Esta é uma questão bastante polémica no domínio da parentalidade. Veja-se, por exemplo, o debate que é originado sempre que uma celebridade publica uma fotografia a beijar na boca o descendente, como é exemplo a família Beckham.

A polémica é também, em parte, resultado da pouca investigação científica que impede que exista uma resposta mais precisa a esta questão. Ainda assim, têm surgido reflexões clínicas por parte de psicólogos especialistas em desenvolvimento infantil, com base na intervenção com crianças e os seus respetivos pais, não devendo ser, de todo, desvalorizadas.

O ato de beijar na boca os filhos é descrito pelos pais que o fazem como uma forma de expressar amor, segurança e proteção, motivado pelo princípio de que nenhuma relação é tão pura, próxima e íntima, em termos emocionais, como a relação entre pais e filhos.

Contudo, que reflexões merece este comportamento?

Segundo a psicóloga e professora americana Charlotte Reznick, especialista em psicologia infantil, um dos principais riscos remete para as fragilidades no estabelecimento de limites. Uma vez que os lábios e a boca fazem parte dos limites pessoais do corpo de uma criança, quando os pais beijam um filho na boca, correm o risco desta assimilar que a “fronteira” do seu corpo está aberta e que as pessoas que a rodeiam podem invadir o seu território pessoal, sem qualquer tipo de consequências.

Por outras palavras, as crianças começam a integrar o “beijar na boca” como um comportamento natural, pois aprendem com recurso à observação. Consequentemente, pode a criança começar a beijar nos lábios outras pessoas que não pertencem ao círculo familiar, como uma expressão de afeto – o que aumenta a vulnerabilidade da criança a potenciais situações de perigo.

É importante enaltecer que quanto menor a idade da criança, maiores os riscos associados a este comportamento. Naturalmente que as crianças mais velhas, por norma com um maior desenvolvimento cognitivo e emocional, identificam situações perigosas com uma maior rapidez, bem como fazem uma distinção mais rigorosa entre “o certo e o errado” (por exemplo, compreender que beijar na boca pessoas que não incluem o seio familiar é desapropriado).

Não obstante, para a psicóloga e educadora parental brasileira Nanda Perim, o perigo não se encontra somente fora do seio familiar. Segundo a especialista, quando a criança observa os pais a darem beijos na boca, pode confundir as especificidades de cada relação, achando que as relações são todas iguais, com as mesmas dinâmicas, os mesmos limites, as mesmas intimidades e expressões de afeto. É imperativo que a criança compreenda que a relação dos pais, enquanto casal, é distinta da relação que existe entre a criança com cada um dos seus progenitores. Esta distinção, mais uma vez, permite definir limites importantes para o bem-estar familiar.

Outro dos principais riscos associados a beijar na boca as crianças concerne para a saúde física, particularmente para a transmissão de doenças, como é exemplo o herpes (o qual, para alguns recém-nascidos, pode ser fatal e provocar a morte), a mononucleose (comummente designada por “doença do beijo”), entre outros.

Ainda que os pais possam sentir-se seguros e providenciar argumentos e/ou justificações como “eu tenho conhecimento total das minhas doenças, não colocaria o meu filho em risco” ou “eu não beijo a minha filha quando o meu herpes está ativo”, encontrámos referências da medicina dentária a alertar que existem micróbios na boca dos adultos que podem não infetar este grupo etário, mas que podem ser transmitidos às crianças e provocar infeções perigosas, dado o seu sistema imunitário tendencialmente mais frágil.

Outra questão que se coloca é: quando parar com este tipo de comportamento?

Não raras vezes, são as próprias crianças que, ao alcançar a idade escolar, pedem aos pais para terminar com esta interação, motivadas por sentimentos de constrangimento social junto dos pares. Ainda que a tomada de decisão dos descendentes possa gerar um conflito no seio familiar, é imperativo que os pais respeitem o pedido dos descendentes e não insistam.

A psicóloga Charlotte Reznick aponta que, em casos mais extremos em que os pais apresentam comportamentos considerados invasivos e que não respeitam a liberdade individual dos filhos (como é exemplo prolongar o ritual dos beijos quando os descendentes se sentem desconfortáveis e invadidos), existe um risco elevado de a criança desenvolver “Síndrome de Vítima”, isto é, ser incapaz de “dizer não”, de ser assertiva e de estabelecer limites pessoais. Por conseguinte, a criança torna-se, como referido, numa espécie de “vítima” das pessoas que a rodeiam, demonstrando-se incapaz de proteger o seu bem-estar.

A decisão final quanto à resposta a providenciar à questão “devem os pais beijar os filhos na boca?” é, sempre, dos progenitores. No entanto, é fundamental que se pensem os contributos dos clínicos e que a visão da criança seja tomada em consideração, não podendo os pais ignorar ou desvalorizar os riscos.

Se a decisão for manter esse ritual, é importante ensinar às crianças que beijar na boca é um ritual familiar e que, por isso, é errado e perigoso fazê-lo com outros adultos. Neste sentido, este diálogo deve envolver a necessidade de comunicar imediatamente aos pais se, em algum momento, qualquer outro adulto tentar beijar a criança.

Reformular as dinâmicas familiares tende a ser um processo exigente e, por vezes, doloroso. Não está sozinho(a), pode beneficiar de ajuda psicológica especializada para implementar e gerir estas mudanças, sempre com o objetivo de promover o bem-estar familiar e individual.

As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.