Retratos Contados (R.C):Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único diferenciado e inovador uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que acham dum projeto como este?

Joana Marques (J.M): Eu acho ótimo até costumo dizer que tenho uma adoração por avós, os meus em particular, mas também os avós no geral. Eu gosto de pessoas mais velhas! Há pessoas que a gente olha e pensa “Olha aquele senhor dava um bom avô”. Gostava de poder adotar avós por aí. Portanto. Acho que faz todo o sentido um projeto deste género, quase toda a gente tem histórias, curiosidades e emoções para partilhar sobre os seus avós.

Daniel Leitão (D.L): Até porque os avós normalmente são “os pais perfeitos”, são os pais que estão lá só para as coisas boas e quase nunca ralham, nem dão na cabeça dos netos.

J.M: Portanto, as melhores recordações da infância têm a ver com avós, é aquela fase em que não há regras. Onde tudo pode acontecer…

R.C: Quando olham para o nosso país, como é que veem a população mais velha?

J.M: Um bocadinho abandonada! Aliás, bastante abandonada… Nós não vemos muito isso nos exemplos mais próximos de nós, vemos muitas pessoas da nossa idade que têm uma relação forte com os avós e que costumam estar com eles frequentemente, mas quando vemos as notícias é impossível não acharmos que existem muitos avós abandonados e a sofrer de solidão. Quando vemos que há pessoas que são depositadas, por exemplo no hospital e depois ninguém vai lá busca-las é aterrador. É absurdo! Os netos ou os filhos que fazem isso nunca perceberam realmente o que é ter um avô! Não entendo o que leva as pessoas a abandonarem os mais velhos e a depositá-los como se fossem mercadoria. É preocupante!

D.L: Todos vamos passar por lá, não é?

J.M: E tem também esse lado, essas pessoas acham que não vão ter futuro e não vão ser velhas um dia…???

R.C: É um paradoxo! Ninguém quer ser velho, mas toda a gente quer chegar a velho.

J.M: Exatamente, é bom sinal.

R.C: Em relação às gerações mais novas, pensam que hoje, os avós ficam um pouco mais remetidos à solidão? Ou seja, os netos são capazes de estar em casa dos avós, e cada um estar no seu telefone, no seu Ipad, e acabam por estar na mesma casa e não absorvem dos avós, aquilo as gerações antigas absorviam.

D.L: Eu acho que tem dois lados. Tem esse lado mais negativo de facto, acaba-se por não passar tanto tempo com eles e aprender aquilo que nós aprendemos com os nossos avós, sejam as brincadeiras, sejam os ensinamentos, seja tudo aquilo que conseguimos aprender com eles. Mas por outro lado, também tem a parte cool, chamemos-lhe assim, que os netos também estão muito mais predispostos a ensinar coisas aos avós, porque eles estão muito mais afastados dos dias de hoje, das novas tecnologias. É impensável, eu ensinar os meus avós a mexer num telefone ou num tablet, e os avós hoje também são os pais de ontem, também são muito mais predispostos a isso e os netos também estão muito mais, têm um elo de ligação adicional que se calhar doutra maneira poderia não existir.

J.M: Poderá nem ser uma barreira, às vezes, não é?

R.C: Os avós até acabam por se esforçar e aprender com os netos…

D.L:É bom também para eles, pois assim, também se conseguem integrar melhor na sociedade atual. Hoje em dia quase que é obrigatório marcar consultas pela internet, o IRS também é pela internet.

R.C.: Falem-nos um pouco da vossa infância, onde é que viveram?

J.M: Eu vivi sempre em Lisboa, até tinha essa pena, quando os meus amigos da escola diziam “Nas férias vou à terra!”, e eu não tinha terra nenhuma, a minha terra era aqui, os meus avós sempre viveram em Lisboa, os meus pais também, portanto… Mas, sempre vivi grandes períodos em casa da minha avó. Muitas vezes depois da escola ia para lá, e não me lembro bem mas, contam-me que fazia fitas quando era a hora de ir para casa. Eu não gostava nada, queria ficar lá. Era a tal história que falámos há bocado, em casa dos avós não há regras. Havia lá uma parte da casa que eu adorava, que era a despensa, ia para lá e tinha aquelas coisas todas que os pais não deixam comer e era só apontar e comer e a minha avó dizia ”Não contamos nada e podes comer o que quiseres”, Isso acontecia comigo e com o meu irmão, e também adorávamos fazer teatros, a minha avó tinha uma paciência infinita!

R.C: Estamos a falar de qual avó?

J.M: Da minha avó materna, mãe da minha mãe. A avó Estela.

E então fazíamos muitas brincadeiras, a avó Estela participava em tudo, geralmente os pais não têm tanto essa disponibilidade. Já chegam cansados, estiveram a trabalhar e a minha avó sempre foi avó a tempo inteiro, nunca trabalhou, ou seja, ela fez um curso e depois foi sempre dona de casa, digamos assim. Ela nunca teve uma ocupação fora de casa, o melhor que lhe podiam fazer era ela poder dar almoços para a família, receber as pessoas durante toda a semana. Até certa altura aquilo parecia uma pensão, porque as pessoas iam para lá, o meu tio vinha dum trabalho, a minha mãe de outro, etc…e toda a gente ia lá almoçar e eu ficava, então sempre tive essa relação próxima com ela.

R.C: Em que zona de Lisboa é a casa da avó Estela?

J.M: É no Restelo.

R.C: E os restantes avós?

J.M: Do lado do meu pai, a família é um bocadinho dispersa, portanto eu nunca tive assim muito contacto com os avós do lado do meu pai. Lembro-me muito vagamente.

R.C: Os avós paternos são de Lisboa também?

J.M: Eram de Lisboa mas não tínhamos uma relação próxima. Tinha com o meu avô materno, que morreu quando eu tinha 13 anos. Era o marido da avó materna, a avó Estela, e com quem eu também me dava muito bem. Mas é curioso, nós há bocado falámos dessa história das novas tecnologias e ele queixava-se um bocadinho disso, porque o primeiro computador que eu tive foi em casa desses meus avós. O meu avô era engenheiro e eu aprendi a mexer lá no computador, e aquilo era um fascínio para mim. Então ele gozava comigo e dizia “Já não ligas aos avós, agora já só queres saber do computador”. Foi assim a primeira vez que eu fiquei fascinada com a nova tecnologia. Era daqueles computadores que para ligares na internet tinhas de ocupar a linha telefónica. Não havia regras para o uso do computador ma casa dos meus avós. Enquanto em casa dos meus pais só podia estar meia hora na internet, em casa dos meus avós podia estar à vontade. Tem graça, porque apesar do meu avô já ser uma pessoa com alguma idade, o primeiro contacto que tive com computadores foi através do avô Manuel.

R.C:E no teu caso Daniel, recordações do avós?

D.L: No meu caso, eu também sou de Lisboa, nasci em Lisboa, na zona agora chamam-lhe Marvila / Chelas mas, nenhum dos meus avós era de Lisboa. Os meus avós paternos são da zona de Resende e os maternos são da zona de Pedrogão Grande, para os lados da Sertã. Eu também sou mais próximo dos meus avós maternos. Os meus pais quando casaram foram “temporariamente” para casa desses meus avós maternos acabando por lá terem ficado até hoje! Portanto, foi um temporário com pais do que 30 anos! Como tal, sou mais próximo desses dois avós. Infelizmente, já só tenho a minha avó materna viva. Mas, sempre tive uma relação muito próxima com estes meus avós. Ao contrário da Joana, os meus avós tinham a chamada “terra”. Nos 3 meses de férias de Verão, havia sempre um mês que eu ia com eles para a “terra”, onde fazia imensas coisas. Mesmo nas férias da Páscoa, ou quando iam fazer a vindima … Sempre que a família ira à terra eu ia sempre com eles. Houve uma altura, em que eu achava chato acordar cedo para os ir ajudar. Mas depois, divertia-me imenso com as coisas. Adorava as brincadeiras no capo e outras que todos os miúdos fazem como, jogar à bola, andar de bicicleta e andar de um lado para o outro, coisas que dificilmente tinha oportunidade de fazer aqui em Lisboa.

R.C: Acabaste por ter a oportunidade de viver um pouco dos dois mundos…

D.L: Sim, felizmente tive essa oportunidade. E é engraçado porque eu os meus amigos eram como a roupa, tinha amigos de Inverno e amigos de Verão. Havia aqueles amigos que só via naquela época específica do Verão e só nos encontrávamos nessa época. Eram amigos de diferentes sítios do país e de zonas diferentes de Lisboa. Eu sou filho único.

R.C: Joana, como era a tua ligação e a do teu irmão em casa da avó Estela?

J.M: Era ótima, embora nem sempre estávamos em casa dos meus avós ao mesmo tempo, pois o meu irmão tem mais 6 anos. Mas a minha avó recorda, que as brincadeiras que eu e o meu irmão tínhamos, eram totalmente diferentes. O que eu me lembro mais é dos teatros que fazíamos. Eu tirava a roupa toda da minha avó, colares e outros acessórios e fazíamos encenações. A minha avó participava em tudo, e eu dizia-lhe o que é que ela tinha que fazer.

R.C: Que características sentes ter herdado dos teus avós?

J.M: Não sei! A minha avó tem um grande sentido de humor, acho-lhe muita graça. Ela tem saídas muito engraçadas, não é aquela avó convencional que nós imaginamos.

R.C: Não é a avó do carrapito que faz malha?

J.M: Nada, é uma avó moderna. Eu por exemplo, costumo dizer que ela tem uns horários mais modernos que os meus, porque ela deita-se às duas, três da manhã e acorda tardíssimo. Eu por exemplo, tenho um programa na rádio que é de manhã, agora um bocadinho mais tarde, mas antes era às sete da manhã e ela dizia: “Joaninha, eu gostava muito de ouvir-te na rádio, mas às sete da manhã a avó não consegue!” Portanto, ela só acorda mesmo ao meio dia, como uma adolescente. Ela hoje em dia tem 92 anos e eu penso “Isto é que faz sentido, uma pessoa aos 90 anos já não tem ter regras.” Ela come o que lhe apetece, acorda às horas que lhe apetece, f az o que lhe apetece, (não tudo pois vai tendo uma dor ou outra nos ossos), mas dentro daquele território da casa dela faz o que lhe apetece eu acho que isso é ótimo. Uma pessoa aos 90 anos já não está para se maçar!

R.C: Levantar tarde e deitar tarde foi um registo que a avó Estela sempre teve?

J.M: Não, ela tinha uma vida mais regrada. Até porque cuidou dos filhos e dos netos. Logo, havia aquela imposição de horários de refeições… Agora está na parte da desforra, também está sozinha… Tudo tem um lado bom. Claro que ser viúva não deve ter nenhum lado bom numa fase inicial, mas gostei de ver a forma como ela se adaptou à realidade. Conseguiu reinventar-se. Começou a fazer voluntariado depois do meu avô morrer, para se entreter em vez de estar fechada em casa. Foi ótimo porque podia ter-se entregue à solidão e não! Começou a fazer coisas diferentes e tem amigas, conhece as senhoras todas do prédio e passa tardes em casa delas, eu acho que isso é giro, em vez de estar em frente à televisão.

R.C: Com 92 anos é uma pessoa completamente independente?

J.M: Sim, completamente, até demais às vezes. Faz tudo. Hoje em dia já não sai tanto de casa, às vezes tem medo de cair ou qualquer coisa, mas sim faz tudo em casa e cozinha, às vezes vai tendo os seus acidentes, às vezes queima o almoço e tal, mas é completamente independente.

D.L: É chato que é sempre quando nós lá vamos almoçar! (risos)

J.M: Ao Domingo queima sempre o almoço. “Ai estava a ir tão bem, até que isto se queimou.” Distraiu-se!

R.C: Daniel, fala-nos da tua avó Palmira.

D.L: A minha avó não é tão “fresca” como a da Joana. É mais típica, está naquela fase dos queixumes e por ai fora. Tem 80 e muitos 84, 85… Já deve estar mais perto dos 90 do que dos 80, Está naquela fase da velhice que está a voltar a ser criança. Precisa sempre de mais atenção, fica aborrecida quando não lhe damos a atenção que ela merece… Vive com os meus pais.

A minha avó, se calhar não soube enfrentar a viuvez com tanta naturalidade como a da Joana, e foi-se um bocado abaixo porque o meu avô era um grande suporte dela. Aliás, eu creio que de todos nós!

R.C: Que recordações tens do teu avô Adelino?

D.L: O meu avô paterno não tive oportunidade de o conhecer tão bem, porque faleceu quando eu tinha para ai 5 anos. O meu avô materno, o avô Adelino, acho até hoje não conheci pessoa tão pura e tão boa como ele, e eu tive a sorte de poder partilhar muito tempo com ele .O meu avô quando saia do trabalho ia buscar-me sempre à escola e andávamos duas ou três horas fora de casa com ele de um lado para o outro. Foi uma pessoa que eu nunca vi chateada, nunca vi levantar a voz para ninguém, nunca me ralhou por isto ou por aquilo. O único defeito que tinha, era ser extremamente teimoso e lembro-me de ter algumas discussões, discussões no bom sentido. Debates de opinião sobre algumas coisas, e ele teimoso que que era às vezes deixava-me falar, ficava muito chateado porque eu nunca voltava com a palavra atrás. Então ficávamos ali 2,3 dias que não falávamos muito, até que eu dava sempre o braço a torcer. Ambos muito teimosos.

R.C: Herdaste do teu avô a característica da teimosia?

D.L: Eu sou um bocado teimoso sim! Não levo tanto isso a extremos, mas sou teimoso. Mas acho que quem sofreu muito com isso, foi a minha avó. Até porque os meus avós tinham uma característica particular, eles eram primos direitos. Portanto, toda a vida se conheceram. Vieram de um meio pequeno e estavam diariamente um com o outro desde que nasceram. Portanto, acho que foi uma perca muito grande para ela e de facto nunca se conseguiu refazer a 100%, acabando por se esquecer um bocado dela.

R.C: O que fez profissionalmente o avô Adelino?

D.L: O meu avô era taxista. Um taxista simpático.

R.C: Ensinou-te a conduzir?

D.L: Por acaso não me ensinou a conduzir. Quando eu fui tirar a carta o meu avô já estava reformado. Os meus avós quando se reformaram, foram outra vez viver para a terra, a famosa “terra”, pois esse era um sonho deles. Eles vinham cá com alguma frequência, mas não a suficiente para me ensinar a conduzir. Mas o meu tio que tem mais 4 ou 5 anos que eu, era o filho mais novo deles e foi o meu avô que o ensinou a conduzir e ensinou-o a conduzir para ai com 5 anos. Aliás o meu tio com 8 anos, (bem mais rebelde que os meus avós que eram pessoas pacatas), roubou o carro da minha mãe e foi desde Marvila até à Graça a conduzir.

J.M: Com 8 anos? Olha eu não chegaria aos pedais…

D.L: Com 8 anos. Conduziu em pé. Ele estava mais ou menos só com o ponta do rabo no banco e a conduzir o carro. Tu hoje com a idade que tens continuas a ter dificuldade em chegar aos pedais!

(Risos)

R.C: Que fizeram profissionalmente os teus avós Joana?

J.M: O meu avô foi Engenheiro Civil. A minha avó tirou cursos de línguas. Penso que de Francês, Português. Muitas vezes peço-lhe para me contar coisas dessa altura. Aliás, há uns tempos dei-lhe um livro para ela preencher. É um livro que é uma espécie de testemunho de um avô ou de uma avó para um neto. Ela é muito preguiçosa, é um dos defeitos que ela tem, demorou imenso a preencher, mas lá a convenci a preencher e conta histórias dela, como conheceu o meu avô, como é que eram os tempos na faculdade, na altura era quase uma raridade. Recomendo a toda a gente, porque no fundo ficas com um documento histórico da tua vida. Porque depois há histórias que se perdem para sempre. Fiquei a saber coisas que não sabia, por exemplo na altura era uma raridade haver raparigas na faculdade e as pessoas iam muito bem vestidas para a faculdade. A minha avó acha chocante, como é que hoje em dia quase se pode ir de fato de banho e chinelos para a faculdade. Na altura havia todo um protocolo, as pessoas iam impecáveis, quase como se fosse um “casamento”. Eu acho giras essas histórias porque são como se estivesse a ver um filme de outras épocas.

R.C: E tu Daniel, quais são as memórias mais antigas que tens em relação aos teus avós?

D.L: São as brincadeiras das férias de Verão na terra, são os dias de Natal também em casa dos meus avós, que neste caso também era a minha, quando nos reuníamos todos, os dias de Páscoa, alturas de festas na terra quando a família estava toda reunida era engraçado. Mas as primeiras memórias são dessa altura, ainda de pré-primária, ainda de estar em casa e eles chegarem do trabalho pois trabalhavam ainda e estar com eles também e a avó vir à hora de almoço fazer o almoço…

R.C: Aquilo que és hoje é um pouco a herança deles?

D.L: Eu quero acreditar que sim. Até nem me considero má pessoa! Portanto, acho que parte disso também é responsabilidade deles. Quando somos mais pequenos, muitas das vezes passamos até mais tempo com eles do que com os nossos pais. Portanto, eles têm essa influência e também nas histórias que nos contam e nas histórias que partilham connosco e os conselhos que nos dão e há muitos que ficam desses conselhos que ficaram gravados e continuas a usar e fazem parte de ti.

R.C: E o maior desafio como neto qual é que foi?

D.L: O maior desafio como neto muitas vezes, este até é por acaso neste momento, e é o que eu sinto como maior desafio, como maior responsabilidade neste momento, é a parte do tempo que despendemos com eles. Quando somos mais novos talvez não tenhamos essa perceção, e se calhar até temos muito tempo… Mas como não temos ideia de como as coisas são até podemos não dar a devida atenção. Mas hoje é dia o desafio é arranjar tempo para estar com a minha avó, pois sei que um dia ela vai desaparecer…

R.C: Não pensamos que as pessoas vão desaparecer da nossa vida.

D.L: Quando somos crianças não pensamos nisso! Mas depois quando somos adultos e quando temos obviamente as nossas vidas o desafio muitas vezes é encontrar esse equilíbrio, no meio da rotina toda que tens e dos projetos que tens é encontrar tempo para estar com eles, acho que esse é sem duvida o maior desafio. Tentar que em nenhum momento eles tenham aquele sentimento do “Já se esqueceu de mim”. Daquela situação de nós ligarmos para falar com eles e eles dizem ”Ah já nem reconhecia a tua voz” …

R.C: E no teu caso Joana, qual foi o teu maior desafio como neta?

J.M: Não sei, talvez a fase em que o meu avô morreu, eu tinha cerca de 13 anos. De repente ver a minha avó triste, o que era uma novidade, porque eu nunca tinha visto a minha avó triste, era sempre aquela pessoa mais divertida do mundo e de repente… O desafio era animar a minha avó ao mesmo tempo que eu também tinha que lidar com a morte do meu avô.

R.C: Foi a primeira vez que lidaste com a morte?

J.M: Sim. De uma forma tão próxima sim. E vê-la de repente triste, aquilo para mim era estranhíssimo. O que é que eu ia fazer para a animar e também aquele receio “será que ela agora vai ser sempre assim? Não vai voltar a ser aquela avó divertida?”. Hoje em dia, não sei quanto tempo durou a sua tristeza mais evidente, já é uma memória mais distante, mas lembro-me que foi um desfio. Todos nós, estando todos tristes, ter de puxar por ela e animá-la, acho que foi o maior desafio. Hoje em dia, felizmente vou conseguindo passar tempo com ela. Tento ir a casa da minha avó frequentemente, também vivemos bastante perto, portanto é relativamente fácil. Mas mais que o tempo, tentamos que esse tempo seja interessante e eu oiça as histórias que ela tem para contar. Nós sabemos que os avós contam 500 vezes a mesma história, mas não faz mal, brinco com ela e digo ”sim, sim, nunca ouvi isso” e acho que faz parte porque essas recordações são as que depois ficam.

D.L: O impacto que a morte de um dos membros do casal tem no outro realmente preocupante. É engraçado que eu olhando para trás e recordando a relação deles dos meus avós, faz-me lembrar a dos “velhinhos dos Marretas”. A relação dos meus avós era assim, de estarem sempre a implicar um com o outro, mas não podiam passar um sem o outro. Já reformada, a minha avó decidiu ir a Israel, e andou para aí uns 3 ou 4 meses a tentar convencer o meu avô a ir. Ele não quis ir. A minha avó decidiu ir sozinha. E eu lembro-me perfeitamente de quando ela voltou, ele disse-lhe “Tu a partir de hoje não vais a mais lado nenhum sozinha! Porque eu não sou capaz de ficar a dormir outra vez sem ti!” Isso dá que pensar.

A dada altura quando tu pensas, sendo um deles que passe a dormir o resto dos dias sozinho se calhar é um bocado marcante, e muda-nos para o resto da vida.

Talvez tenha sido isso que aconteceu à minha avó. É triste, mas é verdade.

R.C: Passando a coisas mais alegres. Vocês são pessoas do humor, têm situações cómicas com os avós?

J.M: Com a minha avó havia muitas, porque a minha avó era ótima a colocar-se a si e aos outros em situações constrangedoras.

D.L: Ainda é.

J.M: Ainda é, mas agora sai menos de casa portanto é menos embaraçoso.

D.L: Tem menos público.

J.M: Perde um bocado noção do que está à sua volta. Eu lembro-me de uma vez andar com ela a ver de um vestido para uma festa qualquer, e a minha avó entra numa loja e grita, ou seja não é por má educação, ela esquece-se que há mais pessoas no mundo, agarra-me assim por um braço e diz ”A minha neta precisa assim de um vestido não sei como”… E eu digo ”Oh vó, mas estão pessoas à frente, há pessoas na fila.” Era sempre um misto de coisa engraçada e de coisa embaraçosa quando saia com ela à rua.

R.C: Embaraçosa para ti?

J.M: Embaraçosa para mim, ela estava na maior, perde um bocadinho as estribeiras e não tem vergonha de nada e depois diz-me sempre ”Quando chegares à minha idade vais ver que também não te importas saber se as pessoas estão a olhar.” Nós temos muito aquela coisa de não fazer má figura, de ser discretos e a minha avó não tem nada disso. Não sei se sempre foi assim ou se só lhe surgiu agora, mas mesmo na história dela mas muito aquelas histórias de mal entendidos, conversas de surdos, de coisas inconvenientes que ela diz sem querer, tem várias histórias assim de embaraços. Acabamos sempre por nos rimos todos, com as histórias assim meio absurdas da minha avó.

R.C. – Como era o teu avô?

J.M. – O meu avô sempre calado, a minha avó sempre falou que se desunha. Falava pelos dois, e nós perguntávamos sempre ao meu avô como é que ele a aturava, e ele dizia “O segredo é este, deixo-a falar”, ou seja, havia dias inteiros em que a minha avó dizia ”Não oiço a tua voz”. Ele estava sentado lá na sua poltrona sempre, e ela falava, falava e ele só dizia que “sim”, tinha uma paciência de santo, e tinha outra característica engraçada, negava sempre que estava a dormir, o meu avô adormecia sempre a ver a televisão, mas dizia sempre “Eu não estava a dormir, estava a ouvir tudo”.

R.C: E tu Daniel, recordações cómicas com os avós?

D.L: O meu avô tinha uma coisa muito engraçada, pode ser mórbida, mas é engraçada! O meu avô nos funerais, não fui a muitos com ele de facto, mas o meu avô ria-se sempre nos funerais, ele não conseguia… Ele estava à porta da igreja e estava-se a rir, não estava às gargalhadas, estava a sorrir mas era muito estranho mesmo.

A minha avó, o momento que eu tive cómico com ela; Estávamos no casamento de um primo meu, estávamos todos a conversar, e um dos meus primos estava a fumar, e a minha avó chega lá e tira-lhe o cigarro da mão e diz ”Isto não é para a tua idade”! Ficou assim tudo a olhar para ela. Depois de repente, ela dá um bafo no cigarro e depois em vez de mandar o fumo pela boca, manda o fumo pelo nariz, e eu penso ”Meu Deus o que é isto?” E eu penso, ”Meu Deus, na volta ainda vamos para a discoteca com ela”. Foi caso único felizmente, mas eu não seria capaz daqueles truques.

R.C: Vocês felizmente têm duas avós vivas que veem o vosso sucesso. Como é que elas encaram esse sucesso profissional?

J.M: A minha avó acha muita graça, mas a minha avó é suspeita porque tudo o que nós façamos ela acha que está sempre bem, que está tudo ótimo. Não tem espírito crítico nesse aspeto, quando são familiares dela nós fazemos tudo bem .Eu posso cantar horrivelmente que ela diz que eu canto bem, ou posso cozinhar mal que ela diz que está ótimo.

D.L: Se calhar já está um bocado surda… (Risos)

J.M: Por acaso não, por acaso ouve bem! Mas ela gosta muito, lá está também por ter esse lado de sentido de humor, gosta dos programas vê e acha graça. Há pessoas que podem gostar muito de nós, e não achar graça nenhuma ao que nós fazemos, o que não é o caso dela porque ela.

A rádio, lá está é muito cedo, ela não consegue ouvir porque está a dormir, mas como os programas são mais à noite ela consegue ver e fica toda orgulhosa e sempre que há espectáculo ela faz questão de ir ver, e eu acho que ela gosta.

R.C: E não se preocupa com o facto de vocês criticarem às vezes certas pessoas, que essas pessoas venham-te a fazer algum mal ou a dizer alguma coisa que te ofenda?

J.M: Não. Acho, que ela não tem muito essa noção. Felizmente não tem facebook, se ela visse o facebook ficava horrorizada e a pensar “Como é que as pessoas dizem isto de vocês?” Há sempre pessoas que levam a mal tudo e há sempre pessoas que perante uma sátira ou perante uma coisa irónica reagem com ofensas. Isso é o normal, na internet todos temos e sabemos. A minha avó, felizmente vive no mundo dela, bem melhor sem facebook e então nem sequer tem noção que as pessoas possam ser assim ofensivas e desagradáveis. Acha graça e não vê problema nenhum.

R.C: É daquelas avós que na mercearia ou no café diz ” A minha Joana está na televisão ou está no rádio”?

D.L:A minha Joaninha…

J.M:”A minha Joaninha”, quase de certeza que sim. No cabeleireiro por exemplo, ela tem um cabeleireiro na entrada de casa, e se eu passo lá, elas sabem sempre tudo, não só dos programas, mas sabem tudo da minha vida . ”Casou não sei quantos, fez não sei quê, a avó já esteve aqui a mostrar fotografias”. Sim, é a típica avó babada.

R.C: Coleciona recortes de revistas ou jornais?

J.M: Isso não sei. Acho que não, porque lá está ela, é desorganizada. Não tem organização a esse ponto, mas gosta muito e guarda sobretudo muita coisa antiga. Ela tem tudo lá, desenhos que eu não sei porque é que a minha avó guarda aquilo. Eu desenhei o sol e ela tem lá, também uma coisa que para mim é engraçado, que são as primeiras composições e textos e coisas que eu fiz e ela tem lá assim um espólio enorme. Eu acho que o sítio onde eu primeiro comecei a desenvolver a criatividade foi em casa dela, e há lá imensos textos. Também oferecia-lhe sempre também no Natal textos ou sobre ela, ou sobre o meu avô e ela tem isso tudo guardado. É giro.

R.C: Essa também será uma das melhores heranças que um dia irás receber, são as tuas memórias?

J.M: Acho que pode ser giro sim, ela tem isso tudo guardado. É giro.

R.C: Daniel, a tua avó também gosta de te ver?

D.L: Sim, ela também gosta de ver, se bem que eu no caso da minha avó fico magoado com uma coisa que é: A minha avó é daquelas pessoas que quando está a ver uma novela fala com os personagens, e eu sei que ela quando está a ver o meu programa ela não fala comigo. (Risos)

Não estabelece diálogo com a televisão, durante o Altos e Baixos. Mas lá está, também percebo, ela está habituada a falar comigo ao vivo. Esse é o desgosto que eu tenho, mas sim, mas gosta e tudo o que é na televisão eles, os meus pais e a minha avó veem tudo.

J.M: A única coisa que a minha avó crítica é se eu usar calças rasgadas, isso ela não percebe, diz que não tem nexo nenhum.

D.L: E percebe-se, pois não tens necessidade disso?

R.C: Os teus pais já são avós?

J.M: Não, nem posso falar muito disso que a minha mãe chateia-me imenso porque quer ser avó. A minha mãe nasceu para ser avó. O meu irmão também não teve ainda filhos e ela quer ardentemente ser avó, nota-se nos olhos dela.

Não percam brevemente a 2ª parte, desta divertida e ao mesmo tempo emocionante conversa.