E se lhe dissermos que a melhor forma de lidar com os problemas é encará-los com otimismo? Parece algo vago e inconsequente, mas segundo os estudos da psicologia positiva, o otimismo pode realmente mudar o curso dos acontecimentos. Apaixonados por esta forma de ver a vida, os psicólogos Maria do Carmo Oliveira e Manuel de Oliveira decidiram pôr em prática os fundamentos desta disciplina.

Há mais de uma década, nos primeiros anos da de 2000, juntaram-se e criaram o Clube do Otimismo para nos ajudar a descobrir o que de melhor (e mais positivo) existe em cada um de nós. Cerca de 10 de anos e muitos sorrisos depois compilaram num livro tudo o que aprenderam. Em entrevista à Saber Viver explicam como colocar a sorte a seu favor.

O vosso livro chama-se «Viver em Tempos de Mudança». A que tempos se referem?

Os tempos de mudança sempre existiram, mas hoje tudo é mais acelerado. Somos confrontados constantemente com mudanças na área das tecnologias, no emprego e na própria estrutura familiar. Os empregos para a vida acabaram. De um momento para o outro, a nossa situação profissional muda e temos de nos adaptar a novos cargos, a novas formas de trabalhar. É fundamental sermos persistentes, inovadores e otimistas para nos adaptarmos a cada mudança.

Como é possível manter o otimismo em tempo de crise e de austeridade?

Não é fácil, mas é possível, se formos determinados, como também é possível mudarmos de um estado pessimista para uma atitude otimista. Normalmente isso só acontece quando acumulamos uma quantidade de dor suficiente que nos impele para a mudança. A psicologia positiva tem vários instrumentos para fazer esse salto. Um exercício muito simples e eficaz consiste em exprimir a gratidão pelas coisas boas que temos na vida, todos os dias.

Que outras estratégias podemos adotar para nos tornarmos mais otimistas?

É muito importante que as pessoas tomem atenção ao seu discurso, interno e externo, aquilo que dizem a si mesmas e aos outros. Estamos numa fase de muito queixume. Frases como «Que horror», «Não sou capaz» ou «Isto vai de mal a pior» têm uma carga profundamente negativa. A nossa fisiologia muda instantaneamente. Deixamos cair a nossa postura, ficamos sem energia, nem motivação.

Como podemos eliminar esse tipo de expressões do nosso discurso?

Não se trata de negarmos o que está mal, mas de manter uma atitude esperançada, que nos faça avançar e encontrar soluções. Se eu disser «Vou conseguir!» ou «Vai ser espetacular!», o meu corpo reage e ativa todas as hormonas que são favoráveis à minha ação. Mesmo que inicialmente não acredite.

Veja na página seguinte: De que forma os nossos pensamentos influenciam o curso dos acontecimentos?

De que forma os nossos pensamentos influenciam o curso dos acontecimentos?

A nossa memória é seletiva. Por exemplo, se estou grávida vou reparar muito mais nas grávidas que passam por mim na rua. Se estivermos constantemente a pensar no que é negativo é como se estivéssemos a informar a nossa mente que isso é que é importante para nós, como tal, a nossa memória vai focar-se nos problemas como se eles estivessem a vir ter connosco.

Na verdade, nós é que estamos a ir ter com eles. Quando dizemos «Já sei que hoje o dia vai-me correr mal», o nosso cérebro encarrega-se de confirmar a nossa expetativa e o dia efetivamente corre mal.

Os pensamentos negativos geram um círculo vicioso…

Até ao dia em que decidimos mudar e passamos a observar a beleza, as coisas positivas, o que existe de bom na vida e pelo qual estamos gratos e então, em vez da ansiedade, instala-se a serenidade. Se eu acreditar que há saídas para os meus problemas eu vou encontrá-las.

Que estratégias deve adotar alguém que acabou de perder o emprego?

Deve encarar o desemprego não como um problema mas como um desafio. Só o facto de utilizarmos esta palavra já nos predispõe para a ação. Depois, em vez de se focar nos aspetos negativos, pense nas suas competências e qualidades e como é que poderá fazer a diferença em relação aos outros candidatos.

Os otimistas têm mais sucesso nas entrevistas de emprego?

Se vamos para uma entrevista com uma atitude negativa, fechada, já à espera de não sermos selecionados, a pessoa que está a recrutar sente isso perfeitamente. Mais do que nunca as empresas precisam de equipas motivadas, entusiastas, otimistas e é isso que vão procurar nos colaboradores.

O que diria a alguém que utiliza o pessimismo como estratégia para não se desiludir?

Muitas pessoas recorrem ao pessimismo defensivo. É verdade que não nos desiludimos se estivermos à espera do pior, o problema é que também não vamos dar o nosso melhor. Quem é que vai investir em algo se acredita que não vai resultar?

Alguém abriria uma empresa que acreditasse que ia abrir falência logo a seguir? Essa atitude pessimista bloqueia as nossas competências. Não somos suficientemente enérgicos, nem desencadeamos todas as ações positivas que nos podem levar ao sucesso.

Qual a fronteira entre o otimismo e o irrealismo?

Quando nos referimos ao otimismo estamos a falar de um otimismo realista, proativo, em que a pessoa continua a desencadear ações e a escolher as estratégias que poderão levá-la aos seus objetivos. O otimismo irrealista, muitas vezes, é um otimismo de fuga. É apenas um pensamento positivo oco. Pensa-se algo como «Eu sei que me vai correr tudo bem portanto não preciso de agir». A pessoa poderá sentir-se feliz, mas os resultados não serão os melhores.

Existem povos mais pessimistas que outros?

Sim. Há um caso muito interessante que é o do Butão, um pequeno país dos Himalaias, muito pobre e que se encontra em oitavo lugar do ranking dos países mais felizes do mundo.

Que conclusões podemos tirar desse exemplo?

Que a felicidade e o otimismo dependem daquilo que nós valorizamos. Nos países da América Latina em que se trabalha muito e se ganha pouco, os povos sorriem, cantam e consideram-se felizes. Culturalmente, no nosso país o foco está no negativo, no que não funciona e nas queixas. A literatura depressiva foi atravessando gerações, bem como o próprio fado que até determinada altura tinha uma carga muito negativa, as letras referiam um destino fatídico em que nada havia a fazer para dele fugir.

Veja na página seguinte: Porque assumimos com frequência o papel do coitadinho?

Porque assumimos com frequência o papel do coitadinho?

O papel de vítima é-nos incutido na infância. A criança anda a brincar e está tudo excelente, mas se ela cai e começa a chorar interrompemos o que estamos a fazer para lhe dar atenção. Mais tarde, a criança adoece e desculpamos todos os disparates porque, coitadinha, está doente. Aos poucos, ela aprende a colher a atenção pela negativa. E como todos nós gostamos de ter atenção, mesmo na idade adulta, prolongamos esta estratégia.

O negativismo das pessoas à nossa voltar pode contagiar-nos?

Sim, mas o contágio também ocorre através das emoções positivas, desde que sejamos persistentes. Todos nós podemos assumir a responsabilidade da mudança.

O que diria a alguém que diz não ter sorte na vida?

A sorte constrói-se, com persistência, determinação e autoconfiança. Não adianta olhar para trás, para o que correu mal e que não podemos mudar. O que interessa é o que podemos fazer hoje para no futuro alcançarmos o que pretendemos.

O percurso de Maria do Carmo Oliveira e Manuel Oliveira

Licenciados em psicologia, são membros fundadores da Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva e fundadores do Clube do Optimismo. Juntos criam programas de intervenção no âmbito do desenvolvimento do otimismo e da resiliência. Em 2012, lançaram o livro «Viver em tempos de mudança», publicado por A Esfera dos Livros.

Texto: Vanda Oliveira com Maria do Carmo Oliveira e Manuel de Oliveira (psicólogos)