Em cada um de nós, na nossa mente, habitam personagens capazes de condicionar decisões e minar a felicidade. Aprenda a identificá-las.

O ponto de partida é a lenda de Sísifo. Depois de morrer, este rei da mitologia grega foi condenado a empurrar até ao cume de uma montanha um pedregulho que resvalava para a base sempre que se aproximava do topo, obrigando-o a recomeçar do zero.

Este eterno esforço vão, sustém Shirzad Chamine no livro da sua autoria «Inteligência Positiva», editado pela Gestão Plus, lembra «muitos dos esforços que desenvolvemos em prol do nosso sucesso ou da nossa felicidade», desde o abandono sistemático de resoluções à satisfação efémera que sentimos ao alcançar algo que pensávamos que nos traria uma felicidade duradoura.

Formado em psicologia e neurociência, o autor identifica, porém, uma «grande diferença» face à história de Sísifo. «Neste caso, a tortura a que somos submetidos é infligida pelas nossas próprias pessoas», realça este especialista.

O agente sabotador, defende, é a nossa mente, que «pode ser o nosso melhor amigo ou o pior inimigo». O equilíbrio «entre estas duas condições», diz, chama-se inteligência positiva e pode ser incrementado por cada um, a partir da identificação e enfraquecimento dos elementos sabotadores que mais o afetam.

O sabotador dominante

O sabotador dominante é considerado um juiz. Habita todas as pessoas e traduz-se numa predisposição para exagerar a visão negativa e partir do princípio de que, ao contarmos com o pior, fazemos o melhor por nós mesmos. Identifique-o! Este atormenta-se pelos erros do passado e pelas insuficiências presentes.

Foca-se nos defeitos dos outros e estabelece comparações de inferioridade e superioridade. E classifica circunstâncias como más, em vez de as ver como oportunidades. As mentiras justificativas que mais lhe estão associadas estão relacionadas com frases como «Sem mim a pressionar-te, tornar-te-ás preguiçoso», «A castigar-te pelos teus erros, irás repeti-los» e «A assustar-te, não te esforçarás para evitar desgraças».

O impacto desta postura cria culpa, arrependimento, deceção, tristeza e vergonha e instiga raiva e ansiedade. É a primeira causa de angústia e sofrimento. Gera muitos conflitos relacionais e estimula os sabotadores cúmplices. Para ajudar o juíz a sobreviver nos primeiros anos de vida, cada pessoa desenvolve, pelo menos, um sabotador cúmplice, de acordo com dois aspetos da sua personalidade.

Tal envolve as motivações que determinam as suas necessidades emocionais de sobrevivência e o estilo que adota ao tentar satisfazê-las. A intersecção entre a sua motivação principal (independência, aceitação ou segurança) e o seu estilo dominante (assertivo, merecedor ou alheado) indica o seu provável sabotador cúmplice. Porém, poderá ser outro, já que a educação e circunstâncias exteriores também afetam o seu desenvolvimento.

Identifique o seu juiz

Leia as características de cada um e tente determinar qual é o principal cúmplice do seu juiz. Poderá exibir, ocasionalmente, características de vários, mas foque-se no principal. Poderá ter um no trabalho e outro na vida pessoal. A motivação de um determinado tipo de juizes, como o controlador, o picuinhas e o esquivo, prende-se, muitas vezes, com a independência.

«Não quero estar dependente dos outros», é o espírito. Pressupõe a necessidade de estabelecer limites nas relações, para preservar a independência face a elas.

O controlador

Tem um estilo assertivo. Tem um necessidade ansiosa de dominar todas as situações, incluindo os comportamentos e ações dos outros. Obstinado, conflituoso e contundente, relaciona-se através da competição, do confronto. Rejubila quando consegue fazer o impossível e escapar ao previsível. Sente uma ansiedade intensa quando as coisas não correm como quer.

Além disso, impacienta-se com os outros e os seus estilos pessoais e irrita-se e intimida-os se não querem segui-lo. Sente-se magoado e rejeitado, mas raramente o admite. Quem o rodeia sente-se controlado, ressentido e impossibilitado de descobrir o potencial das suas capacidades.

O picuinhas

Tem um estilo merecedor. Dominado por uma necessidade exacerbada de ordem, é pontual, metódico e perfecionista e pode mostrar-se irritável, tenso, obstinado e sarcástico. Muito crítico de si e dos outros, tem uma grande necessidade de autocontrolo. Trabalha demais para compensar a preguiça e negligência alheias e é muito sensível a críticas.

Como resultado, cria frustração consigo e com os outros por não corresponderem às suas exigências e sente ansiedade devido ao medo de destruírem a sua ordem e raiva reprimida. Rígido ao lidar com a mudança e o estilo de cada um, cria frustração e ressentimento. Os outros resignam-se perante a ideia de que, por mais que se esforcem, não conseguirão satisfazê-lo.

O esquivo

Tem um estilo alheado. Dá um enfoque extremo aos aspetos agradáveis da vida e foge ao difícil ou desagradável. Evita conflitos e tem dificuldade em dizer que não, oferecendo resistência através de manobras passivo-agressivas. Temendo que a sua paz arduamente conquistada seja perturbada, subestima a importância de alguns problemas reais, sente-se perdido nos hábitos de conforto e protela tarefas desagradáveis.

É marcado por uma aparente serenidade que disfarça a ansiedade gerada pelos temas protelados ou evitados e a raiva e os ressentimentos reprimidos. Negar a negatividade impede-o de extrair sabedoria das situações dolorosas. A confiança dos outros é reduzida e as relações votadas à superficialidade, pois não sabem até que ponto ele retém informações negativas.

Quando a motivação é a aceitação

«Preciso de ser amado» é a afirmação que serve de ponto de partida. Pressupõe a necessidade de manter uma imagem positiva, de ser aceite ou de obter afeto.

O ás

Tem um estilo assertivo. Depende do seu desempenho e realizações para obter respeito por si mesmo. Valoriza o estatuto, é competitivo e disfarça eficazmente as inseguranças. Tende a trabalhar demais, esquecendo as necessidades relacionais mais profundas. Receia a intimidade e a vulnerabilidade. A proximidade permitiria que vissem que não é tão perfeito como projeta.

O aprazível

Tem um estilo merecedor. Tenta obter aceitação e afeto oferecendo ajuda, agradando ou bajulando. Sente-se egoísta e receia afastar os outros ao expressar diretamente as suas necessidades, mas ressente-se por ser tomado por garantido. Limita a autonomia e incentiva a dependência, podendo fazer com que os outros se sintam em dívida, culpados ou manipulados.

A vítima

Tem um estilo alheado. Tem atitudes emotivas para obter afeto e atenção e foca-se demais em sentimentos, sobretudo nos negativos. Tende a isolar-se, a fazer birra ou a amuar se criticado ou incompreendido e a desesperar e desistir face às dificuldades. Reprime a raiva, o que gera depressão, apatia e fadiga constante. Sente-se só mesmo com amigos e sofre de inveja.

O inquieto

Tem um estilo assertivo. Busca constantemente novos estímulos e raramente se sente satisfeito com o que está a fazer. Ocupa-se com muitos projetos e distrai-se facilmente. Foge à vivência plena de cada momento, o que pode traduzir-se na evicção de sentimentos desagradáveis.

O hipercauteloso

Tem um estilo merecedor. Permanentemente vigilante quanto a possíveis perigos, tem dúvidas crónicas e é desconfiado e pessimista quanto às intenções alheias. Sofre de ansiedade intensa e constante, procurando conforto e orientação em procedimentos, regras, autoridades e instituições.

O hiper racional

Tem um estilo alheado. Com uma mente ativa, foca-se no processamento racional das coisas, incluindo das relações, exprime sentimentos através da paixão pelas ideias e pende para o ceticismo e o debate. Pode ser considerado frio, distante e intelectualmente petulante.

Como enfraquecer os sabotadores com as regras da inteligência positiva

Psicólogo e doutorado em neurociência, com larga experiência nesta matéria, Shirzad Chamine aponta estratégias e monólogos interiores que nos libertam:

- Teoria

A melhor estratégia é «simplesmente observar e identificar os pensamentos e sentimentos desses intrusos sempre que se depara com eles» e não os combater, já que «enfurecer-se equivale a julgar o sabotador em causa e, ao fazê-lo, estará a fortalecer o Juíz», explica o autor.

Expor os estratagemas dos sabotadores «à luz da consciência» diminuirá os seus estragos, que são «tanto mais extensos e profundos quanto mais velada for a sua ação». «Quando logram convencer uma pessoa de que são seus amigos e aliados» dando «justificações bastante razoáveis para as suas ações», sublinha.

- Prática

Por exemplo, pense «o juiz acha que não sou capaz» em vez de «não sou capaz». Numa reunião, ao ser visitada pelo controlador, pense algo como «Aqui está o sargento, a tentar convencer-me de que as coisas só correrão bem se for feita a sua vontade» ou «Está ansioso e irritado porque não está a conseguir dominar a situação», sugere.

Texto: Rita Miguel