Durante os últimos três meses, alunos e professores estiveram ligados através de meios digitais, devido ao encerramento das escolas em 16 de março, e o terceiro período letivo decorreu exclusivamente à distância, exceto para os alunos do 11.º e 12. no.
Apesar dos constrangimentos impostos pelo novo modelo adotado de um dia para outro para assegurar a continuidade do ensino em tempos de pandemia da COVID-19, professoras ouvidas pela Lusa contam que individualização do trabalho foi uma das consequências mais positivas desta experiência.
Carla Batista, professora de Português do ensino secundário, recorda que, apesar da distância física, o modelo ‘online’ permitiu aproximar-se mais de cada um dos seus alunos e organizar o trabalho de forma mais personalizada.
“A forma como a escola é organizada não permite, muitas vezes, estabelecer essa proximidade com os estudantes e a certeza que eu tenho é que a aprendizagem ‘online’ tem um potencial altíssimo para a personalização”, explicou a professora.
Também Manuela Gama admite ter ficado a conhecer melhor os seus alunos ao longo dos últimos três meses, mas esta foi, em simultâneo, uma consequência e uma exigência do ensino à distância.
Segundo a professora de Francês do 3.º ciclo, a impossibilidade de manter um contacto presencial com a turma obrigou-a a procurar conhecer melhor a situação particular de cada aluno para conseguir acompanhar o seu trabalho.
“Houve um conhecimento mais próximo das circunstâncias reais do trabalho do aluno, da sua forma de trabalhar, das suas contingências e, portanto, a distância permitiu uma maior proximidade”, contou à Lusa.
Por outro lado, aquela que foi uma das consequências positivas do ensino à distância abre também caminho na discussão sobre como melhor responder a um dos maiores problemas causados por este modelo: o acentuar de desigualdades.
No balanço que fazem do 3.º período, pais, professores, diretores escolares e governantes reconhecem que muitos alunos não conseguiram acompanhar as atividades letivas e, por isso, em setembro, as crianças e os jovens vão regressar às escolas em níveis muito díspares.
Num ‘webinar’ em que participou no início do mês, o secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, defendeu que no próximo ano letivo será preciso apoiar mais os alunos que ficaram para trás.
Também para Sónia Soares Lopes, professora de Matemática do 3.º ciclo, a recuperação do último período terá de ser feita de forma diferenciada, uma vez que a experiência de cada aluno com o ensino a distância foi igualmente distinta.
“Eu não acho que devemos dar a todos o mesmo. Acredito que devemos apoiar quem efetivamente precisa e dar asas a quem voa sozinho”, defende, acrescentando que os aqueles alunos que agora não tiveram dificuldade em acompanhar as matérias talvez nem precisem de tantas horas de trabalho presencial em setembro.
Carla Batista concorda e sublinha que a experiência dos últimos três meses tornou claro que a igualdade nem sempre traduz justiça, acrescentando que o ensino a distância pode, por isso, ter aberto uma janela de oportunidade para repensar o sistema de educação.
“Muitas vezes, planificamos o trabalho da mesma forma para todos, pensamos em estratégias iguais para todos, quando os alunos são diferentes”, explicou, questionando como é possível atenuar as desigualdades que agora foram acentuadas sem personalizar e individualizar o trabalho.
Carla Batista e Sónia Soares Lopes, ambas a frequentar o doutoramento em Ciências da Educação da Universidade Católica Portuguesa, concordam que uma das dimensões da organização escolar que devem ser repensadas tem a ver com o tempo ocupado passado na escola, defendendo uma maior flexibilização do trabalho, que poderá passar por um sistema misto, entre o ensino presencial e a distância.
“Os nossos meninos passam demasiado tempo na escola e são pouco autónomos porque têm sempre alguém que lhes diga o que fazer. Acredito que tentar fazer um sistema misto poderia ajudar os alunos”, explica Sónia Soares Lopes, acrescentando que, neste contexto, os alunos com mais dificuldades teriam um maior acompanhamento presencial.
Por outro lado, Carla Batista afirma ainda que às desigualdades acentuadas acresce o grande volume de matérias que terão de ser recuperadas por alguns alunos, sugerindo que esse trabalho seria facilitado se as escolas apostarem na interdisciplinaridade, através de projetos que permitam trabalhar conteúdos de diferentes disciplinas em simultâneo.
O secretário de Estado Adjunto e da Educação também já tinha apontado para esta possibilidade, afirmando que não será possível "enfiar tudo o que é normal num ano letivo e mais tudo o que não se fez no ano anterior", mas que as escolas não se poderão cingir às aprendizagens essenciais.
Segundo João Costa, de fora desta equação não poderá ficar a arte ou a educação física, assim como não poderão ser esquecidas as áreas das ciências sociais e das humanidades e, por isso, este é o momento certo para fazer um "bom cruzamento entre as aprendizagens essenciais e o perfil dos alunos", um trabalho que implicará "repensar o currículo".
O terceiro período termina sexta-feira, encerrando o de três meses de ensino à distância. Sobre o próximo ano letivo, sabe-se apenas que o Governo apontou o regresso para meados de setembro, entre os dias 14 e 17.
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