Em Portugal, surgem anualmente cerca de 4.500 novos casos de cancro da mama por ano, o que corresponde a uma média 11 novos casos por dia. Apesar das inovações dos últimos anos, um cancro é sempre um cancro. E, mesmo se se teve a enorme sorte de conseguir que este fosse tratado, trata-se de uma doença que deixa sempre marcas. O cancro da mama, pela zona que afeta e por, muitas vezes, implicar uma mastectomia, reflete-se profundamente na autoestima da mulher.

A decisão de optar pela reconstrução mamária é estritamente pessoal. No entanto, hoje em dia, as mulheres  que forem submetidas a uma mastectomia total ou parcial podem contar com técnicas muito eficazes que permitem resultados estéticos, bastante satisfatórios. Para saber mais sobre o que existe actualmente no campo da reconstrução mamária, a Saber Viver conversou com a oncologista Lígia da Costa e com Manuel Caneira, cirurgião plástico.

A importância de reconstruir

As notícias são boas. Como afirma Lígia da Costa, oncologista, «em Portugal já se fazem praticamente todas as técnicas de reconstrução mamária existentes». Manuel Caneira, cirurgião plástico, corrobora esta opinião, acrescentando que «nem todos os cirurgiões plásticos executam todas as técnicas. A escolha da técnica mais adequada depende da situação clínica em causa e, de uma  forma geral, a reconstrução mamária pode ser imediata (na altura da mastectomia ou  de outro procedimento cirúrgico destinado a tratar o cancro) ou diferida».

«Pode efetuar-se com recurso a dispositivos médicos como os expansores e próteses ou com tecidos autólogos, originários da própria mulher. Poderão ainda ser combinadas próteses com tecidos autólogos», refere ainda. No caso de serem utilizados tecidos da própria doente, frequentemente são retira dos do abdómen e do dorso, podendo também recorrer-se a técnicas que utilizam tecidos das coxas ou das nádegas.

Manuel Caneira explica que «os tecidos abdominais podem ser utilizados com técnicas mais antigas que sacrificam a  musculatura abdominal ou técnicas mais modernas que apenas utilizam a pele e gordura abdominais tendo vantagens no que se refere à função da parede abdominal. Esta última técnica é conhecida por DIEAP (iniciais referentes aos vasos sanguíneos que são utilizados), sendo considerada o gold standard por muitos centros – embora não seja sempre possível executá-la», diz.

A necessidade de tomar opções

A técnica a utilizar na reconstrução mamária será ditada pela situação clínica da doente. Manuel Caneira frisa que «nesta decisão deve ponderar o estado geral da doente, o estilo de vida, o seu desejo e condições locais como a existência ou não de lesões de radioterapia prévias, outras cirurgias anteriores ou cicatrizes. A mulher deve procurar informar-se junto de um cirurgião plástico em relação à técnica mais adequada para o seu caso», recomenda.

«É conveniente ainda que tenha uma consulta de cirurgia plástica mesmo antes do procedimento cirúrgico mamário destinado a tratar o cancro, pois existem técnicas que, quando executadas na mesma altura, permitem obter resultados muito satisfatórios», acrescenta ainda o especialista.

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As contraindicações das novas soluções cirúrgicas

Na opinião de Lígia da Costa, «relativa contraindicação são os casos de pacientes com tumores de tamanho superior a cinco centímetros, com seios pequenos ou com gânglios positivos, cuja margem seja profunda e pequena e que podem ser submetidas a radioterapia externa, o que pode comprometer ou prejudicar, muitasvezes, o resultado a longo prazo da reconstrução mamária». Manuel Caneira adianta também que «as contraindicações existentes decorrem de fatores gerais e locais».

«Assim, por exemplo, uma mulher que tenha sido submetida a uma cirurgia abdominal, por vezes, poderá não ser candidata a reconstrução mamária com tecidos abdominais», acrescenta ainda. «Uma pele torácica com lesões importantes de radioterapia antecipa maior taxa de complicações quando são utilizados implantes mamários na reconstrução», alerta.

«O estado geral de saúde também é importante. Uma doente cujo estado de saúde seja débil não será uma boa candidata a procedimentos cirúrgicos muito prolongados, devendo procurar-se procedimentos de curta duração», sublinha ainda o especialista.

A melhor técnica

Visto que a utilização de determinada técnica está  directamente associada à situação particular de cada doente, torna-se difícil falar em técnicas melhores ou piores. Na opinião deste cirurgião plástico, «não existe uma técnica cirúrgica universal aplicável a todas as doentes. No entanto, sabemos que determinadas técnicas têm resultados mais consistentes do ponto de vista estético e de duração», sublinha.

«Entre estas técnicas provavelmente a que ocupa um lugar de maior destaque é a  reconstrução com tecidos abdominais com técnicas microcirúrgicas onde se inclui o  DIEAP. Embora seja uma técnica mais demorada e apenas praticada por um reduzido número de cirurgiões, permite resultados estéticos muito interessantes e duradouros», refere ainda este especialista.

Avanços médicos que vieram revolucionar o sistema

No que toca ao futuro próximo, «na área de reconstrução mamária, como em muitas outras áreas em que seja necessário repor tecidos, a revolução nas  próximas décadas passará pela bioengenharia de tecidos, isto é, produzir em laboratório estruturas anatómicas que possam ser aplicadas aos doentes de acordo com as necessidades», prevê este especialista.

«Provavelmente este tipo de desenvolvimentos implicará a recolha de células  pluripotenciais do indivíduo que, cultivadas em laboratório em modelos tridimensionais e com modulação bioquímica adequada, se poderão diferenciar nas estruturas pretendidas, no caso vertente a mama. A transferência para o doente poderá ser conseguida através de técnicas microcirúrgicas já dominadas hoje em dia», descreve-nos Manuel Caneira.

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Técnicas sob análise

Manuel Caneira, cirurgião plástico, esclarece as principais dúvidas sobre os dois métodos mais utilizados na reconstrução mamária:

A utilização de gordura recolhida por lipoaspiração para o preenchimento mamário é eficaz?

Trata-se de uma técnica já muito conhecida e praticada. Existem algumas variantes desta técnica, mas que pouco têm acrescentado à técnica de base quando esta é efetuada de forma correta. A divulgação dessas variantes não tem, muitas vezes, outros propósitos que não os promocionais.

Com efeito, grande parte delas carece de estudos clínicos credíveis que lhes confiram vantagem clara. O lipoenxerto, nome técnico dado a esta técnica, é muito útil em retoques mamários após reconstrução mamária, sendo por isso utilizada com muita frequência no nosso país.

Esta técnica também é utilizada para aumento mamário?

A utilização de lipoenxerto para aumento mamário, embora descrita, não tem  reunido muito consenso na comunidade científica por vários motivos onde se inclui a necessidade de volumes grandes e diversas sessões cirúrgicas bem como risco de aparecimento de depósitos adiposos por vezes palpáveis. Não é praticada com frequência com esse fim.

Em que consiste a colheita endoscópica do músculo grande dorsal?

A colheita endoscópica do músculo grande dorsal é uma variante de uma técnica muito utilizada para a reconstrução mamária. No entanto, a utilização desta variante é de interesse muito reduzido e só tem indicação em casos selecionados pois, na maioria das situações, é necessário colher simultaneamente pele, o que implica cicatriz dorsal.

Muito mais relevante que a colheita endoscópica do músculo grande dorsal é a utilização da pele e gordura do dorso sem o sacrifício do músculo. É uma técnica praticada entre nós já há alguns anos e permite reconstruções muito satisfatórias. No entanto, nem sempre tem indicação e é muito minuciosa, pelo que só é praticada por um número reduzido de cirurgiões plásticos.

Texto: Teresa d'Ornellas com Lígia da Costa (oncologista) e Manuel Caneira (cirurgião)