Salomé Cristino sofre de esclerose múltipla desde os 16 anos. Em 2008, com 31 anos de idade e mãe de um bebé com cerca de um ano, encontrou na sua própria força de vontade e no atual marido o apoio de que precisava para aprender a viver com a doença. Em plena adolescência, Salomé Cristino adoeceu sem motivo aparente. Sofria de esclerose múltipla, uma doença que só lhe viria a ser diagnosticada mais tarde, aos 21 anos.

«Tinha muitas dores de cabeça e sentia uma dormência/formigueiro nas pernas, nos braços e nas mãos, que foi aumentando», recorda. «Eu queria correr e não conseguia. Não tinha força. Não me sentia bem, sabia que estava doente. Mas os médicos diziam-me que era tudo nervos, que precisava de descansar e que os sintomas acabariam por passar. Davam-me medicamentos para dormir de dia e de noite», acrescenta.

Estávamos no início dos anos da década de 1990 e a esclerose múltipla ainda era uma doença de difícil diagnóstico. Dividida entre o seu estado precário de saúde e a falta de evidência médica que confirmasse os sintomas de que padecia, Salomé Cristino casou no verão de 1997. Alguns meses depois, teve um surto que lhe apanhou o joelho, impedindo-a de andar. Foi despedida. Procurou novamente ajuda médica.

Desta vez, disseram-lhe que era dor ciática e começou a levar injeções para a suposta ciática, que só vieram complicar o seu estado clínico. «Uma noite, em junho de 1998, fui para me deitar e já não consegui», recorda Salomé Cristino. «Tiveram de me trazer ao colo para as urgências do Hospital Amadora-Sintra», desabafa.

Na altura, os médicos não tiveram dúvidas. «Fiquei internada e foi então que fiz uma ressonância magnética e me diagnosticaram esclerose múltipla», recorda. Salomé Cristino tinha então 21 anos e descobria, finalmente, a origem dos sintomas de que padecia desde os 16.

Uma doença desconhecida

O diagnóstico apanhou-a de surpresa. Não sabia o que era a esclerose múltipla. «A médica explicou-me que era uma doença crónica muito complicada. Só lhe perguntei se não havia possibilidade de fazer uma operação», lembra Salomé Cristino. A resposta foi clara. «Não havia, nem há (ainda)!», recorda. Teria de seguir uma terapêutica à base de injeções (com interferões), o que implicava ela própria injetar-se três por semana.

Um tormento inimaginável para uma pessoa que tem pavor de agulhas. «Entrei em pânico», revelou, anos mais tarde, em declarações à Prevenir. «Só de pensar que tinha de me dar a injeção, na véspera já não dormia. Só chorava, tinha de tomar um calmante antes de dar a injeção», recorda. O processo foi ainda mais difícil por ver-se obrigada a passar por tudo isto sozinha, sem qualquer apoio da família, que inexplicavelmente se afastou ao saber da doença.

«Quando soube que tinha esclerose múltipla, deixei de sair e de ter amigos. Até a própria família me pôs de parte. Mesmo os meus pais e irmãos não sabiam lidar com a doença», relembra. O golpe final veio da pessoa que lhe era mais próxima. O marido! «O meu ex-marido não me deu apoio nenhum mesmo, nunca me acompanhou às consultas nem à fisioterapia. Disse-me que não queria ter filhos comigo, com medo que a doença fosse hereditária», revelou.

O último golpe

Emocionalmente desgastada, Salomé Cristino sucumbiu a vários surtos, consequência da agudização da doença. Nesses períodos, chegava a deixar de escrever, de ver e de falar. Para debelar os surtos, teve de se submeter a um tratamento com corticóides que a levou a engordar trinta quilos. Antes, pesava 56 kg. Depois, chegou aos 86 kg.

«Então aí é que o meu ex-marido se afastou ainda mais de mim. Pôs-me completamente de parte. Eu estava de uma tal forma que só chorava. Tinha depressões atrás de depressões», referiu na entrevista à revista de saúde mais lida e vendida em Portugal. Um estudo dinamarquês indica que os doentes com esclerose múltipla apresentam dos índices mais elevados de depressão.

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Uma nova esperança

Com a sua saúde física e psíquica em estado débil, foi na terapia que encontrou forças para tomar as rédeas do seu destino e voltar a lutar pela vida. «A determinada altura comecei a abrir os olhos», conta. «A psicóloga fez-me acordar para a realidade: eu sofria de uma doença que não tinha cura e tinha de a encarar». Entretanto, Salomé Cristino iniciou um curso de artes gráficas com pessoas deficientes.

«Conheci várias pessoas mais doentes que eu e pensei que, se as outras pessoas eram capazes, eu também iria ser. Vou ter de lutar», mentalizou-se. Por outro lado, tomou consciência que o seu casamento tinha ruído e que precisava de fechar esse capítulo na sua vida para abrir outro.

«Ele rejeitava-se de uma tal forma que já não havia nada a fazer. Dei-lhe o divórcio», referiu na entrevista. Desde então, nunca mais teve surtos. «Ultrapassei tudo sozinha, com força de vontade. O meu atual marido, pai do meu filho, não conhece um surto e espera não vir a conhecer», revelava, esperançosa, Salomé Cristino.

Viver com esclerose múltipla

Até então, a esclerose múltipla tinha impedido Salomé Cristino de ter uma vida profissional estável. «Muitas vezes recusavam-me logo à partida. Há muita gente que não sabe o que é a doença e pensa que se pega, que é contagiosa», critica. Outras vezes, era a própria falta de disponibilidade que comprometia o seu posto de trabalho. «Tinha de faltar muitas vezes por causa das consultas», recorda.

Depois do divórcio e estabilizada do ponto de vista médico, reuniu forças para voltar a trabalhar. Foi estagiar numa empresa onde conheceu aquele que viria a ser o seu segundo marido e com quem viria a ter um filho. «Quando conheci o Luís, disse-lhe logo que tinha esclerose múltipla, expliquei-lhe o que era a doença (ele também não conhecia) e que não era contagiosa», conta.

O isolamento de que tinha sido alvo no passado, por falta de informação sobre a esclerose múltipla, levava-a agora a deixar bem claro que tipo de doença se trata. «Ele veio comigo a uma consulta e aprendeu a dar-me as injeções. Foi o único que o fez e que se dispôs a ajudar-me. Ninguém da minha família o tinha feito. Não tiveram coragem», relembra.

Apoiada pelo marido, Salomé Cristino sentia que podia voltar a ter uma vida normal. «Começámos a frequentar discotecas, cinemas, centros comerciais... Dantes, estava fechada em casa. O meu ex-marido tinha vergonha de sair comigo, porque estava doente, gorda e inchada», acrescenta ainda.

O filho pródigo

Salomé Cristino sempre gostou de crianças, mas a hipótese de ter filhos tinha, há muito, ficada guardada numa gaveta, pelo estado precário de saúde em que viveu durante anos. O apoio do marido foi determinante para reequacionar essa hipótese. «Como estava há alguns anos sem surtos, pensei se não poderia engravidar.

O meu marido disse para virmos falar com o meu médio, o doutor Ricardo Ginestal, depois de me dizer que, se que não houvesse problema nem para mim nem para o bebé, tentávamos», diz. Apesar do seu receio em parar o tratamento, que não pode ser seguido durante a gravidez nem é necessário, uma vez que, não se sabe bem porquê, não há perigo de surtos neste período, o médico mandou-a avançar.

«Parei o tratamento e engravidei logo no mesmo mês. Foi graças à minha força de vontade», sublinha Salomé Cristino. A gravidez, devidamente acompanhada, decorreu sem problemas e, apesar do risco elevado de surto após o parto, escapou a mais esse perigo. «Dei de mamar normalmente, depois secou-me o leite e recomecei com a terapêutica», conta. O bebé [Afonso], esse, na altura da entrevista já tinha cerca de um ano e estava de perfeita saúde.

«É o meu tesouro. Estou muito feliz. Foi o meu presente de Natal [engravidar] e de aniversário [o nascimento]», desabafa. «Agora quero gozá-lo ao máximo. Não espero ter mais nenhum filho. Apesar do meu médico dizer que, se eu continuar assim, daqui a dois ou três anos, me vai recomendar a menina, para mim chega um. Eu não contava com nenhum», sublinha.

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Os sete conselhos de Salomé Cristino

1. Ter muita força de vontade. «Se é casada e for posta de lado por causa da doença, peça o divórcio. Não vale estar casada por pena. Se não lhe dá apoio, não interessa», sublinha.

2. Procurar apoio. «Tem de se receber muito apoio nesta doença. Quando estava casada com o meu primeiro marido, que não me de dava apoio nenhum, tinha surtos atrás de surtos, de mês a mês, porque não tinha afeto, nada que me ajudasse na doença», diz.

3. Aproveitar a vida. «Ficar em casa fechada não resulta. Saia, passeie e faça uma vida normal como se não houvesse doença nenhuma. Viver a vida como se nada fosse ajuda muito, muito mesmo. É assim que se tem de encarar a esclerose múltipla, há doenças bem piores», sublinha.

4. Cada caso é um caso. «Não se concentre noutros casos mais graves de esclerose múltipla. As esclerose múltiplas não são todas iguais», alerta.

5. Esclarecer mitos. «Quando engravidei, a família do meu marido teve algum receio que pudesse passar a doença para o bebé. Há muita gente que pensa que a esclerose múltipla é contagiosa, ajude a esclarecer a verdade», afirma.

6. Sim aos filhos. «Se o médico aconselhar, engravide. Ajuda muito. Sinto-me cansada ao fim do dia, claro, tratar de um bebé é cansativo, mas é muito compensador. Nunca mais tive uma depressão. O meu filho precisa de mim», assegura.

7. Não desistir dos sonhos. «Não pense que tem esclerose múltipla e avance para a vida. Seja forte, lute. Esqueça que tem esclerose múltipla. Eu esqueci-me», assegura.

Texto: Fernanda Soares