Ele é humorista, ator, argumentista e muito mais. A tudo o que faz, entrega-se de corpo e alma. Por isso, tudo o que faz, faz bem feito. Não é à toa, que faz parte dos melhores humoristas nacionais.

Para o bem de todos nós, ainda havemos de ser bem felizes, tanto a vê-lo vestir as personagens que interpreta, como a ver outros, a representar papeis escritos pelo Eduardo Madeira.

O Eduardo estudou direito e história, tendo começado a trabalhar nas Produções Fictícias em 1997.

É um dos pioneiros da stand-up-comedy em Portugal, e co-autor e autor de imensos programas.

Retratos Contados (R.C): Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único, diferenciador e inovador uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que é que achas de um projeto como este?

Eduardo Madeira (E.M): Eu acho que é um projeto muito importante! Porque na verdade, quase todos nós conhecemos os nossos avós, ou pelo menos um avô ou uma avó. Todos nós temos uma história qualquer com um dos avós. Quando digo “todos nós” estou a generalizar! Existem pessoas que nunca conheceram os avós, nem ouviram histórias sobre eles. Mas, mesmo nesses casos eu acho que há sempre uma pessoa que acaba por ocupar esse lugar. E isso é bom, porque faz parte da educação, obtermos informação dada pelas pessoas mais velhas.

Muitas vezes, os pais têm menos tempo para os filhos do que os avós. Os avós que têm oportunidade de estar mais tempo como os netos, são os avós que transmitem valores importantes e fazem uma espécie de continuidade do que é que são as tradições e a vida.

E acho que isso é muito importante!

R.C: Através deste site queremos ainda falar do envelhecimento ativo, do abandono dos idosos, dar a conhecer atividades para ser feitas pelos mais velhos… Quando olhas para o nosso país, como é que vês a população mais velha? Quando ouves num noticiário, que mais um idoso que foi abandonado, mais um idoso foi vítima de violência… Achas que deveria haver uma revolução de valores?

E.M: Eu acho que o problema é mais abrangente e começa principalmente por razões demográficas. Sinceramente, o que acontece é que daqui a 50 anos a maior parte da população que seja em Portugal, quer seja na Europa e no mundo ocidental, provavelmente será constituída por pessoas de mais idade. Portanto, ou há aqui uma grande revolução demográfica e invertemos esta tendência, ou vamos confrontar-nos com um mundo, onde maioritariamente as pessoas têm mais de 50 anos.

Infelizmente, hoje em dia existe cada vez mais gente, que não tem paciência nem tempo para as pessoas mais velhas da família. É uma coisa horrível e inacreditável! Muitos por motivos económicos (e não só), abandonam aqueles que um dia tomaram conta deles …

R.C: Há uns anos atrás discutia-se muito o problema de ter a televisão ligada durante a hora das refeições, pois as pessoas não conversavam umas com as outras. Hoje, essa conversa está completamente desatualizada. As pessoas estão permanentemente ligadas à internet com os telefones de última geração e afins … Existe uma distância muito maior das pessoas mais velhas. Hoje não se conversa?

E.M: Piorou ainda mais!

R.C: Que recordações tens dos teus avós?

E.M: O meu avô paterno foi como um ídolo para mim. Tive uma relação muito próxima com este avô. Com a minha avó paterna também. Os meus avós maternos eram separados. Mal conheci a minha avó materna. O meu avô materno sei que teve muitos filhos e casou mais do que uma vez. Era uma pessoa com um feitio particular. Era quase um personagem de telenovela. Mas também não foi a relação mais próxima… Já o meu avô paterno, era o meu herói! Ensinou-me a andar de cavalo, comprou-me uma sela quando eu fiz 10 anos, e levava-me para todo o lado.

O meu avô tinha conversas comigo, que para um miúdo pequenino eram impressionantes! “Aquelas terras todas um dia vão ser tuas”! E eu pensava: “Que maravilha eu vou poder brincar nesta terra toda, e é minha, vai ser minha”: Era uma pessoa muito engraçada e contava-me muitas histórias engraçadas e eu creio que o sentido de humor, o meu sentido de humor, vem do meu avô paterno.

Da parte da minha mãe, há um tio meu que se chama curiosamente Eduardo, que também tem um sentido de humor fantástico, e também foi uma pessoa que determinante para mim.

Infelizmente, durante um período da minha vida, estive bastante afastado do meu avô paterno, mas continuou a ser a minha referência e o meu ídolo.

R.C.: Quais as memórias mais fortes, que tens com este o teu avô.

E.M: A memória mais forte, foi o dia em ele me ofereceu uma sela, que era uma coisa do outro mundo, (porque eu queria ser cowboy, houve uma altura da minha vida que eu queria ser cowboy, então o meu avô oferecer-me a sela) era o princípio de uma grande carreira como cowboy, era uma sela lindíssima!

Mas aquela recordação que hoje em dia faz mais sentido para mim, é quando o meu avô estava ao pé da lareira, estava a família toda naqueles Invernos, e o meu avô começava a contar histórias. E eram normalmente histórias hilariantes, de pessoas que, ainda por cima nós conhecíamos daquela zona, (ou conhecíamos um familiar ou mesmo a pessoa) e toda a família chorava a rir com a maneira como ele contava aquelas histórias sobre as tais pessoas conhecidas. Era uma coisa deliciosa! Eu era pequenino e a maior parte das histórias eu nem sequer percebia, mas só de ver aquela gente toda a rir eu achava que aquele era um momento mágico! O meu pai, herdou essa veia de contador de histórias, é muito divertido e eu herdei também.

R.C: E do teu avô materno?

E.M. – Da parte do meu outro avô, lembro-me que o meu outro avô me deu um soldado da “UNIÃO”. Ou seja, um daqueles tipo “General Caster”, um tropa, e um índio. Seria tipo General Caster e um dos índios que atacou o General Caster, isso foi um dos momentos em que o meu avô materno se tornou um herói para mim porque aquilo era das coisas que eu mais queria receber na vida e eu não sei como é que ele por sorte…Ele tinha um amigo que tinha umas lojas, onde havia uma secção de brinquedos e realmente existiam esses bonecos pequeninos em PVC, não sei como é que o meu avô descobriu aquilo, não sei se foi a minha mãe que lhe passou alguma informação…

Só sei que fez-me imensamente feliz. Isso até hoje é uma recordação muito forte.

R.C: Que valores os netos herdam dos avós?

E.M: Gosto muito quando os meus filhos estão com o meu pai! Porque sei que o meu pai apesar de ser “meio amalucado” (o que é verdade, não é uma pessoa normal no sentido de ser muito convencional …), eu acho que ele está a fazer, (e vai continuar a fazer), com os meus filhos, o papel que o pai dele fez comigo.

Ou seja, transmite precisamente estas lições de vida, estas histórias, porque a sabedoria popular é fantástica. Não há filosofias nem histórias, nem universidades que substituam a sabedoria popular e certos ensinamentos que realmente passam de geração em geração.

O meu avô, precisamente porque passou muito tempo comigo numa certa altura, tinha muita paciência para mim e gostava imenso de mim, e transmitiu-me realmente esses valores . Penso que para além das coisas que ele me passou, quase o fez sem se aperceber que me estava a transmitir valores. Herdei dele o sentido de humor, a vontade de contar histórias. O meu avô era uma pessoa que gostava de receber pessoas, tinha um espírito afável e sociável. Para além de tudo isso, herdei do meu avô valores como a honra, o respeito, uma pessoa nunca perder a dignidade.

O meu avô foi uma pessoa muito vertical. Foi sempre aquela pessoa que se dava com toda a gente na terra. Mas quando achava que havia uma situação ou alguém que não estava a comportar-se com dignidade, para com ele ou para com quem quer que fosse, o meu avô intervinha e dizia “Peço imensa desculpa mas isso não está correto, peço-lhe já que acabe com essa situação“.

Foi sempre assim e era uma pessoa extremamente respeitada por causa disso, da sua verticalidade.

R.C: Servia sempre de exemplo …

E.M: Apesar de ser uma pessoa bem-disposta e divertida, quando chegava a altura em que achava que algo não estava correto, parava tudo!

Acabei por herdar isso, eu sou uma pessoa que gosto de brincar, mas há alturas que eu digo … Há um limite!

R.C: O que mudou na vida dos teus pais depois do nascimento dos teus filhos?

E.M: O meu pai é uma pessoa extremamente ativa e tem com o Henrique, o meu filho mais velho, uma relação de amizade incrível. Eles vão á praia, eles vão passear, vão para o campo, eles vão às compras. É uma coisa incrível! Com a Leonor, a mais pequenina que tem dois aninhos, ainda não é a mesmo coisa, pois ela precisa de muito cuidados e requer muita atenção e muita paciência. Quando nós precisamos de ajuda por causa da nossa vida profissional, acabamos por recorrer à mãe da Joana. A minha mãe por motivos de saúde, não consegue estar muito com a Leonor.

R.C: Mais curiosidades que nos queiras revelar?

E.M: O meu pai é uma espécie de médico homeopata sempre conheci o meu pai assim! O meu pai tem livros de medicina, a cura pelos alimentos, tem uma biblioteca de livros e então uma pessoa chega com uma unha encravada e o meu pai diz: “Comes duas lascas de rabanete e isso resolve-se”…

”A minha filha adora o avô e chama-lhe o avô do açúcar porque o meu pai deve estar sempre a dar-lhe açúcar amarelo. O meu pai, como bom maluco que é, tem uma teoria que o açúcar amarelo faz bem ao contrário do outro.

R.C: Devias explorar mais essa veia do teu pai…

E.M: Ele é muito castiço e muito cómico quando está bem-disposto, pois também tem os seus dias. Quando está bem-disposto ficamos horas a ouvi –lo, a dizer disparates e a rirmos. Ele sabe perfeitamente que está a ser engraçado, mas aquilo sai-lhe assim em catadupa.

No dia em que sair um livro, sobre as raças de cães que o meu pai criou ,vai ser histórico! É que o meu pai tem teorias dele sobre cães…

“Isto é uma raça que há… que não sei quê…” explica a origem e nunca ouviu falar daquilo nem ninguém sabe o que é que ele está a falar, mas ele está cheio de certezas…!!!”

R.C: Esse sentido de humor, o teu pai herdou do teu avô!?

E.M: Sem dúvida! É a herança do meu avô, o meu avô era um grande contador de histórias.

R.C: Inspiras-te nos teus avós para interpretares alguns dos teus personagens.

E.M: Eu creio que a veia de contador de histórias e a parte criativa é um bocadinho herança do meu avô e de algumas imitações que ele fazia das personagens da terra, que ele fazia as vozes. Havia um que andava sempre a correr para todo o lado e tinha muita força mas falava assim (voz fininha). Ele contava essa história. Aquilo era muito engraçado! Mas eu creio que depois o resto são coisas que nascem também connosco. A capacidade de observação, o gosta de imitar, o gostar de brincar, ver o lado cómico das coisas. Isso, acho que é uma coisa que nasce connosco também!

R.C. Quando recordas os teus avós do que sentes mais saudades?

E.M: A parte melhor das pessoas que desaparecem são as boas recordações que tens delas. A parte pior é a falta que elas nos fazem agora! Eu dou muitas vezes comigo a sentir falta…Gostava muito de ter o meu avô agora! Para ele ver-me a fazer coisas na televisão, que não viu porque quando morreu estava eu na faculdade. Gostava de o ter agora comigo e as pessoas todas que partiram. O que me custa mais, é a falta que eles me fazem neste momento! Há dias em que eu…eh pá gostava tanto de ter aqui o meu avô para falar com ele e dar-lhe um abraço.