Uma investigação de 2011, levada a cabo pela American Psychological Association, já tinha posto a nu as diferenças entre os homens e as mulheres na hora de se valorizar profissionalmente e no momento de (re)negociar salários. Eles sabem vender-se melhor do que elas e acabam por lucrar com isso. Essa foi também a conclusão a que chegaram agora os analistas que esmiuçaram mais de 141 milhões de perfis do LinkedIn nos EUA.

Segundo os dados apurados, nesta rede social profissional, as mulheres promovem-se menos do que os homens e também publicitam menos os negócios em que se encontram envolvidas. «Elas incluem 11% menos informação sobre as suas aptidões nos seus perfis, mesmo quando têm um nível de conhecimento e um grau de experiência profissional equivalente ao deles, além de usarem frases mais curtas», refere o relatório.

«É um pau de dois bicos. As mulheres são penalizados socialmente por se comportarem de uma forma em que podem ser vistas como imodestas e são penalizadas profissionalmente por se comportarem de maneiras que não favorecem a sua autopromoção», critica Marie-Helene Budworth, professora da School of Human Resource Management da York University, a terceira maior universidade do Canadá.

O (outro) estudo que reforça as diferenças

Muitas das nossas atitudes diárias são pautadas pelo que se pensa e espera de nós, homens e mulheres. Um pouco por todo o mundo, há muitas décadas que grupos de cientistas analisam em pormenor as estruturas do cérebro para avaliar se existem, de facto, diferenças. E, a avaliar pelas mais recentes descobertas, nem tudo é azul ou rosa. É o caso da investigação realizada por uma equipa de neurocientistas da Universidade de Telavive, em Israel.

Depois de analisarem mais de 1.400 imagens, os cientistas envolvidos no projeto inferiram que não existe aquilo que se poderia definir como sendo um cérebro masculino ou um cérebro feminino. Estudos como este deitam por terra a (confortável) crença de que homens e mulheres atuam de forma distinta porque têm cérebros opostos.  Se a cabeça não tem culpa, por que agimos e pensamos de forma diferente?

Mosaico cerebral

As diferenças que encontramos na forma de agir, pensar e relacionar-se têm como raiz uma diferença concreta no próprio cérebro, sendo o masculino marcado pela objetividade e agressividade e o feminino pela capacidade de comunicação e empatia. Esta ideia comum tem intrigado neurocientistas como Daphna Joel, investigadora da Universidade de Telavive que, nos últimos seis anos, procura responder à eterna questão «Existirá um cérebro masculino ou feminino?».

No seu estudo mais recente, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), analisou as estruturas de 1.400 cérebros de homens e mulheres, comparando a existência de traços masculinos e femininos. O método usado foi a ressonância magnética e, em vez de incidir numa área específica do cérebro, a equipa analisou pela primeira vez o órgão como um todo, considerando a massa cinzenta e branca.

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As (muitas) semelhanças que existem

Perante a diversidade no padrão cerebral e a falta de consistência nas características de género identificadas em cada exemplo, concluiu-se que, a nível cerebral, são muitas as semelhanças. «Embora existam diferenças entre homens e mulheres, os cérebros não podem ser divididos em dois tipos distintos», sublinha Daphna Joel. «Pelo contrário, cada cérebro é um mosaico único de características», diz.

«Algumas são mais comuns em mulheres, outras em homens, se comparados com o sexo oposto, e outras são comuns em ambos», acrescenta. Tal como noutras áreas da natureza humana, o cérebro humano reflete a diversidade e particularidade de cada um. «Cada cérebro é diferente da mesma forma que cada pessoa é diferente em termos de aptidões ou comportamento», realça ainda a investigadora.

«De facto, ao analisarmos dados sobre o comportamento e atitudes constatámos o mesmo. A maioria das pessoas possui um mosaico de características, algumas femininas (mais frequentes nas mulheres do que nos homens) e outras masculinas (mais frequentes nos homens do que nas mulheres)», explica. É com naturalidade que a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva encara estes resultados.

«Existem diferenças entre os cérebros de um homem e de uma mulher, mas não os podemos categorizar de uma forma tão rígida, como às vezes ainda existe a tendência de o fazer. Mais do que as diferenças inerentes aos géneros, existe um continuum transversal comum aos seres humanos. Por isso, mais do que divisões entre homens e mulheres, importará cada vez mais um olhar integrado para a pessoa», disse à revista Saber Viver.

A (nova) mudança de paradigma nas relações entre os dois sexos

De acordo com a investigadora que liderou o estudo divulgado na PNAS, estas conclusões levam a uma mudança de paradigma na forma como encaramos o cérebro e as diferenças entre sexos. «Devíamos apreciar a diversidade do mosaico que é o cérebro humano», em vez de persistir na classificação segundo o género. A nível social, refere no seu estudo, «adotar uma visão que reconhece esta variabilidade e diversidade tem implicações relevantes em questões como a educação».

O género é um dado sempre presente na investigação científica. Enquanto estudos imagiológicos concluíram que o cérebro masculino é dez por cento maior do que o feminino, as características de zonas cerebrais como o hipocampo, responsável pela memória e associado à orientação no espaço, têm servido de explicação para alguns estereótipos como a aptidão masculina para ler mapas (o volume é, em média, superior nos homens).

Também na saúde, como muitos têm apontado, o género traça fronteiras. Sabe-se, por exemplo, que existem patologias do foro mental e neurológico que são mais comuns nas mulheres, como a depressão, ou outras cujo risco aumenta no sexo masculino, como o autismo. A atrofia de áreas como o hipocampo devido a doenças do foro psiquiátrico, mais comuns nas mulheres, sugere também uma ligação ao género.

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Estudo comprova as semelhanças entre o hipocampo em mulheres e homens

Nos últimos anos, a investigação neste âmbito tem sido intensa e diversa em várias universidades mundiais. Lise Eliot, professora de Neurociência na Faculdade de Medicina da Rosalind Franklin University of Medicine & Science em Chicago e autora do livro «Pink Brain, Blue Brain», liderou um estudo, também divulgado no ano passado, que comprova as semelhanças entre o hipocampo em mulheres e homens.

«Tal como noutros [estudos] de grande escala já realizados, não encontraram grandes diferenças entre cérebros masculinos e femininos, mas antes pequenas alterações. Homens e mulheres são, em grande medida, semelhantes e têm a maioria dos traços emocionais e cognitivos sobrepostos (competências como a matemática, perceção das emoções, agressividade) mas, nos extremos mais femininos e masculinos, não há sobreposição», conclui.

Ditadura de expetativas

Na opinião de Lise Eliot, a resposta para a diferença entre sexos vai muito além da biologia. «Não considero correto dizer-se que todos os cérebros são iguais. Diria antes que todos eles nascem diferentes, mas que, em média, os cérebros de homens e mulheres têm aptidões idênticas e personalidades muito semelhantes. As diferenças estão mais nos olhos de quem as vê», defende a especialista.

«Estão mais nas expetativas estereotipadas, do que nas verdadeiras capacidades de perceção, cognitivas ou emocionais», refere. «Por exemplo, em termos fisiológicos, os homens reagem tanto como as mulheres perante o medo ou a dor, mas aprenderam a não o exteriorizar pelo choro», acrescenta. Embora sejam frequentemente colocados em extremos opostos, os aspetos biológicos, psicológicos e culturais não podem ser ignorados.

O impacto do contexto sociocultural na personalidade

Janet Hyde, psicóloga e investigadora especializada em questões de género na Universidade de Wisconsin Madison, nos EUA, defende que o impacto do contexto sociocultural é inegável na personalidade, forma de agir e autoestima do indivíduo, bem como nas relações sociais e pessoais. Num dos seus trabalhos mais emblemáticos, «The Gender Similarities Hypothesis», a psicóloga abordou o problema.

Estudou 46 meta-análises sobre diferenças entre os sexos e concluiu que somos, de facto, mais parecidos do que os bestsellers de autoajuda levam a crer. A investigadora constatou que quando os participantes sabiam que não seriam identificados, as respostas afastavam-se do estereótipo de que o sexo feminino demonstrava mais agressividade e de que o masculino era mais passivo.

Na altura, verificou ainda que os problemas no diálogo entre homens e mulheres se devem à ideia enraizada de que há uma diferença inata na forma de comunicar, um obstáculo que alguns casais nem tentam ultrapassar devido aos preconceitos de qual é o papel do homem e da mulher. A sua tese é partilhada por vários outros especialistas, nacionais e internacionais, que a defendem nos seus trabalhos e nas suas intervenções.

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Mudar mentalidades

O grande motor das diferenças entre os sexos é a cultura, realça Lise Eliot. E isso inclui «as expetativas dos pais, dos professores, a publicidade, os brinquedos, os livros. É impossível escapar aos estereótipos de género e combatê-los requer muito esforço», defende. Apesar das «diferenças a nível do cérebro que potenciarão o desenvolvimento de certas características de forma mais vincada em homens e em mulheres de forma distinta», comenta Filipa Jardim da Silva.

Para a psicóloga clínica da Oficina de Psicologia, «será a educação parental, também ela muitas vezes modelada em função dos géneros (desde a escolha das roupas, ao tipo de brincadeiras e comportamentos que são mais ou menos aceites) e as próprias características culturais e sociais do meio que moldam de forma distinta homens e mulheres», referiu em declarações à publicação feminina.

O melhor desempenho das crianças do sexo feminino

De acordo com um estudo sobre igualdade de género na educação, realizado em 64 países da OCDE em 2012, as crianças do sexo feminino têm um melhor desempenho na leitura do que os rapazes. Por outro lado, mostram-se mais inseguras em matemática, mesmo que obtenham bons resultados nos testes e nas aulas. Mais uma vez, os estereótipos que vêm de trás voltam a sentir-se, apesar das mudanças que se perfilam.

«Alguns pais estão mais recetivos às questões de género e tentam, deliberadamente, libertar os seus filhos dos limites impostos pelos rótulos, mas a maioria dos pais e escolas perpetua as diferenças», alerta Lise Eliot. «Como muitos pais, vi grandes diferenças entre a minha filha e os meus filhos, mas os estudos sobre o cérebro ajudam-me a recordar que são apenas superficiais», exemplifica.

«No fundo, as nossas necessidades psicológicas são muito semelhantes, quer sejamos homens, mulheres ou algo intermédio. Todos procuram amor e poder, mas a cultura determinou diferentes caminhos para que os homens e mulheres os atinjam de uma forma aceitável socialmente. Apesar disso, acredito que isto está a mudar muito nas gerações mais novas», refere ainda a especialista.

A conciliação que se exige

Como realça a psicóloga clínica, tanto o sexo feminino como o masculino têm «necessidades psicológicas e emocionais que carecem de serem satisfeitas para uma boa saúde psicológica. Assim, é possível desenvolver e utilizar competências alheias sem perder a identidade do género, incutindo nos rapazes um lado mais sensitivo ou intuitivo e nas raparigas um mais prático e objetivo, sem que isso seja visto como negativo».

«Esta aproximação pode ser mais notória na idade adulta, quando observamos mulheres que ocupam posições de liderança ou homens em profissões como a psicologia, que requer uma capacidade de empatia e leitura emocional grandes», acrescenta ainda. No início de outubro de 2017, o papa Francisco apelou ao respeito da identidade de género. «[Eliminar as diferenças que existem entre homens e mulheres] não está certo», critica.

Texto: Luis Batista GonçalvesManuela Vasconcelos