Olhando em volta, parece haver uma “epidemia” recente de problemas de sono nos bebés. Um pouco por todo o lado, surgem tabelas com número de horas de sono, conselhos de como “evitar maus hábitos” ou métodos aparentemente “milagrosos” para fazer os bebés dormirem noites inteiras.

Que se passa com os nossos bebés? Que se passa connosco?
Estaremos efectivamente a fazer tudo mal no que respeita ao sono dos nossos bebés?

Estas questões surgem numa altura em que em Portugal se popularizam métodos de treino e respectivos “especialistas em sono infantil”. Noutros países o fenómeno existe há muito tempo, embora por cá estes métodos estejam a ser apresentados como algo inovador.

Desde o popular Ferber no final dos anos 80, à rígida Gina Ford ou a mais condescendente Tracy Hogg, passando pelo controverso Estivill, entre muitos outros por esse mundo fora, vários são os defensores de métodos de treino de sono.

A ideia que defendem é muito semelhante entre si: a de que é possível “treinar” qualquer bebé para dormir de forma contínua, aplicando para tal um sistema de estímulos e respostas condicionadas para o comportamento que se pretende obter. Outro ponto importante, defendem, é a premissa de nunca “recompensar” os protestos ou pedidos do bebé com a resposta que ele pretende obter.

Esta é também a base dos métodos que chegam agora a Portugal e se popularizam junto dos pais. A promessa de 12 horas de sono ininterrupto ao fim de poucos dias e a bandeira acenada de métodos que prometem “magia” é quase uma miragem para todos nós, pais, cansados e a tentar dar o nosso melhor enquanto conciliamos a exigente vida das nossas sociedades modernas e carregamos os nossos bebés ao colo.

Que pensamos nós dos pais que correm na direcção desta miragem?
Compreendemo-los.

Acreditamos que lhes estão a contar a verdade toda?
Não.

Antes de decidir aplicar um método de treino de sono ao seu bebé, vale a pena entender melhor o que lhe está a ser proposto.

Dos métodos de “choro controlado” aos métodos aparentemente mais gentis:

O treino de sono pode assumir várias formas. O mais conhecido e também mais controverso é o “cry it out” ou “choro controlado”, ou seja o deixar o bebé a chorar sem ser atendido, ou a ser atendido em períodos cronometrados pelo relógio, com intervalos cada vez mais longos, até perceber que o seu choro não será “recompensado” com o colo, a mama ou a presença dos pais durante a noite. Estes métodos, chamados de “extinção”, têm tido nos últimos anos bastante oposição por parte de muitos investigadores da área das neurociências; da antropologia e psicologia, entre outros. Um estudo recente de investigadores da Universidade do Norte do Texas, acompanhou em laboratório, vários bebés sujeitos a treino de sono com métodos de extinção ou de choro controlado. Verificou que na primeira noite do treino em que os bebés choravam muito, os níveis de cortisol (hormona do stress) eram elevados e idênticos em mãe e bebé.

A regulação dos níveis de cortisol entre mãe e bebé é algo de importante, na medida em que esse sistema de alerta em que ficamos quando o nosso bebé chora, nos impele a responder às suas necessidades, já que o bebé não consegue suprir sozinho essas mesmas necessidades.

Na terceira noite do estudo, os bebés deixaram de chorar, tal como prometiam os métodos aplicados, alegando que o bebé “aprendera a auto consolar-se”. Sem o choro do bebé, os níveis de cortisol das mães resultaram, como se esperava, muito mais baixos. A surpresa veio ao medirem-se os níveis de cortisol dos bebés: estes, embora já não chorando como na primeira noite, mantinham níveis elevados. Afinal o bebé não tinha aprendido a “autoconfortar-se”. O bebé continuava com níveis de ansiedade altíssimos. Simplesmente já não pedia ajuda.

E se lhe disserem: “Mas o meu método não deixa o bebé sozinho a chorar”?

Obviamente que os métodos de extinção, em que o bebé simplesmente é deixado a chorar até adormecer, não são actualmente muito populares ou aceites, sendo cada vez mais “substituídos” por métodos de treino de sono aparentemente mais gentis e que falam da importância do “colo e de miminhos”.

Mas, e aqui há sempre um mas, estes métodos alertam também os pais que vai ser preciso serem “resistentes e persistentes”.
O que significa isto? Que o bebé provavelmente vai chorar nas primeiras noites.

Talvez haja alguns bebés que efectivamente, com alguma mudança do ambiente e as rotinas diárias propostas, reajam bem e até nem chorem nada. Acreditamos que os pais desses bebés achem que textos como este são exagerados. “Eu apliquei esse método e vi maravilhas”, dir-nos-ão.

Mas esses foram os casos em que não ocorreu verdadeiro “treino de sono”.
Não foi preciso. E esses bebés não são todos os bebés.

O nível e impacto do choro em cada bebé não pode ser universalizado. Se alguém lhe disser “o seu bebé vai chorar, mas é só porque não está habituado. O choro não lhe vai fazer mal nenhum”, esse alguém está a mentir-lhe.

É impossível avaliar a priori o impacto individual que um momento de desespero pode ter em cada um dos nossos bebés. O potencial traumático de cada evento varia consoante os indivíduos e o seu contexto.

Não sabemos portanto quais serão os bebés que irão debater-se e chorar mais, pedindo desesperadamente contacto físico com os pais para poderem voltar a um estado de regulação que lhes vai permitir relaxar, reduzir níveis de ansiedade e adormecer. Não sabemos também o impacto que esse choro, esse pedido de ajuda não atendido, terá naquele momento  para aquele bebé específico.

Sim, é certo que é dito aos pais que podem pegar ao colo o bebé (as estratégias pick up, put down) mas não adormecê-lo (o bebé, exausto, muitas vezes adormece mal os pais lhe pegam ao colo). Os pais são também instruídos a usar palavras chave de conforto como “eu estou aqui” ou “é hora de dormir”. Para um bebé tranquilo, apenas levemente irrequieto, até poderia ser suficiente.

Mas será isto suficiente para um bebé cujo nível de stress já ultrapassou qualquer possibilidade de regulação? Não.

E os pais saberão que não é suficiente. Porque apesar de estarem a  fazer tudo o que lhes disseram, o bebé não se está a acalmar.

O problema é que por essa altura o colo deixou de ser algo que instintivamente usamos para acalmar os nossos bebés. O colo, disseram aos pais,  deve a todo o custo ser evitado, é algo a ser usado em ÚLTIMO caso (assim mesmo em maiúsculas como é escrito no mais recente livro de treino de sono editado em Portugal). Convenceram-se os pais de que o colo é um mau hábito, um sinal de fraqueza, um erro, uma “muleta”. E quando o colo, o conforto físico é precisamente o que o bebé precisa, e não vai abdicar dele sem dar luta, as respostas acabam.

Os pais ficam então com uma escolha entre mãos: seguir as instruções para serem “consistentes” ou até mesmo “resilientes” como haviam sido motivados a fazer, o que na prática significará persistir mesmo que o bebé continue a chorar, ou…  pegarem no bebé.
Talvez ao fazerem a segunda opção, sentirão que o “bebé ganhou”. Que nunca irá “auto-confortar-se”.  O que ninguém lhes disse é que o auto-conforto, a auto-regulação não vêm como prémio do campo de batalha. É muito mais profundo que isso.

A verdade é que é plausível para nós que estes métodos aparentemente “amigos do bebé”, acabem por ter exactamente, e em alguns bebés, o mesmo efeito que os métodos de extinção. Talvez intuindo isso,  alguns treinadores de sono alertem os pais de que é mesmo possível que o bebé vomite durante o episódio de choro. De alguma forma conseguem convencer os pais de que isto não os deve impedir de continuarem, como se um bebé que vomita num episódio de choro porque pede colo, não fosse um bebé que atingiu níveis de stress que vão muito para além da sua capacidade de se auto-regular.

Na nossa perspectiva, um bebé que chora ao ponto de vomitar para que lhe dêem colo, não deveria nunca ser considerado algo “normal”.

E alguém sugerir isto devia ser o suficiente para levantar muitas questões em todos nós.
Será este realmente o caminho certo para um sono pacífico?

Autoras:
Constança Ferreira, Terapeuta de Bebés
Mariana Cordeiro Ferreira, Psicóloga Clínica

Centro do Bebé

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