Que outros episódios te marcaram e ajudaram a construir a tua personalidade?

Melânia Gomes -  Ui... uma vida inteira de coisas! Umas que vivi, outras que vi viver, outras que ouvi... Somos influenciados por tudo e todos, todos os dias, a cada momento e às vezes nem nos apercebemos disso...

Entretanto a tua mãe voltou a casar. O marido da tua mãe foi ou é um pai para ti? Vias os pais dele como teu avós?

Melânia Gomes -  Sim, mas nunca os tratei por "avós". Na verdade o pai dele também não era o pai biológico dele... Era pai de coração, como ele também é para mim. Foi um tempo muito feliz, e dou-me com ele até hoje claro. Muitas pessoas até nos dizem que somos parecidos, porque acham mesmo que somos pai e filha, o que até é giro.

Fala-nos da menina que veio de Viana do Castelo para Lisboa.Quando vieste viver para Lisboa, o que te custou mais a adaptar? Foi muito difícil lidar com as saudades?

Melânia Gomes - O mais estranho para mim foi as pessoas não dizerem bom dia umas às outras, não se cumprimentarem e olharem de lado para quem as cumprimentava.... Sentia-me um "alien"! Não percebia porque tanta antipatia, tanta frustração e medo. Depois percebi que é uma coisa cultural e que as pessoas no Minho são mais felizes porque têm uma qualidade de vida completamente diferente. Tinha muitas saudades claro, mas estava a viver o meu sonho e sabia que tinha de fazer sacrifícios, enfim aos poucos fui fazendo a minha vida aqui, mas sempre que posso vou a Viana! Nada me deixa mais feliz do que estar na Praça da República em Viana, no meio dos bombos, nas festas da Nossa Senhora da Agonia, a maior romaria da Europa!

Todos os ensinamentos que os teus avós te deram, bem como as tuas tias Irene e Silvina foram fundamentais para essa adaptação?

Melânia Gomes -  Sem dúvida! Em Lisboa e não só. Ajudou-me imenso quando estive a viver 3 meses no Rio de Janeiro. Principalmente os conselhos da minha tia Silvina que é uma senhora um pouco desconfiada e cautelosa. Livrou-me seguramente de alguns possíveis assaltos ou situações mais chatas no Rio.

Sentes a Eunice Munõz e o Rui de Carvalho como os teus “Avós” do teatro? Estreaste ao lado do Camilo de Oliveira em televisão. Que outras referências tens?

Melânia Gomes - Tens razão, caramba, sou de facto muito abençoada! A minha musa em criança sempre foi a Marina Mota, mas adorava igualmente o Raul Solnado. Tinha as histórias dele decoradas e contava a toda a gente. E através dos programas da Marina na televisão, sem saber, acabei por ser influenciada também pela Ivone Silva, pela Herminia Silva, pelo Salvador. Pelo Vasco Santana através dos clássicos do nosso cinema, pelo Herman por tantos anos de televisão, pelo mestre Camilo pelas suas hilariantes "sitcoms", pelo Carlos Cunha... E por muitos colegas com quem já trabalhei e outros com quem gostaria de trabalhar como o meu querido mestre Nicolau Breyner, Miguel Guilherme, César Mourão, Luísa Cruz, Nuno Melo, Bruno Simões, Rui Mendes, Irene Cruz, Manuela Maria... Temos um País cheio de talento, graças a Deus.

As pessoas têm muito a mania que temos de namorar com uma certa idade, depois quando se tem namorado a pergunta é quando é o casamento … depois a pergunta seguinte é, quando desejas ser mãe …..Sentes essa pressão? A tua mãe tem imensa vontade de ser avó (da tua parte)? Como lida ela com os teus sobrinhos?

Melânia Gomes - Definitivamente ela quer muito ser avó, mas já deixou de falar no assunto, já percebeu que será quando eu puder. Pelo menos já conseguiu ouvir da minha boca que sim, quero ter filhos, por isso acho que já sossegou (risos).
Ela não pode ver um bébé que fica maluca! (risos).

O que te diz a tua família sobre o teu trabalho?

Melânia Gomes -  Estão todos muito felizes e orgulhosos por ter seguido o meu sonho e por tudo me estar a correr bem e as pessoas gostarem do meu trabalho. Dizem muitas vezes que sabiam que as secas que eu lhes pregava a contar as histórias do Raul Solnado não iam ser em vão! (Risos) Gostam muito de me ver representar.

Nota-se que és uma pessoa muito feliz e cheia de afectos. Quando desces a Av. da Liberdade nas Marchas Populares, existem imensas pessoas mais velhas que ficam deliciadas ao ver-te descer a Avenida. Nota-se que tu adoras esse contacto. Fala-nos do teu relacionamento com os mais velhos.

Melânia Gomes - Nesse dia até turistas que não me conhecem de lado nenhum ficam "assustados" com a minha energia (risos), devem pensar "Quem é aquela maluca? UAU não faço ideia, mas quero tomar a mesma coisa que ela tomou!" (Risos)
Sou muito latina nesse aspecto, sou afectuosa, sou frontal, directa, carinhosa, divertida e talvez por ter sido criada pelas minhas tias e pela educação que tive de respeitar e admirar os mais velhos, não posso negar que tenho um carinho especial por esse público. Adoro as minhas "velhas", e digo velhas com a maior ternura que posso ter.
Acho que não tratamos a nossa terceira idade como ela merece. Porque já viveram muito, porque já passaram por muito e sabem inevitavelmente mais do que nós, muitas coisas diferentes, mas muitas iguais também, porque saber viver é sempre igual independentemente da época.

O teu avô Carlos morreu de cancro. Sempre acompanhaste o teu avô nos tratamentos entre Lisboa e Tomar. Foi um choque para ti esse tempo de sofrimentos? Como lidaste com a partida do teu avô? Que “herança” recebeste desse avô.?

Melânia Gomes - Foi uma bomba a notícia do cancro. Era a primeira coisa verdadeiramente má que me acontecia, ou de que pelo menos tinha inteira consciência, e nada podia fazer contra. Senti o mundo a desabar, mas tive ajudas fundamentais no meu local de trabalho, tive bons amigos, e uma família muito unida.
O meu avô também teve muita força e sempre muito sentido de humor. Como o acompanhava sempre que podia nos tratamentos dele em Tomar e tentava estar sempre em cima de tudo, a morte nunca esteve no meu pensamento, por isso quando ela aconteceu fiquei numa primeira fase como que congelada (porque estava a terminar uma novela e a fazer uma revista) e 3 meses depois fui completamente abaixo e tive uma depressão que me acompanhou durante algum tempo, bem como outros problemas de saúde e sinto que agora sim o luto está feito. Mas terei sempre muitas saudades dele, claro.
A maior herança que ele me deixou foi a sua honra, a sua integridade, essa acompanha-me sempre, bem como a força, o sentido de humor, a boa vontade e carinho pelas pessoas. O meu avó era uma pessoa muito amada e querida por muito gente. Uma pessoa muito sábia.

Quais as maiores diferenças entre os teus avós?

Melânia Gomes - O meu avô sempre foi mais ingénuo e a minha avó sempre foi mais perspicaz. O meu avô não tinha lá muito sentido de orientação, por isso era a minha avó que lhe dava as orientações de trânsito, só que ela nunca tirou a carta então às vezes queria que ele fosse em contra mão, era lindo! Eu e a minha mãe e o meu tio, no banco de trás, só nós riamos, era sempre hilariante passear com eles de carro.

Os Retratos Contados apresentam-se como um projecto único e diferenciador, uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objectivo é o de falar das ligações entre avós e netos. A importância do papel dos avós na vida dos netos e vice versa.  O que achas deste projecto?

Melânia Gomes - Acho um projecto muito bonito e especial. Toda a gente tem uma relação especial com os seus avós, umas melhores que outras, mas são sempre fundamentais e estruturantes para a vida de cada um. E assim também se conhecem melhor as pessoas, é uma forma muito altruísta de nos darmos a conhecer ao público, partilhando aquilo que nos é mais íntimo, mais belo.

Através da nossa página queremos ainda falar de envelhecimento activo, do abandono dos idosos, dar a conhecer actividades para serem feitas pelos mais velhos, ou para os mais velhos fazerem com os netos ...
Quando olhas para o nosso país, como vês a população mais velha?

Com um grande carinho! Sinto, como disse antes, que não tratamos tão bem como devíamos a nossa terceira idade. A solidão na terceira idade é uma coisa que me deixa muito triste, daí também eu ter criado a minha SILVINA GODINHO (é a minha personagem alter-ego). O nome dela não é por acaso, também. Queria fazer uma homenagem à minha Tia Silvina, por ter histórias hilariantes, por ser uma senhora muito despistada e muito cómica. Queria fazer uma homenagem também à terceira idade, falar sobre o que a solidão faz as pessoas.

Queria falar sobre doenças mentais, alcoolismo, violência doméstica... Queria fazer uma personagem fisicamente muito diferente de mim, e emocionalmente instável. Foi um grande desafio para mim criar a D. SILVINA. Ela começou por ter uma vida apenas online (com vídeos no youtube e facebook) e depois evoluiu para um espectáculo de teatro que estou a fazer em digressão pelo pais. É um monólogo cómico que estreou no Teatro da Trindade em Lisboa, já esteve no Teatro Sá da Bandeira no Porto e agora está em digressão. Vou estar dia 6 de Novembro no Teatro Miguel Franco em Leiria, mas gostava de correr o País TODO com a "Silvina" porque acho que é um espelho dessa realidade de que falei. No final do espectáculo há sempre pessoas que me dizem "tenho uma tia que é assim", ou "conheço uma senhora muito parecida com a Silvina". É um espectáculo muito especial, muito cómico e actual, que todos deviam ver!

Cada vez se ouve falar mais de violência sobre idosos, abandono de idosos nos lares .... Como lidas com estas notícias?

Melânia Gomes - Fico horrorizada! A ingratidão e a violência são coisas que me chocam muito e deixam-me cheia de raiva e muito triste. Sinto sempre vergonha da raça humana quando isso acontece.