A recente divulgação, nos Estados Unidos da América (EUA), de novas diretrizes para a prescrição de estatinas, o medicamento mais usado para a estabilização dos níveis LDL (lipoproteínas de baixa densidade) no sangue está a gerar forte contestação da classe médica de todo o mundo e deixou a opinião pública americana perplexa.

Este medicamento combate o mau colesterol mas não está isento de polémica.

Apesar do poder para prevenir o AVC (acidente vascular cerebral) e travar aquela que é a principal causa de morte em Portugal e no mundo as estatinas também provocam danos colaterais a evitar, em especial quando são prescritas sem necessidade. Estima-se que a doença cardiovascular seja responsável por 17,3 milhões de mortes por ano e, números nacionais, indicam um em cada quatro portugueses corre risco de morrer de uma destas doenças.

Conheça as principais alterações propostas à prescrição deste fármaco, as orientações seguidas na Europa e em Portugal e a opinião do presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Manuel Carrageta.

Principais mudanças

Se tem 65 anos e é fumadora, passaria a estar na mira dos médicos para a prescrição de estatinas, mesmo que tenha bons níveis de colesterol e uma tensão arterial estável, o que não acontecia até ao momento.

Entre as principais alterações propostas pelo documento da American Heart Association e da American College of Cardiology está a extinção de valores ideais de colesterol total inferiores a 190 mg/dl de sangue, passando o cálculo de risco a ser realizado através de um teste que tem em conta variáveis como o sexo, a idade, a etnia, o tabagismo, o valor total de colesterol, os níveis de HDL (lipoproteínas de alta densidade ou bom colesterol), a diabetes e o valor da tensão arterial.

O único número que interessa é que o balanço destes fatores não seja superior a 7,5 por cento de vir a desenvolver a doença. Se as mudanças entrarem em vigor, nos EUA, prevê-se um aumento para o dobro no consumo de estatinas.

Polémica na classe médica

A principal falha das novas orientações americanas é, na opinião de
Manuel Carrageta, «ignorar a prevenção através da mudança de hábitos
alimentares e de estilos de vida e partir para a prevenção da doença
cardiovascular através do aumento na prescrição da estatinas». O
cardiologista considera que as limitações económicas condicionaram a
elaboração de diretrizes mais apropriadas.

«O grupo que realizou as guidelines reconhece que teve pouco apoio
financeiro para trabalhar e baseou-se num número limitado de estudos.
Não houve discussão prévia pelas várias comunidades médicas e o próprio
presidente do comité reconhece que, numa próxima vez, não faria assim,
mas o facto é que fez e a opinião pública nos EUA, que tem gente muito
bem informada, está um pouco confusa. Actos um pouco apressados como
estas directrizes, acabam por confundir e desacreditar a prática
médica», explica.

Danos colaterais

O especialista explica por que motivos o aumento da prescrição de estatinas deve ser evitado.

«São fármacos excelentes, bem tolerados, mas têm efeitos acessórios. Podem provocar toxicidade hepática, muscular e um ligeiro aumento do risco da diabetes», explica Manuel Carrageta.

«Também há alguns casos, embora raros, de perda de memória com algumas estatinas», acrescenta o médico.

«Portanto, nunca é boa política medicamentalizar a sociedade, quer seja em homens ou mulheres, e prevenir à base de medicamentos, mas sim tentar mudar o estilo de vida da população e levá-la a adotar hábitos mais saudáveis como não fumar, fazer uma alimentação equilibrada, praticar atividade física e ter uma atitude positiva perante a vida», esclarece ainda.

 Orientações nacionais

As orientações adotadas em Portugal seguem as normas estabelecidas pela Sociedade Europeia de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e não as diretrizes americanas. Manuel Carrageta descreve o que considera ser a posição correta da comunidade médica na prescrição de estatinas.

«Deve ser feita em função do risco global, que tem em consideração a idade do doente, o sexo, o nível de colesterol, o de HDL, triglicéridos, se é ou não fumador, a tensão arterial e sem tem ou não diabetes. No entanto, em primeiro lugar,
deve-se explorar o estilo de vida saudável, dando indicações ao doente sobre o que é que ele deve fazer para mudar de hábitos», refere.

«Só no caso de essas medidas não surtirem efeito e houver um risco significativo se deve prescrever a medicação. Conforme os níveis de colesterol, escolho as estatinas de alta potência ou dou uma estatina de menor potência quando os valores estão mais próximos do que é aceitável», explica o especialista.

Que tipo escolher?

A gravidade da doença, a par de outros fatores, determina o tipo de estatina que o médico prescreve.

A atorvastatina e a rosuvastatina são prescritas para os casos mais graves (níveis elevados de LDL) são mais eficazes e podem ser também mais dispendiosas. Conseguem uma redução nos níveis de LDL de 50%.

A sinvastatina é a mais prescrita em Portugal nos casos de colesterol elevado.

Diminui a produção de mau colesterol, reduz o risco de ataque cardíaco e AVC. A pravastatina e a pitavastatina são as mais seguras e utilizam-se em tratamentos moderados. A cada redução de 80 mg de LDL diminui em 52% o risco de enfarte e em 42% o de AVC.

A lovastatina, juntamente com dieta e estilo de vida saudáveis atua na produção de colesterol, reduzi os níveis de gordura no sangue, enquanto que a fluvastatina, além da redução dos níveis de colesterol é também prescrita para casos de triglicéridos elevados, em pacientes que correm um risco de sofrer ataque cardíaco ou AVC.

Bom e mau colesterol

- HDL

As lipoproteínas de alta densidade têm como papel a limpeza das artérias. Retiram o colesterol dos tecidos devolvendo-o ao fígado que o vai eliminar através dos intestinos.

- LDL

As lipoproteínas de baixa densidade e também as de muito baixa intensidade (VLDL) depositam-se na parede das artérias constituindo placas de aterosclerose (acumulações de colesterol) que reduzem o calibre dos vasos, dificultando o afluxo de sangue e podendo provocar angina de peito, AVC ou enfarte do miocárdio.

Principais fontes

O colesterol é uma lipoproteína que é, em parte, produzida pelo organismo, em particular no fígado, e outra parte obtida através da alimentação. As gorduras saturadas de origem animal e as gorduras trans presentes em produtos hidrogenados como margarina, batatas fritas, fast food, gelados, biscoitos, bolachas, que aumentam a produção de LDL. O azeite, o peixe e alguns frutos secos, como a amêndoa, estimulam a produção de bom colesterol (HDL).

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Manuel Carrageta (presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia e da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia)