A moda anda de mãos dadas com a tecnologia e, cada vez mais, as peças de roupa não são simplesmente casacos, calças, saias ou camisolas. Existem algumas que até já nos dizem que o ambiente onde estamos não é o melhor. Não acredita? Nós mostramos-lhe! Hoje, é quase impossível andarmos pelo mundo sem gadgets, sem sermos smarts e digitais ou sem descarregarmos umas quantas aplicações por dia.

E a roupa, claro, não poderia ser uma exceção. A indústria da moda tem trabalhado de forma cada vez mais estreita com a área da tecnologia, levando o simples ato de nos vestirmos para níveis completamente diferentes. Muitas das novidades são ainda protótipos ou simples estudos, mas não está longe o dia em que saberemos onde andam os nossos filhos através do casaco que estão a usar ou se alguém está prestes a ter um AVC graças a um apito transmitido pela roupa interior.

Quando imaginamos estas possibilidades, podemos achar que estamos a entrar no mundo das impossibilidades, mas se pensarmos que, quando se filmou a série «O Caminho das Estrelas», em 1966, a Lycra tinha começado a dar os primeiros passos e os fatos usados pelo Capitão Kirk e a sua equipa foram dos primeiros a usar esta tecnologia, desenvolvida no final dos anos da década de 1950, não estamos assim tão longe da realidade.

Se, na altura, era uma verdadeira novidade, hoje a licra está presente em muitas das peças mais confortáveis que usamos, desde a roupa de ginástica aos biquínis, passando por vestidos, t-shirts e calças de ganga. Nos últimos 20 anos do século XX, muitas foram as tentativas para criar roupa que integrasse tecnologia de ponta. Os falhanços foram proporcionais às tentativas, como a t-shirt que mudava de cor conforme a temperatura, nos anos 80, mas que não resistia a uma lavagem na máquina.

Em 2007, sucedeu o mesmo com o fato da Marks and Spencer’s que integrava um iPod, cujos comandos estavam na lapela. Digamos que nem todos foram nesta cantiga… «A tecnologia será sempre um estímulo para a moda. Se olharmos para a história da moda, inovações como o jacquard e a máquina de costura desempenharam um papel importantíssimo no desenvolvimento de novas técnicas no design de moda», explicam Ariele Elia e Emma McClendon, curadoras-assistentes do Museu do Fashion Institute of Technology, localizado em Nova Iorque.

O que a impressão a 3D está a mudar na confeção

«A impressão a 3D está a mudar não só o consumidor como a forma do vestuário. Em vez de ser o designer a criar o padrão, vemos engenheiros a trabalhar, lado a lado, com os designers. A impressão a 3D permite criar formas mais complexas, o que não é possível através da produção manual», acrescentam as curadoras-assistentes do museu. Para Madalena Sena, da Universidade da Beira Interior (UBI), não só a ligação entre moda e tecnologia é indispensável, para se optimizarem resultados, como esta acabou por funcionar como uma alavanca para o fabrico tradicional.

«Se, por um lado, a ciência oferece cada vez mais alternativas e inovações aos tecidos e às formas de produzir vestuário, também o recurso ao tradicional oferece amplas formas de novo design», refere a doutoranda, que desenvolveu já dois projectos na área da moda e da tecnologia: o Kokoon First Day Kit (um fato de bebé, feito de algodão biológico, cuja forma de vestir e abertura revolucionárias lhe garantiram uma patente) e as etiquetas Braille para vestuário (Find 4 You).

Os dois projetos valeram-lhe três prémios de empreendedorismo no concurso WinUNI, promovido pela UBI, que premeia ideias inovadoras. O aproveitamento da tecnologia pela área industrial é inevitável, e a moda não poderia ser uma exceção, salienta Francesca Rosella, da CuteCircuit. «Todas as indústrias usam tecnologia. A moda adotou tradicionalmente esta área na parte da produção. Na CuteCircuit, vamos mais longe e criamos vestuário que integre esta nova tecnologia», diz a diretora criativa da marca, talvez a única a nível mundial que cria exclusivamente colecções de roupa tecnológica.

Mais do que vestuário

As roupas inteligentes oferecem muitas vantagens. São universais, podem ser personalizadas e são amigas do ambiente, uma vez que os impactos no seu fabrico são menos prejudiciais. Além disso, os designers pretendem criar roupa realmente inovadora e, graças à nanotecnologia, as possibilidades são imensas. Os tecidos poderão, por exemplo, passar a repelir as nódoas, em vez de as absorver e sem alterar a textura do tecido. Sem falar em tudo o que pode ser feito no campo do desporto, da saúde e do bem-estar.

A personalização das peças é também uma das principais características destas criações, uma vez que, devido à tecnologia, cada artigo pode ter uma aparência diferente, ainda que na sua base esteja a mesma peça. «A grande vantagem da personalização do vestuário é, sem dúvida, a exclusividade. A singularidade das peças oferece ao consumidor a vantagem de poder usar vestuário que mais ninguém tem», explica Madalena Sena.

Em Portugal, a vertente tecnologia foi aproveitada e desenvolvida pela ManifestoModa, um projeto sediado no norte que tem Paulo Gomes como diretor criativo, Marianela Mirpuri como diretora de desenvolvimento de negócios, Vicky Fernandes como diretora de projetos especiais e Diogo Trindade como designer, que serve de plataforma dinâmica entre a indústria de vestuário, a investigação e os designers internacionais.

Portugal na linha da frente

Portugal não passa ao lado desta nova tendência. «A proposta da ManifestoModa é impulsionar essa evolução. Introduzir funcionalidade, versatilidade, proteção, inteligência e bem-estar no dia a dia do vestuário e estilo na interactividade com o corpo e com o ambiente», conta Ana Salcedo Guimarães, diretora de pesquisa e desenvolvimento do conceito. A maior dificuldade no desenvolvimento deste projeto prende-se, muitas vezes, com a dificuldade de comunicação entre as partes envolvidas.

Por isso, um dos obetivos da ManifestoModa passa, também, por «criar uma plataforma forte de comunicação entre todas essas entidades de forma a impulsionar a criatividade e trazer as inovações até ao mercado», sublinha. Os produtos separam-se em três linhas: skin care, weather adapt e color change. Estas trabalham, por exemplo, t-shirts que repelem insectos, tecidos antitranspiração ou à prova de água, t-shirts que reagem aos raios ultra-violeta ou roupa antibacteriana. «Já, estão disponíveis na nossa loja online peças com antimosquito», informa.

«Algumas delas combinadas com outras tecnologias como antitranspiração e anti-bacteriano. Os preços variam entre 42 € e 67 €», diz a diretora de pesquisa e desenvolvimento da ManifestoModa, que nos convida a estarmos atentos às suas paginas online Manifestomoda.com e Facebook.com/manifestommm, onde irão estar disponíveis novos artigos. Mas há marcas que conseguiram criar coleções exclusivas de vestuário tecnológico, como é o caso da CuteCircuit, pioneira a nível mundial a criar exclusivamente roupa tecnológica.

A empresa, que tem como assinatura «Future fashion now», algo como «A moda do futuro agora», criada pela designer criativa Francesca Rosella e por Ryan Genz, CEO, tem coleções de pronto a vestir, alta costura e ainda projetos especiais que são desenvolvidos expressamente para marcas como a Mercedes, a Samsung ou a Saab, entre outros. Muitas vezes, o sucesso destes projetos leva à comercialização dos artigos. Um destes exemplos foi a T-shirt OS, resultado de uma parceria com a Ballantine’s, que encomendou uma peça que se pudesse ligar às redes sociais, tocasse música e tirasse fotografias.

Para isto foi desenvolvido um sistema operativo controlado por uma aplicação para telemóvel. O sucesso da T-shirt OS foi de tal ordem que já começou a ser comercializada. Se está interessada, vá a Facebook.com/ballantines e faça o seu registo. Mas esta não é a primeira t-shirt personalizada que a CuteCircuit cria. Em 2006, desenvolveu a Hug Shirt, que 5.000 pixels aplicados no tecido. As luzes, individualmente sincronizadas, criavam uma série de imagens, inclusive vídeos, em tempo real.

A cantora Laura Pausini usou, na mais recente turné, o Aqua- Dress, um vestido de cristais que se iluminavam e que eram estimulados pela voz da cantora. A intérprete de «La solitudine» já havia usado anteriormente uma saia de 4,5 metros de comprimentos com 5.670 pixels que se iluminavam ao longo da canção «Invence no». Mas a grande fã dos desenhos inovadores da CuteCircuit é Kate Perry. A cantora norte-americana usa habitualmente modelos criados pela marca não só em eventos como nos seus espetáculos.

Real e útil?

Na final do programa de talentos «American Idol», em 2011, Katy Perry vestiu um fato-gato adornado com milhares de luzes e cristais Swarovski, para interpretar «ET». A dupla da CuteCircuit explicou, na altura, que o fato foi inspirado na própria canção. «Usámos tecidos e formas que recriassem a atmosfera da música e que causasse uma experiência visual única», revelam. Em 2010, a cantora já tinha usado um vestido da CuteCircuit, desenhado de propósito para a Gala do MET Costume Institute.

A peça tinha 3.000 luzes que criavam um efeito arco-íris. A imprensa rendeu-se ao vestido e a New York Magazine escreveu «O mais excitante da noite foi o vestido iluminado de Kate Perry», num evento que é considerado os Óscares da moda. Ainda que as ideias sejam apelativas, o problema pode ser conseguir criar tecnologia prática, útil e que as pessoas não se importem de usar. Uma t-shirt que dá abraços parece uma ideia fantástica.

Mas, se não for minimamente confortável, haverá mercado para ela? Mais do que a tecnologia que uma peça de roupa aporta, o facto é que continuamos a querer sentirmo-nos bem na nossa segunda pele, porque é com ela que andamos um dia inteiro. E as marcas de tecnologia têm em mente que as áreas que trabalham estes campos têm de ter uma noção de moda, de usabilidade. E este entendimento está patente na forma como desenvolvem as suas estratégias de mercado.

Angela Ahrendt, CEO norte-americana, esteve na casa de moda britânica Burberry desde 2006 até ao final de 2013. O motivo da saída? Passou a integrar a equipa da Apple como vice-presidente para as lojas online. A decisão de contratar Ahrendts foi tomada três meses após o recrutamento de Paul Deneve, ex-diretor executivo da luxuosa e criativa marca francesa Yves Saint-Laurent, para aquela marca norte-americana de tecnologia, onde irá desenvolver projetos especiais.

Afirma-se que os dois irão trabalhar no lançamento do novo iWatch, concorrente do Galaxy Gear, da Samsung. Um relógio que interage com o telemóvel, uma vez que num produto destes a perceção da moda é tão importante como a da tecnologia. Esta sensibilidade na conexão entre moda e tecnologia, premissa na já referida Cute Circuit, foi também considerada pelo designer de moda britânico, de ascendência turca, Hussein Chalayan, quando criou o vestido-vídeo Airboune.

A peça de vestuário, com 15 mil LED encrustados no tecido, criada em 2007, podia exibir desde a silhueta de um tubarão em alto mar até às etapas do desabrochar de uma flor. Outro senão pode ser a utilidade real de todos estes itens. Madalena Sena refere os coletes de kevlar à prova de bala, os fatos dos bombeiros à prova de fogo, os tecidos que não precisam de ser engomados e as t-shirts que medem a frequência cardíaca, que são úteis para pessoas com doenças cardíacas e desportistas, como peças que podem não só facilitar o dia a dia, como salvar vidas.

As vantagens da inovação

A lista inclui ainda tecidos que se limpam a si próprios e peças que monitorizam dados vitais e enviam essa informação para aplicações móveis ou suportes digitais. «Todos estes exemplos são o resultado da união da ciência com o sector têxtil e criam a denominada tecnologia de têxteis e vestuário inteligente», conclui a especialista com formação em design gráfico, design de moda e design de multimédia. Francesca Rosella é direta a apontar mais vantagens do que desvantagens nestas novas criações.

«Há muitas vantagens, como a capacidade expressiva infinita que o vestuário tecnológico tem, além de ser visualmente maravilhoso. E ainda o de permitir ligações emocionais com os nossos amigos mais distantes. As baterias precisam de ser carregadas, é verdade, mas nas nossas coleções isso pode ser feito através de USB e demora apenas uma hora», explica a diretora criativa da CuteCircuit.

Ariele Elia e Emma McClendon defendem que estas alterações tecnológicas permitem aumentar as possibilidades criativas do design de moda (em forma, produção e fabrico). «No entanto, estas mesmas alterações podem fazer com que estes mesmos meios de produção e fabrico sejam esquecidos», rematam as curadoras-assistentes do Museu do FIT. No entanto, ainda estamos longe do momento em que o vestuário tecnológico passará a ser comum nas passerelles e ainda mais da sua comercialização em lojas de comércio tradicional.

Ariele Elia e Emma McClendon, do FIT, referem que «ainda não é possível avaliar o impacto que esta conexão terá na indústria da moda». Os maiores avanços são ainda proporcionados pela indústria militar e pela saúde. O desporto e o bem-estar são áreas que começam a apresentar mais consumíveis mas, ainda assim, trata-se de roupa, não de produtos de moda. E até chegarmos a esse admirável mundo novo, a nossa perceção da moda precisa necessariamente de mudar.

O vestuário pode manter o seu lado mais glamoroso, mas passará a incluir uma componente de utilidade, conforme explica Francesca Rosella. «O que é bonito será sempre bonito, mas, além disso, terá também uma série de propriedades mágicas que permitirá ao seu possuidor expressar-se de formas completamente inovadoras. A moda será mais divertida e significativa», considera mesmo.

Em 2013, o Museu do FIT, em Nova Iorque, apresentou a mostra «Fashion and Technology», que revelou alguns dos exemplos desta relação. Alguns deles datados já do século XIX. «A tecnologia foi sempre a essência da moda. O progresso daquela complementa a estética, sempre evolutiva, da moda e dá a cada criação uma abertura de referência maior, permitindo explorar novos horizontes», referiu o escritor de moda Bradley Quinn, a propósito desta exposição.

Espaço 2999

Aparentemente estranhas, será que passaremos a conviver diariamente com este tipo de peças no futuro? O gabinete alemão de design Studio Roosegaarde, juntamente com o designer Anouk Wipprecht, desenhou o Intimacy 2.0. Feito de couro e contendo e-foils, o vestido fica transparente quando a pessoa fica excitada, reagindo ao ritmo do coração humano. Original é também a GER Mood Sweater, desenhada pela Sensoree. Com tecnologia baseada no polígrafo, interpreta emoções e transcreve-as para uma luz interativa. O azul corresponde a relaxado e o vermelho é usado para o nervoso ou o zangado.

Outra novidade são os sapatos-aspirador Foki, concebidos pelo designer indonésio Adika Titut Triyugo, que rivalizam em inovação com o Hövding, já batizado de airbag para ciclistas, que insufla antes de uma queda. O preço desta novidade ronda os 399 €. Consideravelmente mais barato, 116 €, é o alarme-bracelete Lark Pro vibra. Este apresenta a vantagem de só acordar a pessoa que o está a usar, além de ajudar as pessoas que sofrem de insónia a melhorarem os seus ciclos de sono, uma vez que escolhe o momento certo do sono para acordar o seu dono.

Tecnológico e surpreendente é também o Climate Dress, desenhado pela Diffus. Este vestido incorpora um sistema que monitoriza o nível de poluição no ar e provoca uma reação nas LED que o compõem, que piscam rapidamente se o ar não for aconselhável. High tech são também os óculos Google, que contêm um mini-computador. 

O NFC Ring, do projeto britânico Kickstarter, foi criado por John McLear e permite abrir fechaduras, partilhar links de páginas pessoais e fotografias ou desbloquear telefones. A t-shirt Up, da Up Couture, é anti-má postura. Desenhada com bandas de elástico que suportam os ombros, que fazem com que a t-shirt se torne incómoda se a postura for incorreta. Finalmente, a meia Sensoria (com sensor para tornozelo e app para telemóvel) foi desenvolvida pela Heapsylon, para otimizar a corrida de quem a usa.

Texto: Helena Alves Pereira com Madalena Sena (doutoranda em Ciências da comunicação e design de comunicação da Universidade da Beira Interior), Francesca Rosella (diretora criativa da CuteCircuit), Ariele Elia e Emma McClendon (curadoras-assistentes do Museu do Fashion Institute of Technology – FIT) e Ana Salcedo Guimarães (diretora de pesquisa e desenvolvimento da ManifestoModa)