Do grego khalaó, a palavra calatonia significa relaxamento, afastar-se do estado de ira, abrir uma porta, deixar ir. Este método de trabalho visa a integração corpo-mente através da aplicação de técnicas que desenvolvem a perceção do próprio corpo, da sua linguagem, da sua forma específica de manifestar sintomas e imagens enquanto símbolos, tendo como objetivo a autorregulação e o diálogo entre a consciência e o inconsciente, tanto através do corpo como da psique. A calatonia é uma abordagem não invasiva e eficiente na promoção de comutações neurofisiológicas. Pode ser utilizada isoladamente, apenas como técnica de relaxamento. No entanto, associada à psicoterapia, este método ajuda a estabelecer e a fortalecer o vínculo terapeuta-utente, criando um campo favorável ao aparecimento de sensações e de imagens espontâneas que, segundo Pethö Sándor, criador do método, constitui a base de uma terapia efetiva.

Origens
A calatonia foi desenvolvida pelo Dr. Pethö Sándor, médico húngaro que se estabeleceu no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. A primeira aplicação deste método foi com pacientes do pós-guerra. Foi idealizado a partir do atendimento a amputados, pacientes com depressões nervosas e reações compulsivas, e o seu efeito no tratamento de traumas, dor, estados de choque e depressão, angústia e ansiedade foram notáveis.

Inicialmente desenvolvida como uma técnica, após muitas décadas de aplicação clínica em São Paulo, a calatonia transformou-se num método que trabalha corpo e mente, utilizando toques em diversas áreas do corpo de forma muito leve e subtil.

Através dos toques, alcançamos o registo psicológico encontrado no corpo físico. É assim que a calatonia e a psicologia se cruzam, sendo que a base desses conceitos englobam a psicologia de Carl Gustav Jung que, por interesse pessoal, estudou a cultura oriental e acrescentou vários conhecimentos holísticos à sua obra.

Jung, fundador da psicologia analítica, não trabalhou com a manipulação física, mas os seus conceitos foram fundamentais para que Sándor, o criador da calatonia, pudesse observar e perceber as particularidades psicológicas das pessoas que atendia.

Os toques da calatonia
Ao conjunto de todas as técnicas desenvolvidas por Pethö Sándor chamamos “Toques Subtis”. Estes abrangem uma série de toques, sopros, vibrações e sons emitidos sobre partes do corpo que precisam de ser trabalhadas. Sons e sopros são muito úteis para abordar partes que não podem ser tocadas, ou quando o paciente não quer ser tocado.

Sándor criou os toques subtis como um trabalho corporal extremamente delicado, organizado em sequências de toques sobre a pele, em vários pontos do corpo. A calatonia é uma técnica de relaxamento profundo que baseia a sua atuação na sensibilidade táctil, através da aplicação de estímulos suaves, em áreas do corpo onde se verifica especial concentração de recetores nervosos. De acordo com o seu criador, quanto mais suave o estímulo mais profundo o seu efeito, por isso, os toques da calatonia são aplicados com a leveza das asas de uma borboleta.

Autorregulação
A base dos toques subtis e da calatonia é a sua capacidade de reorganizar o organismo, na sua totalidade, e de restabelecer a autorregulação. A autorregulação é a habilidade natural do corpo e da psique de ajustar e de otimizar o seu funcionamento e equilíbrio a qualquer momento. Porém, essa autorregulação é muitas vezes comprometida pelo stress físico, emocional e mental, ou pelo impacto excessivo das mudanças internas ou externas, por exemplo, um trauma.

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Homeostase
A palavra homeostase vem do grego homeo (igual, semelhante) e stasis (estático). Walter Bradford Cannon, fisiologista americano, criou este termo para descrever os vários ajustes fisiológicos que o organismo precisa de manter para funcionar de maneira normal. Para a manutenção da homeostase, o organismo desenvolve sistemas de autorregulação.

Quando um desvio de um determinado ponto normal é detetado são desencadeadas reações de compensação, que se mantêm até que a situação normal de equilíbrio seja restaurada. Por exemplo, a febre surge no combate às infeções; o suor aparece quando a pele precisa de ser arrefecida; respiramos mais depressa para melhorar a oxigenação do corpo quando corremos, etc.

O que acontece é que a autorregulação, para além de ocorrer a um nível corporal, através dos vários mecanismos de regulação dos processos fisiológicos que espontaneamente entram em ação quando ocorre algum desequilíbrio no sistema, também ocorre a nível psíquico, através de sonhos, imagens, fluxo de introversão e extroversão.

Muitas perturbações psicológicas têm origem na perda da capacidade espontânea de autorregulação do corpo e da psique. Ao encontrar uma situação externa ou interna que provoque um desequilíbrio emocional, como uma perda ou frustração, o indivíduo procura autorregulação artificial, por exemplo, através do consumo de drogas, pois o seu processo espontâneo foi bloqueado.

Através de técnicas de abordagem corporal, como a calatonia e os toques subtis, que induzem à autorregulação, o corpo reencontra o seu equilíbrio e a sua homeostase.

Áreas de atuação
Para além de funcionar essencialmente como uma técnica de relaxamento, a calatonia e os toques subtis podem atuar também nas diferentes áreas da medicina, associadas a outras abordagens em psicologia, pedagogia, fonoaudiologia e na terapia ocupacional, com adultos e idosos. Podem ter ainda bons resultados na assistência social, nas artes, no desporto, na vida religiosa, nos exercícios meditativos e contemplativos.

Por outro lado, podem também ser utilizadas, de forma preventiva, na educação de crianças e adolescentes, visando o desenvolvimento da autoconfiança, da concentração e do respeito pelo próprio corpo.

Algumas técnicas também podem ser aplicadas a pacientes internados em hospitais (politraumatismos, pré e pós-cirúrgicos, pacientes portadores de doenças crónicas); associadas à quimioterapia, diminuem os sintomas secundários decorrentes do tratamento do cancro. Na odontologia ajudam a diminuir a tensão temporomandibular, causadora do bruxismo. Pacientes psiquiátricos também beneficiam com esta técnica, na medida em que ajuda a desenvolver uma noção do próprio corpo e melhora o vínculo terapeuta-paciente.

Todos os procedimentos podem ser utilizados em sessões de psicoterapia, visando a integração corpo-mente, promovendo o relaxamento do corpo, facilitando o processo de recuperação de lembranças esquecidas ou reprimidas, e ajudando a desenvolver criatividade com o possível surgimento de imagens que brotam espontaneamente durante o relaxamento.

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O toque
A calatonia, como técnica básica, consiste no toque suave em todos os dedos dos pés, dois pontos da planta dos pés, calcanhares, barriga da perna e termina com um toque na cabeça.

Os toques podem ainda ser aplicados nas mãos, seguindo a mesma sequência: todos os dedos serão tocados, dois pontos nas palmas das mãos, toques nos antebraços e pulsos, terminado com um toque suave na sola dos pés. Os toques devem ser feitos em silêncio, de forma simples e suave, durante 2 a 3 minutos em cada um dos pontos.

Apesar de ser possível traçar alguns paralelos, a escolha destes pontos não se baseia em técnicas como a reflexologia ou a acupuntura. O trabalho foi desenvolvido de forma empírica: Sándor descobriu que a manipulação, de forma subtil e não habitual, das extremidades do corpo proporcionava alívio de dores e de tensões, aumentando o bem-estar dos pacientes.

Segundo ele, o bem-estar ocorre devido a uma redistribuição energética ocasionada pelos toques e que gera o alívio de tensões. A redistribuição energética é ainda o motivo para se executar sempre um toque na polaridade do corpo oposta à parte que recebeu a calatonia. Assim, se trabalhamos os pés, terminamos com um toque na cabeça. Se trabalhamos as mãos, terminamos com um toque nos pés.

Para além dos pontos físicos já enumerados, Sándor, o criador do método, sugeria que durante o trabalho corporal o terapeuta fixasse a sua atenção no Terceiro Ponto.

O Terceiro Ponto (um ponto “imaginário” que se localiza entre o terapeuta e o cliente) representa aquilo que se interpõe entre todos os indivíduos, as suas relações, e o seu modo de estar no mundo. É um ponto intermediário que equilibra a relação e impede a criação de uma postura de poder por parte do profissional: ensina que cada um de nós é apenas um meio ou um canal através do qual a energia (da vida, do inconsciente ou do mundo espiritual) pode fluir sem obstáculos para o bem de todos.

Os resultados
O corpo é trabalhado de forma a serem libertadas memórias dolorosas ou antigas tensões mas, ao mesmo tempo, tentando observar os novos caminhos a tomar, formando símbolos que atribuem significados diferentes às nossas experiências de vida. Desta forma, o resultado, para além do descanso do corpo, é uma introspeção capaz de aumentar o acesso a conteúdos inconscientes, tanto potenciais, que apontam para o futuro, quanto lembranças de situações atuais e antigas, visando a integração das partes no processo de individualização ou de desenvolvimento pessoal.

A quem se destina?
Em geral não existem contraindicações, qualquer pessoa poderá beneficiar desta técnica, contudo a calatonia é indicada em casos de:
- Perturbações de ordem psicossomática;
- Depressão e angústias;
- Dor fantasma de pessoas com membros amputados;
- Problemas de equilíbrio postural e cansaço;
- Tensão muscular, stress;
- Traumas, entre outros.

Texto: Leda Maria Perillo Seixas, psicóloga, especialista em terapia junguiana e cinesiologia
Edição: Patrícia Velez Filipe
Modelo: Ana Luísa Miranda
Fotografia: Helena Gairão Rios
Agradecimentos: ALBA