Letizia Marsili não sente queimaduras, nem frio ou calor. Ela e mais cinco elementos da sua família possuem uma estranha insensibilidade à dor. "No dia a dia, vivemos uma vida normal, talvez melhor do que a restante população, porque muito raramente ficamos doentes ou sentimos qualquer tipo de dor", conta a italiana em entrevista à BBC.

Num estudo publicado recentemente na revista médica "Brain", um grupo de cientistas identificou uma mutação genética na família Marsili que pode estar relacionada com essa resistência sensorial. Os investigadores esperam que essa descoberta abra caminho para novos analgésicos para lidar com a dor crónica.

"Abrimos uma nova rota para o desenvolvimento de fármacos para o alívio da dor", comenta Anna Maria Aloisi, professora da Universidade de Siena, em Itália, e co-autora do estudo.

Para além de Letizia, a sua mãe, os dois filhos, uma irmã e uma sobrinha sofrem do mesmo problema - daí a designação "síndrome Marsili de dor".

Letizia Marsili recorda que sentir dor é um importante sinal de alerta. O seu filho Ludovico, por exemplo, joga futebol e quase nunca se apercebe quando se magoa. "Raramente fica no chão quando é derrubado. Mas exames de raio-x mostram que ele tem várias microfraturas em ambos os tornozelos", conta Letizia.

Também o filho mais novo, Bernardo, de 21 anos, tem o osso calcificado, mas nunca se apercebeu de o ter partido num passeio de bicicleta. A própria Letizia fraturou o ombro direito durante uma tarde de esqui, mas continuou a esquiar porque só no dia seguinte sentiu "formigueiro" nos dedos.

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Mutação genética

A síndrome Marsili faz com que os seus portadores sejam muito pouco sensíveis ao calor extremo e a fraturas ósseas.

O pesquisador James Cox, da Universidade College London, liderou o estudo sobre a família e descobriu que os nervos dos Marsili "simplesmente não funcionam como deveriam".

Os cientistas mapearam as proteínas no genoma de cada um dos seis membros da família e descobriram uma mutação no gene ZFHX2. Depois, conduziram dois estudos em roedores criados sem esse gene e conseguiram alterar o limiar da dor dos roedores.

O passo seguinte foi desenvolver uma nova ninhada de ratinhos com a mutação genética e o resultado foi uma ninhada insensível a altas temperaturas: "Com mais estudos para entender esta mutação e para perceber se existem outros genes envolvidos, poderemos identificar novos alvos para o desenvolvimento de medicamentos", comentou a professora Aloisi.

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