Margarida Medina Martins falava à Lusa a propósito do caso de uma criança que estava com a mãe numa casa abrigo para vítimas de violência doméstica, em Viana do Castelo, e que, por ordem do tribunal, foi entregue na segunda-feira ao pai, investigado por alegado abuso sexual da filha.

“Há 24 anos que trabalhamos nesta área e deparamo-nos com este tipo de situações e uma das nossas prioridades é que Portugal evolua para uma ligação maior entre quem trabalha a área das crianças, nomeadamente os tribunais, e a área da violência”, a adiantou.

Para a presidente da associação, as famílias não podem ser abordadas de uma “forma desintegrada”: “Quando se aborda as questões de violência e quando de fazem avaliações de risco elas têm de ser coerentes, integradas e tem de se avaliar o todo, com todos os atores e agentes”.

Mas o que continua a observar-se é uma “enorme separação” entre aquilo que está na área da violência doméstica, no processo-crime, e tudo o que decorre na área da família e menores.

“O que se conclui e observa é que as crianças em Portugal continuam a estar absolutamente desprotegidas. Ou seja não há quem as proteja, porque não conseguimos ver aqui uma entidade que faça esta proteção em situações de violência”, criticou.

Alertou ainda para o impacto que as situações de violência têm nas crianças, independentemente de haver abuso sexual ou não.

“Só o facto de estarem envolvidos numa situação de violência é absolutamente traumático e nem esse cuidado é tido em conta”, sublinhou.

Para Margarida Medina, está a chegar-se ao limite da “falta de capacidade de articulação entre os tribunais” e de falta de especialização dos tribunais.

“Já não é aceitável que os juízes e quem opera nestas áreas não tenham formação especializada nestas áreas”, frisou, lamentando que as situações relacionadas com a criança ainda sejam abordadas de “uma forma antiga, já ultrapassada”.

Continua a pensar-se que “aquilo que se passa com os adultos não tem nada a ver com aquilo que se passa com as crianças e isto é uma visão que está completamente ultrapassada e que já não é reconhecida internacionalmente”.

Margarida Medina explicou que esta situação resulta da falta de formação, defendendo que deviam ser responsabilizadas as escolas de juízes, o Conselho Superior de Magistratura, que tem um papel de supervisão e de formação dos magistrados, assim como o Centro de Estudo Judiciários (CEJ).

“Têm de empenhar-se numa modernidade na abordagem destas situações e eu apelo aos advogados que possa apoiar as mulheres para fazerem a defesa dos seus direitos em instâncias internacionais”, defendeu.

Para a responsável, as vítimas deviam recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para pedir uma indemnização ao Estado pelos danos causados por estas decisões, porque “são violações graves de direitos humanos, quer das mulheres, quer das crianças”.

“Se tivéssemos mecanismos mais fáceis para as pessoas responsabilizarem o Estado pela não proteção e defesa dos direitos humanos das crianças e mulheres isto já tinha mudado em Portugal”, sustentou.