Originário da Índia, o açúcar foi, até à Renascença, considerado no Ocidente como um produto de luxo, um símbolo de estatuto e de poder, que se usava sobretudo como remédio ou especiaria.

A presença árabe já nos tinha deixado o gosto pelos doces. Por isso, a abundância do açúcar aquando da expansão marítima, gerou um enorme entusiasmo pela criação de iguarias, para o que muito contribuíram os conventos espalhados pelo território.

As ordens monásticas, especialmente as femininas, dedicaram muito do seu tempo e riqueza à confeção de doces requintados, servidos nas festas dos conventos, oferecidos às personalidades que os visitavam e solicitados para as mesas de casas nobres. Só quando as ordens religiosas se extinguiram foi possível tirar as suas sigilosas receitas da clausura e popularizá-las, dando continuidade a uma doçaria única no mundo.

Pode dizer-se que o doce de ovos, também conhecido como Ovos Moles, é a matriz da doçaria conventual. É por ele que quase tudo começa: Papos de Anjo, Celestes, Pescoços e Gargantas de Freira, Castanhas Doces ou os Ovos Moles de Aveiro, nas suas réplicas marinhas.

Como base para muito outros doces, a sua qualidade é essencial. Infelizmente tem vindo a ser substituído por preparados industriais que só na cor se assemelham ao original.

É com os mesmos ingredientes – apenas ovos e açúcar – que se fazem as Trouxas de Ovos, outra das preciosidades da doçaria conventual alentejana. É o modo de os trabalhar, são os gestos, que as tornam diferentes. As que vemos são exemplares. Nada têm a ver com o que se encontra na maior parte do comércio. Fazem-se com "folhas" de ovos quase transparentes, receita do desaparecido Convento do Paraíso de Évora.

Nos delicados fios de ovos, que navegaram para outros continentes, repetem-se os mesmos ingredientes, mas recorre-se a uma técnica diferente, que os transforma em filamentos dourados e maleáveis.

A doçaria portuguesa tem na vertente conventual a sua expressão mais faustosa e singular. Faustosa porque utiliza produtos outrora nobres – como o açúcar, os ovos e a amêndoa – em quantidades prodigiosas,  e singular porque o faz de uma forma única, sem paralelo noutros países, e com um enorme equilíbrio e bom gosto.

Agora, com trouxas e ovos moles, tem-se o que é preciso para fazer o célebre Fidalgo Alentejano.

doce de ovos
créditos: MemoriaMedia

Os Queijinhos de Amêndoa são outro aspeto da doçaria conventual. Aqui, além do açúcar e dos ovos, introduz-se a amêndoa, sob a forma de maçapão que, com gestos precisos e quase mágicos, é esculpido, ganha forma e volume, transformando-se aos poucos num delicioso queijo doce, recheado com ovos moles.

Posto isto, vamos às receitas com doces de ovos.

Doces de ovos

Ingredientes

33 gemas, 3 claras, 480 g de açúcar (Conta- uma colher de sopa de açúcar por cada gema de ovo), Água q.b.

Confeção

Coloca-se o açúcar num tacho, cobre-se com água e deixa-se ferver até obter ponto de espanada (117 ºC).

Entretanto juntam-se as gemas com as claras e esmagam-se com um garfo, para se misturarem. Não devem bater-se. Depois passam-se por um passador de rede e regam-se com um pouco da calda de açúcar.

Mexe-se e continua a juntar-se a calda (se esta já tiver arrefecido, podem deitar-se os ovos diretamente no tacho). Depois de tudo misturado, leva-se a lume brando e mexe-se com uma colher de pau em movimentos de vaivém, para impedir que os ovos percam o brilho. Quando espessarem, retiram-se do lume e deixam-se arrefecer.

Trouxa de Ovos

Ingredientes

18 gemas, 2 claras, 1 kg de açúcar, 3 dl de água.

Acessórios

Um tacho baixo, uma escumadeira, um passador fino de tamanho médio, um passador pequeno e um tabuleiro.

Confeção

Passam-se as gemas por um passador fino e misturam-se com as claras, sem bater. Leva-se o açúcar ao lume com a água num tacho baixo e deixa-se ferver até fazer ponto de fio (103 ºC).

Deita-se um pouco dos ovos num canto do tacho e, com a ajuda de uma escumadeira, mergulha-se ligeiramente na calda (para que a superfície coza), ao mesmo tempo que se espalha e se puxa em direção ao centro.

Deve tentar formar-se uma “folha” sobre o comprido e tão fina quanto possível. Retira-se quando os ovos tiverem coagulado. O processo de confeção de cada “folha” demora cerca de 50 segundos, com o lume forte. As “folhas” põem-se a escorrer num tabuleiro inclinado, para o excesso de calda escorrer.

A calda deve ser regularmente borrifada com água fria, para manter a densidade do xarope. Também convém retirar-lhe os resíduos de ovo e impurezas com a ajuda de um passador.

Depois de terminadas as “folhas”, armam-se as trouxas: dobram-se os lados, de maneira a formar um retângulo e enrola-se. Esta operação deve fazer-se com as “folhas” ainda quentes, pois caso contrário não dobram bem e o rolo acaba por se desfazer. Por fim, aparam-se os lados com uma tesoura e introduzem-se as aparas no meio das trouxas.

Dispõem-se as trouxas num prato ou numa travessa e regam-se com um pouco de calda de açúcar.

Trouxas de ovos e Fidalgos e os segredos para produzir estas preciosidades portuguesas
MemoriaMedia

Fios de ovos

Ingredientes

12 gemas, 2 claras, 750 g de açúcar, 2,5 dl de água.

Acessórios

Um passador de rede, um funil para fios de ovos, um tacho baixo e uma escumadeira.

Confeção

Misturam-se as gemas com as claras com um garfo, sem bater e passam-se três vezes por um passador de rede.

Leva-se o açúcar ao lume com a água e deixa-se ferver até atingir o ponto de pérola fraco (108 ºC no máximo). Limpa-se a calda de todas as impurezas.

Coloca-se uma porção de ovos dentro do funil e sem demora, para evitar que a densidade do xarope aumente, deixam-se cair em fio sobre a calda, movimentando o funil em círculos e o mais alto possível. Ao coagularem os fios adquirem o aspeto de uma meada, que se retira com uma escumadeira e se coloca num tabuleiro inclinado ou sobre uma peneira com o fundo virado para cima.

Notar que enquanto se fazem os fios de ovos se deve ir acrescentando pequenas quantidades de água à calda, para evitar que o xarope se torne demasiado denso. No entanto, a calda deve estar sempre a ferver no centro do tacho.

Para facilitar a separação dos fios durante a cozedura, junta-se à calda um pouco de água misturada com uns pingos de gemas: estas, ao ferver, fazem bolhas, que provocam a separação dos fios.

Os fios só devem separar-se depois de frios e com as mãos molhadas, pois de contrário colam-se uns aos outros.

Fidalgos

Ingredientes

“Folhas” de trouxas de ovos q.b., Doce de ovos q.b., Óleo de sabor neutro q.b.

Acessórios

Uma forma redonda (de preferência com fundo amovível) e um ferro para queimar.

Confeção

Unta-se a forma com óleo e forra-se o fundo e os lados com as trouxas, franzindo-as no meio e sobrepondo-as.

Recheia-se com o doce de ovos e calca-se bem. Dobram-se as pontas das “folhas” para o meio e deixa-se ficar assim durante algumas horas.

Desenforma-se o fidalgo para o prato em que será servido, unta-se a superfície com um pouco mais de óleo e queima-se com um ferro em brasa.

Queijinhos de amêndoa

Ingredientes

Massapão q.b. Doce de ovos q.b.

Acessórios

Um rolo de pastelaria, um aro com cerca de 10 cm e um aro com  cerca de 4,5 cm.

Confeção

Estende-se o maçapão finamente com um rolo e recorta-se em vários círculos com a argola maior.

Com os dedos de ambas as mãos, vai-se girando e “franzindo” cada círculo de formar uma espécie de touca.

Pela abertura introduz-se uma colher de chá de doce de ovos e fecha-se o maçapão. Introduz-se essa bola no interior da argola mais pequena e achata-se, para lhe conferir a forma de um queijinho.


Este artigo é transposto da página do projeto MEMORIAMEDIA. Uma iniciativa que arrancou em 2006, tendo como objetivos o estudo, a inventariação e divulgação de manifestações do património cultural imaterial: expressões orais; práticas performativas; celebrações; o saber-fazer de artes e ofícios e as práticas e conhecimentos relacionados com a natureza e o universo.