A proposta de Edite Estrela é simples: alargar o período de licença de maternidade na União Europeia (UE) das atuais 14 semanas para as 20 semanas pagas por inteiro, e estabelecer também uma licença de paternidade de duas semanas pagas na íntegra. A "luta” da eurodeputada e vice presidente da comissão dos direitos e igualdade dos género já dura há vários anos e teve um ponto alto em outubro de 2010 quando a revisão da diretiva com mais de 20 anos foi aprovada pelo Parlamento Europeu (PE), por uma esmagadora maioria. “Talvez tenha sido, desde que estou no PE, o voto mais consciente porque foi transversal a todos os grupos políticos”, afirmou.

Mas esta vitória não deu mais frutos e a proposta continua à espera de aprovação do Conselho Europeu e, três anos depois, Edite Estrela explica o que está por fazer e de que forma a crise tem servido de desculpa para não se avançarem com projetos sociais importantes para todos.

A revisão da diretiva europeia relacionada com a licença de maternidade tem sido a sua luta diária?

Edite Estrela: Tem sido mesmo isso, uma luta diária, trabalhando com as diferentes presidencias rotativas da UE para ver se conseguimos desbloquear o assunto no Conselho. Esta diretiva que está em vigor já tem 20 anos, está ultrapassada e já não corresponde às necessidades atuais, e por isso é indispensável que seja revista porque diz respeito a muita gente. Em outubro de 2010, no dia em que foi aprovado o meu relatório no Parlamento Europeu (PE), cheguei à garagem para apanhar o transporte para o hotel em Estrasburgo, quando o chefe dos motoristas se virou para mim e perguntou: “então Madame Estrela, foram 20 ou 22 semanas?”. Ainda recebi mensagens dos contínuos, dos intérpretes, enfim...toda a gente se empenhou muito e estavam todos muito atentos a este debate. Desde outubro de 2010 que este assunto está bloqueado porque não havendo uma reação do Conselho, não é possível avançar. Ou seja, só há nova legislação quando PE e Conselho chegarem a acordo. Nós fizemos tudo mas há alguns países que bloqueiam - são sempre os mesmos - e que têm muito poder: a Alemanha, a Holanda, o Reino Unido e outros.

E porque é que bloqueiam esta questão?

Edite Estrela: O argumento é o álibi da crise. A crise é álibi para tudo mas a verdade é que quando é necessário dinheiro para a banca, não falta. Quando é necessário dinheiro para sensibilizar os mercados, aparece sempre dinheiro. Para as políticas sociais é que não existe. E portanto há aqui também uma intenção ideológica para acabar com o modelo social europeu e infelizmente há uma maioria de direita nos governos dos países dos 27 - uma esmagadora maioria de direita -, na Comissão e também no PE. Mas aqui ainda é possível quebrar porque os deputados são eleitos diretamente pelos cidadãos, estão mais próximos dos cidadãos, dos seus anseios, expetativas, e portanto têm outra sensibilidade.

Resolver estes problemas sociais facilitava a resolução da crise?

Edite Estrela: É evidente, aliás, para mim a Europa está a fazer tudo ao contrário do que devia fazer. A resposta à crise, com o que tem sido posto em prática, já provou que não resolve problema nenhum, pelo contrário, agrava os problemas. Esta ideia da austeridade e de uma atitude punitiva em relação aos países do sul - parece que têm inveja do nosso sol e da nossa alegria, que até isso nos querem tirar – está a levar a Europa para a recessão económica, para taxas elevadíssimas de desemprego, está a perder prestígio a nível internacional, e eu receio que isto venha a por em causa a própria democracia. Já não é só o projeto europeu, é a própria democracia e a paz que foi conquistada ao longo destes anos todos. Estamos a passar um momento muito difícil e não temos lideranças europeias ao nível do desafio, sem visão estratégica, sem vivência. É uma desgraça termos à frente da Alemanha, o maior país da UE, uma pessoa com o perfil da senhora Merkel, que não tem mundo, não tem experiência de vida, não é capaz de ver além do imediato. E isso é dramático. Estou um bocado desiludida com aquilo que a Europa está a fazer com os seus líderes e obviamente com tudo o que se está a passar em Portugal.

Os empregadores estão a aproveitar-se desta situação para, de certa forma, induzir as suas funcionárias mulheres a não terem filhos?

Edite Estrela: Claro que sim porque tradicionalmente a maternidade é encarada como um peso para a economia e para a sociedade, quando deve ser o contrário. É um serviço que as mulheres prestam à sociedade e à economia. Nós temos um défice de natalidade, temos uma população muito envelhecida e precisávamos de adotar políticas de incentivo à natalidade e de partilha de responsabilidade entre os homens e as mulheres, e por isso é que proponho também a licença de paternidade, que não existe no direito comunitário, para que as mulheres participem mais no mercado de trabalho, contribuam para o crescimento económico e que haja uma população ativa que possa garantir as reformas dos trabalhadores de hoje.

Alguns serviços gratuitos, essenciais ao aumento da natalidade, como o planeamento familiar, a saúde materna ou as urgências infantis, estão a encerrar. Poderá esta situação ser mais um entrave à maternidade?

Edite Estrela: Deve haver alguma contenção orçamental, mas a contenção orçamental não é uma política, é um instrumento. E nós precisamos de políticas adequadas para ultrapassar estas dificuldades. Precisamos de valorizar a economia e a política e não tanto as finanças. As finanças são um instrumento mas o crescimento económico é um objetivo. A criação de emprego é um objetivo. De resto, tudo o que está a ser feito é errado. Estamos em recessão económica, temos os jovens mais qualificados de sempre que não vêm uma luz ao fundo do túnel. E o mais grave é que estão a retirar a confiança e esperança às pessoas. São duas coisas que demoram muito tempo a construir mas podem ser destruídas num instante.

Considera que estes entraves servem para fomentar a violência contra as mulheres?

Edite Estrela: As mulheres são quem mais sofre com a crise. Não só porque são as primeiras a ir para o desemprego e as últimas a aceder ao mercado de trabalho, mas também porque têm mais dificuldade em gerir o orçamento familiar que, tradicionalmente, é uma responsabilidade delas, porque as crianças têm mais problemas em tempo de crise e as mulheres também se ressentem. E para além disso as mulheres precisam de poder planear a sua vida e não o podem fazer porque há uma grande instabilidade. O que hoje é certo amanhã é incerto. A desigualdade salarial também aumentou. Em 2009 a desigualdade salarial em Portugal rondava os 9%, em 2012 atingiu os 18%. Isto também não incentiva a natalidade, assim como a falta de proteção na doença, no trabalho. As mulheres estão a ser mais discriminadas.

Será por isso que as mulheres estão a voltar a trabalhar mais em casa?

Edite Estrela: Eu acho que aqui é o empreendedorismo das mulheres a entrar em ação. É também a necessidade de encontrar alternativas porque não podem cruzar os braços, porque têm responsabilidades com elas próprias, com as crianças, com a família. Mas o pior é que as mulheres não são responsáveis por esta crise! Não há nenhuma mulher governadora de um banco central nos 27 estados-membros. A participação das mulheres ao nível do setor financeiro, nos cargos de chefia, é de 3%.

No seminário dedicado ao tema “A resposta das mulheres à crise” em Bruxelas, as eurodeputadas presentes afirmaram que “a crise não tem sexo, tem género”. Concorda?

Edite Estrela: Concordo claro. Aliás, nos Estados Unidos muitas mulheres alertaram para o que se estava a passar e que poderia provocar esta crise e depois foram chamadas, como dizia a capa da Time, para “limpar a porcaria que os homens tinham feito”. E há necessidade de as mulheres terem mais responsabilidades ao nível das tomadas de decisão. As mulheres têm o mesmo direito que os homens em relação à realização profissional. Não devem ter de escolher entre ser mães ou ocupar cargos de chefia. Mas ainda são vistas como reprodutoras e não produtoras. É preciso acabar com a ideia que as mulheres servem para trabalhar e não servem para decidir.