Nas últimas semanas, o divórcio da apresentadora de televisão Bárbara Guimarães do político e comentador Manuel Maria Carrilho voltou a trazer o problema da violência doméstica para a ribalta da esfera mediática.

Alegadamente vítima de agressões físicas e psicológicas, o rosto da SIC é a face mais visível de uma realidade que continua a gerar tristes estatísticas em Portugal.

Em 2012, as autoridades registaram 26.084 queixas de violência doméstica de violência doméstica em território nacional. Nos primeiros seis meses deste ano, o número de agressões e de mulheres mortas por violência doméstica já ultrapassou mais de metade dos números de 2012, que somou 37, reforçando uma tendência que vem de trás.

«De acordo com as Estatísticas/Relatório Anual 2011, elaboradas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), 19 mulheres por dia foram vítimas de violência doméstica em Portugal, no ano passado. No total foram registados 15.724 crimes de violência doméstica contra as mulheres», pode ainda ler-se no site da associação.

Anabela Carvalho (nome fictício), 32 anos, faz parte dessas estatísticas. «Estive casada seis anos. Sempre fui uma pessoa muito independente e ambiciosa. Foi sempre um casamento sem stresse e, há dois anos, cheguei à conclusão de que já não amava o meu ex-marido, apenas partilhava um filho e a empresa. Conheci outro homem pelo qual me apaixonei. Divorciei-me, entreguei a minha parte na sociedade e fiquei sem nada por opção», começa por contar.

«Hoje, tenho outro filho da minha atual relação. Uma relação que é um inferno. Não consigo ir ao ginásio, ter um trabalho diferente do dele (trabalhamos juntos) ou sequer voltar a estudar. Estou impedida de socializar. A paixão foi-se há muito, estou dependente financeiramente e sofro de violência física. Vivo todos os dias arrependida do que fiz à minha vida. Não consigo traçar objetivos e sinto-me apenas a tentar sobreviver por causa dos meus filhos», desabafa.

A sua realidade diária não difere muito da das mulheres que engrossam as estatísticas de violência doméstica em Portugal e que vivem uma vida complicada e atribulada. «Por um lado, parece-me evidente que [essa mulher] está numa situação depressiva, com sentimentos de culpa, revolta consigo mesma, stresse elevado e que será bom procurar ajuda junto de profissionais de saúde mental, para lidar melhor com isso», comenta Vítor Rodrigues, psicológo clínico e psicoterapeuta.

«Por outro lado, a violência física (e muito provavelmente emocional, por aquilo que relata) é algo que não devemos tolerar e que a lei portuguesa condena como crime público, podendo ser denunciada anonimamente. Por isso, aconselho-a a procurar apoio junto da APAV, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, quanto mais não seja para se informar acerca dos seus direitos e da proteção de que pode/deve beneficiar», recomenda o especialista.

«Caso haja uma agressão física mais violenta, é importante dirigir-se de imediato a um centro médico para documentá-la e fazer uma queixa formal junto da PSP ou GNR. Isso é fundamental para poder agir com a lei a seu favor. A nível pessoal, é imperioso que encontre momentos para, com ou sem ajuda profissional, se recordar de si mesma, de quem é, daquilo em que acredita e de como se sentia, pensava e vivia nos momentos mais felizes e confiantes da sua vida. Isso poderá ajudá-la a reencontrar um rumo na vida», sublinha Vítor Rodrigues.

Além da APAV, as vítimas podem também recorrer à Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV). Prestes a completar 20 anos, a AMCV acompanhou, no ano passado, 9.135 pessoas em situações de violência, numa média mensal de 192 utentes, nos seus centros de acolhimento, casas de abrigo e grupos de ajuda. «De 1993 para cá, a situação em Portugal já é completamente diferente. É um tema que as pessoas reconhecem», afirmou ao semanário Expresso Maria Macedo, diretora técnica da associação.

Nas últimas décadas, os números oficiais aumentaram (há mais mulheres a fazer queixa) mas os apoios institucionais também registaram um crescimento. Algumas das novas iniciativas são mesmo originais e inovadoras, como é o caso de um dispositivo, ligado ao centro de atendimento telefónico da responsabilidade da Cruz Vermelha, que funciona como um alarme que a pessoa aciona quando se sente em perigo. Mais de 200 vítimas de violência doméstica beneficiaram desta medida de teleassistência desde que o dispositivo foi criado, em 2011.

Texto: Luis Batista Gonçalves