Justa não poupou palavras para descrever algumas atitudes que poderiam ter desencorajado muitos de nós de continuar em frente – e o caminho revelou-se brilhante! Vamos ouvir esta verdadeira mulher do Norte...
Retratos Contados: Então conte-nos como aconteceram os restaurantes na sua vida...
Justa Nobre. Casei cedo: o Nobre era empregado de escritório numa empresa de automóveis muito grande, e logo a seguir ao 25 de Abril as coisas estavam mal e começaram a complicar-se ainda mais, começaram os ordenados em prestações… O chefe dele, que tinha um prédio ali na Alexandre Herculano, decidiu fazer um restaurante numa parte de casa, no 33 na Alexandre Herculano. O Nobre gostava imenso de hotelaria e eu que cozinhava bem por isso ele convida-nos, a ele para a sala e a mim para a cozinha, mas eu não queria ir como Chef de cozinha nem por nada, tinha 21 anos! A minha irmã Guida teve uma tasquinha pequena por cima do Poço Borratém, e quando trabalhei lá por acaso aí conheci muitos actores, como o António Évora... Todos os atores do “AdHoc” iam lá comer todos os dias. Na altura oVirgílio Castelo estava a começar a carreira de actor e também o conheci. Enfim, era uma tasquinha e não deu para fazer uma hotelaria a sério, mas deu para conhecer muita gente.
Quando o Luís Vaz nos convida para tomar conta do 33 na rua Alexandre Herculano, fiquei com algum receio porque vi que era uma coisa a sério. Mas ele incentivou-me muito: «vá, não tenha medo que você vai conseguir», e eu como precisava de ganhar mais dinheiro, lá fui. Queria ter uma vida decente e então aventurei-me! Gostava de cozinhar, garra não faltava, para mim trabalhar dez horas ou vinte horas era o mesmo, e assim fiz lá um grande restaurante, onde estivemos 8 anos. Depois convidaram-nos para abrir o «Iate Ben» em Carcavelos. Eu precisava de dar às asinhas porque ali já estava muito parada, já não havia por onde evoluir. Ficou decidido que eu e o Nobre iríamos liderar um grande grupo, eu como Chef de cozinha e ele como Chefe de Sala, mas depois as coisas não eram bem como nós queríamos e desmotivámo-nos. Um dia virei-me para o meu marido e disse: «Zé, vamos abrir um restaurante nosso». Disse-me que eu era doida, que não havia dinheiro. Eu respondi que então íamos procurar um restaurante mesmo sem ter dinheiro, e que íamos encontrar. Nas férias eu fazia-o vir todos os dias a Lisboa à procura de restaurantes, enquanto eu ficava com o Filipe, que era pequeno, em Cabanas de Palmela. Um dia telefona-me e diz: «encontrei um restaurante de que vais gostar…só há uma coisa, quase não tem cozinha.» E eu só lhe disse que se cabia um fogão de bom tamanho, eu e mais outra pessoa, ia gostar de certeza! Assim encontrámos o Constituinte, na rua de São Bento. A pessoa não queria muito dinheiro, e conseguimos negociar a entrada...fizemos lá um grande restaurante, mas custou a fazer porque as pessoas não nos conheciam. Estivemos lá 2 anos. Depois a senhoria não foi correcta connosco: o acordado era comprarmos o restaurante ao fim de 2 anos, e ela começou a atrasar os papeis e todo o processo...não foi honesta. Mas as desonestidades pagam-se sempre, as atitudes que cada um tem caiem sempre sobre eles. Se temos boas atitudes, as coisas correm bem, se temos más atitudes, mais tarde ou mais cedo as pessoas sofrem com isso. Começou a aumentar o preço e nós dissemos que nem pensar! Um dia o meu marido chega-me em pânico depois de uma reunião com ela...e ainda bem que eu não fui, porque a senhora tinha ouvido o que não queria. Fomos à procura de outro restaurante, e quando já tínhamos o Nobre da Ajuda a senhora já quase nos oferecia o restaurante, já quase nos pagava para lá estarmos! Aí eu disse: «agora não, minha senhora, fique lá com o restaurante, aguente-se».
Portanto abrimos o Nobre na Ajuda e em 1998 fomos para a Expo tendo o ainda o Nobre na Ajuda. Na Expo, fizemos uma parceria e fomos crescendo imenso, mas há um dia que começámos a ver umas as coisas com as quais não concordávamos e decidimos acabar tudo. Tivemos imensos problemas durante muitos anos, problemas judiciais para limpar o nosso nome, e acabámos por não ganhar nada, ainda perdemos 30 anos de trabalho da nossa vida, o Nobre da Ajuda, perdemos muito. Mas não perdemos a dignidade, não perdemos a força de trabalhar e desde que a gente não perca a nossa família... está tudo bem. Eles trabalhavam connosco e ninguém quis ficar, começámos todos a vida do zero.
Muitos embates? Muitos revezes?
J.N.: Muitos embates, mas sabe uma coisa: o que não nos mata, fortalece-nos. Digo-lhe mais: nos últimos anos, graças a Deus, as coisas têm corrido muito bem, Deus fechou portas mas abriu sempre janelas. Nunca passámos fome, já vivemos muito apertadinhos, com bastantes dificuldades depois destes embates, e deste recomeço. Mas eu costumo dizer: só se perderam bens materiais, não perdemos a nossa dignidade nem a nossa força. Agora o nosso nome está limpo e isso para nós é muito importante...
Isso é importante e a família está unida!
J.N.: A família está unida e isso para nós é o mais importante e quem nos conhece sabe que eu estou a dizer verdade. Somos pessoas muito rectas, falhamos como toda a gente, mas quando percebemos que falhamos não temos problema nenhum em dizer «desculpe». Esta é a nossa postura, foi assim que criámos o nosso filho, e é assim que quero que ele crie os filhos dele.
Eles são fantásticos!
J.N.: Mas são diabinhos, portam-se tão mal os três juntos! Mas dão-se com toda a gente. Toda a gente os adora, os professores, os colegas mais novos e mais velhos, são amigos de toda a gente!
Mas eu creio que tem a ver com a vossa maneira de estar, ao serem tão unidos acaba por ter vantagem, não?
J.N.: É mais cansativo, porque eu trabalho com o meu marido há 38 anos...
Quando chegam a casa não têm novidades para contar um ao outro?
J.N.: Agora temos mais porque eu ando cá e lá no Casino, portanto já falamos mais ao telefone, já falamos quando chegamos a casa... já temos um bocadinho de conversa.
As coisas estão todas muito envolvidas e se não houver uma separação acaba por ser muito complicado.
J.N.: Mas nunca se consegue fazer a separação que se deveria. Não, não somos assim tão irracionais para conseguirmos fazê-lo. É muito giro a gente dizer aos empregados que os problemas ficam à porta, e uma parte até fica, mas há uma parte que sobra. Ainda por cima se a casa é nossa, os nossos problemas de casa e os nossos problemas do trabalho são todos nossos problemas.Se fossemos empregados cada um no seu lugar, era mais fácil!
Têm de ter feitios compatíveis e de ser muito compreensivos...
J.N.: Mas também chocamos! Nem sempre estamos de acordo.
E tem de haver um líder?
J.N.: Tem de haver! E não quer dizer que o líder tenha sempre razão, muitas vezes não tem e chega-se à conclusão que as outras pessoas têm outra perspectiva da coisa e até têm razão...
O facto do seu filho vir trabalhar convosco, foi algo que ele sempre quis ou foi acontecendo?
J.N.: O Filipe era para ter seguido um outro caminho, o do futebol, mas desistiu. Também não quis estudar, não quis tirar um curso superior. Por isso, começou a ajudar, e foi-lhe apanhando o gosto. Depois apareceu aquele restaurante lá no Casino que só funciona à noite e de que ele gosta, por isso ele e o meu cunhado tomam conta, e eu ando cá e lá.
E com a vida atribulada tem tempo para os netos?
J.N.: Tento ter e tenho! Por exemplo, no mínimo uma vez por semana gosto que vão dormir lá a casa. Quando eu posso, ao Domingo ainda os vou buscar e eles dormem lá para Segunda-Feira, depois Segunda-Feira eu e o avô vamos levá-los à escola.
E eles adoram?
J.N.: Ui, ficam doidos! De vez em quando vou à escola deles fazer queques, dar uma aulinha de culinária e eles ficam todos contentes.
E os colegas conhecem a Justa, não é?
J.N.: Sim! Eles estão os três no mesmo colégio desde os 3 anos, de maneira que toda gente conhece a avó Ju: a Mónica é a «Mó», a Mariana é a «Bolinha», portanto toda a gente sabe que eu sou a avó deles. Os directores estão sempre a perguntar quando é que eu posso ir lá, só que o tempo é que não chega para tudo.
Eu tenho um elo muito forte com eles e já o meu filho tem a mesma ligação à família, desde sempre. O Natal é sempre passado em família também, a consoada em minha casa e depois no dia de Natal revezamo-nos: um ano é em casa de um irmão, no outro ano é em casa de outro. Estamos sempre juntos, independentemente de estarmos sempre a trabalhar juntos, mas nesse dia é diferente porque é uma festa e estamos sempre muito ligados.
Tanto a Justa como as suas irmãs são todas ligadas à mesma área: isso é como uma herança genética que coube a todos?
J.N.: É uma herança genética, mas é também um elo de família. Nós os sete temos uma ligação muito forte. Muita gente diz que não é costume ver um elo tão forte como o nosso: se uma está com dificuldades já estamos todos preocupados, se há outro que está triste, já estamos todos preocupados…
Vemos que a Justa está a passar os mesmos valores aos seus netos porque já estamos aqui há umas horas e não os vimos a zangarem-se uns com os outros, mas a brincarem juntos.
J.N.: Também têm o seu confronto, faz parte, nós também tínhamos...mas gostam todos muito uns dos outros. Ainda no outro dia a Mónica esteve na aldeia 3 ou 4 dias com a minha irmã Ana e com a Guida, e os outros só perguntavam “a Mónica quando chega?”, “ Ó Vó, a Mónica já chegou?” Têm sempre saudades uns dos outros. (continua)
Este texto é escrito sem recurso ao Acordo Ortográfico
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