAIOR SORRISO DO MUNDO nasce em 2013 para reforçar esta mensagem e representa alegria, amor, saúde e bem-estar.
Figuras públicas e empreendedores aderiram à causa e partilharam os seus testemunhos. Conheça a história de Helena Águeda Marujo, docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas. Escritora, formadora e co-coordenadora do Executive Master em Psicologia Positiva Aplicada.
1. A fome de sorrisos ou a razão para uma forma positiva de viver
Tenho sido aqui e ali acusada de trazer para o debate social temas leves e positivos, pouco próprios, dizem alguns, de momentos desesperados ou difíceis. Há quem diga que sorrir, rir, ter esperança ou praticar a gratidão ou a fraternidade, são leviandades de quem vive com agilidade excessiva – quiçá sem consciência ou sem critica, condimentos vitais a uma vida em sociedade que nos orgulhe.
Mas ainda assim, insisto.
Insisto, porque não entendo assim esta extremada dicotomia. Mesmo que a desesperança e o pessimismo possam ser úteis em momentos-chave da vida, o optimismo e a confiança no futuro também o são; mesmo que as emoções negativas sejam essenciais para a sobrevivência e a mudança, as positivas também o são; e mesmo que o olhar demorado sobre os problema humanos, a injustiça e a dor sejam roteiros essenciais para alguma saída dos sofrimentos, o foco sobre o que floresce ou funciona na existência dá-nos também fôlego à ação com sentido: guia a caminhada, ao apontar para onde seguir, e aumenta a compreensão sobre a complexidade e dualidade da experiência humana. A atenção ao bom também ilumina e aprofunda consciências, não é apenas superficialidade e ligeireza. O optimismo ontológico é vital para avançarmos – acreditar nos seres humanos. É isso que a ciência e a vida me têm ensinado.
Muitas vezes olho os seres humanos que me vão inspirando – e as suas histórias – e pergunto-me quão positivos e sorridentes terão sido. Por exemplo, um Paulo Freire, ao trazer revoluções e conscientização aos mais pobres e marginalizados do Brasil. Ou um Aristides de Sousa Mendes, ao acabar indigente na pobreza, pela decisão de salvar milhares de pessoas durante a segunda guerra. Sorririam muito? Dariam boas gargalhadas? Ter-se-ão considerado positivos, esperançados ou gratos?
2. Da fisiologia dos sorrisos aos bens relacionais
O sorrisos soltam-se em mim sem dar por isso...resposta fisiológica, são parte de mim, de nós, na naturalidade da existência, da coordenação, da ressonância mútua, de reciprocidade.
Nem sei quantas vezes sorrio ao dia, mas confesso que poder contar me animava. Quantos sorrisos emito – e imito – em cada hora? Por vezes o sorriso acorda-me – torna-se presente e notado. Quando assim é, tenho quase sempre à frente uma pessoa ou muitas...ou uma bela história sobre alguém. Se olhar nos olhos do Outro, sei que sorrio mais. Se sentir a ternura no outro, a história humana que me eleva, a coragem... sorrio ainda mais. Se sentir a humildade, mais ainda. E então se sentir o amor...ah, aí o sorriso é infinitamente verdadeiro, Duchenne, com músculos em redor dos olhos a dizerem: isto vale mesmo a autenticidade de um sorriso!
Faz-me feliz sorrir. E sorrio ao que me faz feliz. (“Estou alegre porque canto, ou canto porque estou alegre?”, perguntava-se William James). Às vezes, estas razões cruzam-se. Muitas, muitas vezes. Mas há coisas que me alimentam a felicidade que podem não me trazer sorrisos. Às vezes a felicidade é séria – porque a felicidade de uma vida em busca de propósito pode trazer desprazer no presente...não, nem sempre o que me faz ou fará feliz é sinónimo de sorriso no momento. Mas pode ser um precursor de sorrisos no futuro. E se não em mim, será noutros. Como diz Marta Nussbaum, há dores boas e maus prazeres.
Hoje sorri muito. Sorri muito porque tive um dia de aprendizagens com um pensador economista que me encanta, Luigino Bruni. Descobrir e pensar coisas novas pela voz de alguém que as pensou tão bem, e que as partilha com tanto humor e sentido urgente de mudança, faz-me, fez-me sorrir. Sabe-lo rodeado de alunos atentos em quem cada palavra e cada ideia fervilha em projetos e em reflexões, faz-me sorrir, fez-me sorrir. Saber que na sala gente boa oferecia graciosamente os seus serviços, a MyTalks, para que o evento pudesse chegar ao mundo todo naquele momento, fez-me sorrir. E ao chegar a casa, fez-me sorrir poder ver a forma doce como os meus filhos trataram da cadela doente, com um amor desprendido, e um cuidar meigo. E fez-me sorrir sentir-me tão abençoada...
O sorriso é uma pré-condição para o amor. Como o contacto ocular, o toque...permitem-nos sincronizações neurológicas, de oxitocina (a “hormona da confiança”), e portanto a possibilidade de viver micro-momentos de amor. Parece-me razão suficiente para sorrir, ainda que os anais científicos tenham muitas outras razões nas páginas das inúmeras revistas que, cada vez mais, decidem estudar o assunto, em Portugal e no exterior.
Sincronizemo-nos pelo sorriso, e muito do que nos distancia e impede de coordenar ficará facilitado. Não será uma panaceia, mas é um caminho. Não deverá ser um instrumento manipulatório entre pessoas que têm outras intenções que não as relações reciprocas em si, mas é um dom biológico que nos faz estender o coração ao Outro.
O sorriso perde-se e encontra-se, tal como uma carteira caída no passeio ou um bilhete de autocarro? Se calhar, ao invés, o sorriso cria-se. Tece-se em conjunto. Sorrio por ti e contigo. E assim somos um pouco mais “nós” e um pouco menos “eu”.
3. Sorrir como espaço de liberdade
Há histórias na nossa vida que nos chocalham, e fazem o sorriso espraiar-se como tinta em pano de linho. No meio de tantas, uma recente deixou-me a sorrir intermitentemente muito tempo. Faço parte da direção de uma associação internacional em Psicologia Positiva, que reúne os maiores investigadores mundiais no tema (só isto já me faz sorrir). De dois em dois anos organizamos um grande congresso mundial. Estive implicada na organização dos dois primeiros. Era agora a vez do terceiro, em Los Angeles. A crise financeira corou a hipótese de apoios institucionais dos investigadores, pelo que, triste, enviei um email a dizer que não iria, nem o meu colega-esposo. Não podíamos suportar a despesa. Alguns dias depois, recebo um email do Diretor executivo da Associação. Dizia algo como “alguém que acredita no vosso trabalho pergunta se virão se vos pagar hotel, inscrições, refeições...”. Assim, alguém anónimo, oferecia-se para cobrir a nossa viagem. Não resistimos a tanta generosidade, claro. Fomos a um dos melhores congressos de sempre da nossa vida. E sabem? Ainda continuamos a sorrir. E continuaremos sempre que esta história for acordada em nós. Há gente que tem este condão: fazer sorrir no meio das piores crises.
Texto: Helena Marujo
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