Chama-se CHIcoração (Chi, de Chiado, e Coração de Lisboa), e outro nome não podia ter já que se situa na Rua da Misericórdia, a escassos metros da Praça Luís de Camões, no centro da capital. Bem portuguesa, a loja de Otília Santos, que trabalhou no Printemps em Paris, só utiliza matérias primas naturais e técnicas de fabrico tradicionais. O artesanato português no seu melhor.

Qual é a particularidade da sua loja CHIcoração?
TEsta loja trabalha exclusivamente com materiais naturais. No Inverno trabalho a lã, e no Verão, o algodão, linho e seda. A principal diferença é que sou eu que faço os tecidos e as malhas, e só depois avanço para o design e criação das peças.

Trabalha a lã nos teares?
Manuais e mecânicos, todos antigos. Por enquanto só os tenho em Mira d’Aire, mas o meu objetivo é ter um tear na loja para as pessoas verem como se fazem os tecidos.

Que tipo de peças faz nos seus teares?
Existem teares para tecer malhas e teares para tecer tecidos o fazendas, a partir daí fazemos camisolas, casacos, chapéus, echarpes, peças de decoração e bijutaria também em lã com pedras misturadas. Normalmente aproveito o que sobra dos cortes para pequenos acessórios e pormenores, a fim de rentabilizar toda a matéria.

Só tem peças para mulheres?
Neste momento já estamos a estudar uma linha de homem, e já temos o cachecol e as pantufas. A peça seguinte são os casacos para homem.

Que peças de decoração vende na sua loja?
Mantas, almofadas e algumas pecinhas que misturam barro com lã.

Com tanta manufatura os seus artigos não podem ser baratos...
Partimos de uma pequena peça de 10€, se for uma pregadeira, e vai até aos 200€ se for um casaco de dupla face em que de um lado é malha e do outro fazenda. A matéria prima é muito nobre e muito cara e, normalmente, o preço da peça tem a ver com a quantidade, pesamos a peça e calculamos o tempo da mão de obra.

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Quem cria as peças?
Sou eu. Trabalho no manequim. Também faço alguns moldes mas geralmente estruturo as malhas no manequim. Trabalho um pouco ao contrário, ou seja, em vez de imaginar uma peça e ir à procura da matéria prima, é a matéria prima que me inspira para a criação peça. A malha é muito versátil. Na busca da tradição, também pedimos ajuda a pessoas detentoras de saberes antigos e incentivamos os mais novos a aprender.

Como é que surge esta ideia de trabalhar com produtos tão genuinamente portugueses?
A empresa “mãe” da CHIcoraçao é a Multilãs com sede em Mira de Aire, uma empresa que se dedica à compra lã aos produtores e a fazer a sua triagem para a preparação do processo de transformação da lã: lavagem, cardação, penteação.

O seu gosto pela moda começou quando?
A moda sempre me fascinou, comecei por trabalhar na central de compras no Printemps, em Paris, depois ocupei um cargo na área têxtil no grupo Sonae. O contacto com a lã despertou o interesse de aos poucos adquirirmos algumas máquinas antigas para a produção de malhas e fazendas, assim como algumas máquinas para os acabamentos finais.

Onde arranja a lã?
Compro-a aos juntadores, pessoas que juntam a lã de pequenos agricultores, e quando têm um camião completo, vamos carregar e trazêmo-la para o nosso armazém. Essa lã vem de todos os pontos do país. Antigamente Portugal era um grande centro têxtil e as empresas precisavam de matéria prima para trabalhar. Há 20 anos ainda havia muita procura...

Ainda existem muitos comerciantes de lã no nosso país?
Atualmente há quatro grandes comerciantes de lã em Portugal. A melhor lã é a alentejana porque é a mais fina. A mais grossa só dá para fazer tapetes.

Quando a lã chega ao seu armazém de Mira d’Aire, qual é o passo seguinte?
Temos pessoas a escolher e a classificar a lã. Abre-se o véu, aquilo que sai do animal, e limpa-se. Depois vê-se a micronagem, ou seja, a espessura da lã. Quanto mais fina, mais valiosa.

Qual é a sua ligação a este processo da lã?
O meu marido nasceu em Mira d’Aire e está a seguir o negócio do pai, das peles e das lãs. A seguir vieram os contactos das fábricas, porque inicialmente só trabalhávamos matéria prima em bruto. Quanto algumas dessas fábricas fecharam, comprámos algumas máquinas antigas e montei o meu atelier com esse equipamento.

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Tem um negócio sem concorrência?
No que diz respeito às malhas, penso que sim, Pelo menos não conheço ninguém que faça este processo completo. Uma vez que recoremos a processos artesanais não faz sentido repetir peças em grandes quatidades, pretemos quebrar o ciclo industrial que leva a que todas as pessoas vistam peças similares deste modo o cliente ao comprar sente que tem algo de especial e que tem a ver com ele.

Quando abriu a loja em Lisboa mudou-se para Lisboa?
Não. Continuo a morar em Mira d’Aire. No início ainda fiquei em Lisboa algum tempo, mas já passei a pasta à Agna, que é a gerente da loja. Estamos abertos todos os dias, de segunda a quarta, das 10h às 20h, quinta, sexta e sábado, das 10 às 23h, e domingos das 12h às 20h. A Baixa é uma zona turística e tem movimento até tarde.

Os clientes da CHIcoração são maioritariamente estrangeiros?
Sim, neste momento, cerca de 80 por cento são estrangeiros, e já começámos a exportar. Os estrangeiros adoram peças com história e as nossas colaboradoras estão preparadas para responder a todas as perguntas.

Em que consiste seu trabalho criativo?
Abri um atelier por baixo da minha casa e é lá que trabalho. Faço tudo, desde a criação dos padrões até à confecção das peças. Depois da máquina, há muitos acabamentos que têm de ser feitos à mão.

Tem filhos?
Tenho um filho com 17 anos, no 12º ano, e uma filha com 18, que está em Viseu a tirar o curso de enfermagem veterinária.

O nome da sua loja é muito sugestivo...
É CHI, de Chiado, e coração, de coração de Lisboa, devido à sua localização. E também porque tinha de ser um nome português, nem fazia sentido que não fosse.

A loja está a corresponder às suas expectativas?
Desde o início que o conceito foi muito bem recebido. Cada pessoa que entra na loja, adora! Não só a decoração, era uma antiga casa de cavalos, como as peças que comercializamos.

Como ocupa os seus tempos livres?
Neste momento não me sobra tempo para nada.

Este era o caminho que imaginava que a sua vida ia levar?
Não. Fui surpreendida pelo rumo que as coisas levaram, mas estou feliz com o meu trabalho!

 

Texto: Palmira Correia