Quase todos nós somos tocados ao fim de tantos dias de confinamento por alguma ansiedade e dor. Dizem que o sofrimento é o inimigo natural do narcisismo. Somos levados a abdicar de velhos hábitos, rotinas, estruturas e compromissos. O mundo pede que repensemos nos nossos verdadeiros pilares para que não mais estejam em contradição com os reais objetivos da alma. Não dá mais para fingir. Dissimular. Estamos a ser postos à prova.

Acredito, no entanto, que muitos possam vir a ter saudades dos tempos da quarentena. Tempos que apesar de atribulados para quem tem de, em simultâneo estar em teletrabalho e gerir as atividades com filhos em casa, não seja fácil mas por isso nos fará cada vez mais questionar se serão mesmo necessárias as horas perdidas no trânsito até ao trabalho onde não somos felizes. É então urgente e necessário mudarmos a perspetiva do que se passa em nós e que consequentemente espelhamos no (nosso) mundo. É quase a velha história do “não és tu, sou eu”… São as minhas escolhas, as minhas prioridades!

 
Buda refere em múltiplos textos que a causa mais profunda do sofrimento é a ignorância. A meu ver, esta é a altura em que mais devemos efetivamente estar gratos ao planeta Terra por este aviso, pois por esquecimento, egoísmo mas também quero crer por ignorância, andámos a maltratá-la, achando que tudo era possível. Os recursos sim acabam e a maior parte de nós viveu tempos de uma ansiedade cada vez mais desenfreada em busca de mais. Criámos ilusões, projeções, desejos e muitas fantasias desmedidas.

Agora, o mundo obrigatoriamente quase que saiu da matéria. Até o toque é feito com luvas. Muitas coisas são vividas de forma virtual e à distância. As relações são mais valorizadas e tudo está mais perto de ficar curado, sarado e reconstruído e desta vez sem a presença dos humanos. Curioso! Vivemos com a pretensão que podíamos tudo tantas e tantas vezes de acordo com o nosso umbigo e agora o (nosso) dinheiro e poder pouco podem comprar. Nem saúde, nem bens, nem a presença dos que mais amamos. É hora de aceitar, conviver e reconhecer o estado de impermanência nas coisas que nos rodeiam. Nada é para sempre igual. As pessoas morrem muitas vezes de forma inesperada. O mundo mostra que não controlamos nada. Que tudo é mudança. Adaptação. Que a vida é pouco fiável mesmo para quem tantas contas faz!

 
Que estes momentos que para uns são de sofrimento mas que para outros estão a ser de reencontro com eles próprios, sejam para todos os mais ricos facilitadores de verdadeiras tomadas de consciência do que já não nos serve e que daqui para sempre a Terra não tenha que nos relembrar mais do que é realmente valioso.

Alexandra Ramos Duarte faz parte do grupo de previsores do SAPO Lifestyle. Saiba mais aqui.