Um divórcio é sempre difícil, mesmo para aqueles que tomam a iniciativa de dar o primeiro passo. Mas a pior parte pode vir nos meses seguintes, sob a forma de um pesadelo que ninguém estava à espera…

Encontrei a Maria (nome fictício) através de uma amiga. Já a tinha conhecido há uns anos numa festa, mas pouco ou nada falámos. Entretanto, muita coisa mudou na vida dela. 

A meu pedido, aceitou receber-me em sua casa, na zona de Sintra, para falar sobre realidades inesperadas no pós-divórcio. Maria abre o portão e a primeira coisa que salta à vista não são os seus olhos azuis, mas um Pitbull cor caramelo. Felizmente, adoro cães e entro confiante. Maria tem 50 anos e um bonito jardim.

Divorciou-se há quatro anos e meio, saindo de um casamento que já contava 20. Por decisão sua, por sentir que, embora tivessem muito em comum, a começar pelos filhos adolescentes na altura, deixaram de ter uma vida em comum. O tempo, sem que ninguém desse conta, encarregou-se disso. Maria achou que não fazia sentido estar casada só por estar. Pelo hábito em si.

A falta de compreensão

A primeira realidade inesperada com que Maria teve de lidar logo após o anúncio do divórcio foi com a reação dos filhos. «Não estava à espera que eles reagissem tão mal», diz, embora já tivessem 16 e 18 anos. «Sempre nos respeitámos muito enquanto casal, não discutíamos em público. Eram coisas muito nossas e, por isso, foi tão difícil aos nossos filhos entender. O mais novo esteve dois anos a esconder esta realidade dos amigos», acrescenta a executiva a trabalhar numa multinacional.

Como se isto não fosse já suficientemente difícil, os pais também não aceitaram, omitindo, até hoje, o estado de divorciada da filha a uma parte da família. A mãe chorava e pedia-lhe para voltar. O pai chegou a perguntar-lhe se não se podia divorciar só depois de ele morrer. Entre chantagem emocional e pressão constante, Maria sentia-se incompreendida. Sentiu-se ainda mais perdida quando também os amigos lidavam com o assunto como se fosse algo passageiro e superficial.

«Toda a gente achava que era uma fase», recorda. Pelo meio, não se lembrou de que vivia em dependência absoluta quanto a toda a gestão financeira e operacional da casa. Não tinha uma conta em seu nome, não sabia trabalhar com internet banking. Não fazia ideia quanto pagavam de água ou de luz, não fazia ideia onde estavam arquivados os comprovativos de pagamento de todas as despesas. «Esta parte operacional que sempre coube ao meu ex-marido e que ele cumpria como ninguém foi o primeiro grande desafio para mim», desabafa.

A falta de ajudas

Durante muito tempo, Maria ligava ao ex-marido a pedir ajuda. «O motor do portão avariou-se e agora? O gás acabou, quem é que costumavas chamar? Aprender todas as tarefas foi muito difícil, sobretudo porque não as fiz durante 20 anos», explica. Todas as coisas que Maria teve de aprender, enquanto lidava com a falta de credibilidade da sua decisão perante todos, fez com que se começasse a sentir um bichinho estranho, e com que se isolasse. «Senti-me sozinha e perdida», assume.

«As contas começaram a chegar, tudo a avariar, houve uma altura em que achei que era uma conspiração contra mim. Tudo corria mal. Ainda passei pelo desemprego. Os filhos a passar por uma fase complicada no liceu. 2010 foi um ano muito mau», recorda. Alexandra Leonardo, psicóloga clínica com experiência na área de terapia familiar, diz que «sabemos que a pessoa com grande dor interior tende a isolar-se. Esta será precisamente a atitude a contrariar. A pessoa que sabe reconhecer a necessidade de ajuda é seguramente mais hábil e está mais armadilhada para enfrentar as adversidades».

Na partilha de bens, Maria esteve quase a ceder, mas no último instante fez de tudo para conseguir ficar com a casa, desenhada e projetada por ambos. O jardim foi uma parte da sua terapia na fase do pós-divórcio. «Levantava-me de manhã e ia para o jardim». Mas também decidiu procurar um especialista de saúde mental. «As mulheres expressam de forma mais espontânea o que sentem e pensam e isso dá-lhes menos resistência ao trabalho psicoterapêutico», refere a psicóloga Alexandra Leonardo.

Passados quase cinco anos, Maria tem uma relação fantástica com os dois filhos. Diz que a maior lição de vida que o divórcio lhe trouxe é que «é possível aprender tudo na vida e que temos mais capacidades do que aquelas que pensávamos». Aos 50 anos, habitou-se a viver sozinha e, semana sim, semana não, tem os filhos consigo. Admite que, por vezes, sente falta de um amigo e companheiro, como o ex-marido.

«Ainda hoje é a pessoa que mais me conhece», diz pensativa. Depois lembra-se que nasceu «para ser gaivota, não para ser pássaro na gaiola. Quando era nova dizia que não tinha grande feitio para ser esposa. Depois, casei-me super apaixonada aos 24 anos. Hoje, o meu bem mais precioso é a liberdade. E estou feliz», afiança.

Apatia e consumo de drogas

Com Luís Carlos, 34 anos, o divórcio chegou com a distância. A mulher foi trabalhar para Coimbra, e embora isso significasse ficarem longe um do outro, uma vez que moravam em Lisboa, concordou. Durante dois anos viveram afastados. Em 2010, deu-se o divórcio. «Depois da separação comecei a não sair muito de casa, passava horas a ver o canal Discovery, a jogar computador e a fumar ganzas», desabafa.

«Também bebia álcool mas nunca nada que me levasse ao descontrolo. Depois veio a cocaína do nada e, isso sim, fazia-me sentir melhor. Nunca fui viciado mas estiquei-me mais do que devia, isto durou quase três meses», descreve Luís Carlos, a partir de Londres, onde hoje trabalha numa fábrica, como operador de máquinas. Foi quando se apercebeu que ficava sem dinheiro muito rapidamente que achou que tinha entrado num jogo perigoso.

«Quase ninguém deu por nada. Claro que perceberam que algo não estava bem, mas sabiam que me tinha divorciado. E isso acabou por ser sempre a fachada», acrescenta. Enquanto profissional na área da saúde mental, Alexandra Leonardo destaca a importância de se fazer o luto do divórcio. «Um divórcio implica perdas que têm de ser reconhecidas e elaboradas e que podem ser extremamente dolorosas», refere.

«Se um indivíduo tiver uma personalidade susceptível para não pensar os lutos, então ele pode fazer uma fuga à dor incorrendo em comportamentos agidos», acrescenta. Exemplo disto pode ser o «colmatar de um sentimento de vazio com uma sobrecompensação alimentar ou quando ocorre uma transferência da dependência que o indivíduo tinha do/a ex-companheiro/a para uma substância aditiva, como o álcool ou droga», sublinha.

Espiral destrutiva

Para Luís Carlos, as consequências destes três meses foram óbvias, desde as horas perdidas sem fazer nada, dívidas contraídas e uma enorme queda de autoestima. «Tive de dizer basta porque estava parado no tempo», recorda. Foi por iniciativa própria e sobretudo com a ajuda de alguns amigos mais chegados que começou a mudar o rumo da sua vida. «Uma dessas amigas ligou- me a uma sexta-feira a dizer que íamos passar o fim de semana fora», relembra.

«A recuperação começou, assim, com um verão que já não tinha há anos. Ela arranjava sempre qualquer coisa para fazermos», lembra. Com a família foi mais complicado. O pai, que o conhece melhor do que ninguém, quis perceber o que se passava e Luís acabou por lhe contar tudo. «Claro que me apoiou, mas dizer a um pai, que é contra qualquer tipo de drogas, que se anda a consumir cocaína é a pior coisa», diz.

Luís Carlos não contou com apoio psicológico, apenas com os amigos e a família. «Não sei se tirei alguma lição de vida disto tudo, mas sei que vai ser difícil acontecer outra vez», confessa. Não recorrer a especialistas para procurar apoio psicológico é muito mais comum do que se julga. De facto, apenas uma minoria procura o apoio dos especialistas, atestam vários estudos internacionais.

Da solidão para a noite

Um divórcio nunca é fácil, mas quando acontece perto dos 40 anos, há um medo terrível que é o da solidão. Foi o que aconteceu a Filomena. Com uma filha ainda pequena para cuidar e com todas as despesas a seu cargo. Durante muito tempo, ela não se apercebia que o que mais receava era ficar sozinha para o resto da vida. Era uma espécie de fantasma, esta ideia que não se verbaliza mas que surgia, à noite, no meio do silêncio.

Foi então que começou a sair à noite com amigas do trabalho. Festas não faltavam uma vez que trabalhava na área do marketing e publicidade. Alinhava em todos os fins de semana em que a filha ficava com o ex-marido ou com os avós. Aquilo que começou com um simpático jantar de amigas, para conviver e dar umas gargalhadas, transformou-se em saídas à noite que só acabavam quando o sol já nascia.

«Não raras vezes, as pessoas saem de um divórcio com o sentimento que investiram grande parte das suas vidas num projecto em que havia o acordo de cuidarem uma da outra, mas que a partir de agora têm a obrigação de olharem por si mesmas. Cuidar do corpo e da psique, depois de um divórcio pode ser um sinal que o luto está terminado e que a pessoa está apta a lançar-se no futuro», explica a especialista em saúde mental, Alexandra Leonardo.

Os excessos do deslumbramento

Mas Filomena não deu conta de se ter deixado levar pela noite, pelo deslumbramento que os copos trazem, por gente bonita que frequentava certos clubes e discotecas. Vivia num mundo muito próprio em que tudo justificava «a sua vez de viver», como ela tantas vezes repetia. Acreditava que era na noite que iria voltar a apaixonar- se e refazer a sua vida com o homem certo. Os maus hábitos são aqueles que normalmente proporcionam prazeres enormes.

Longe das contas para pagar, das preocupações que o ex-marido lhe dava, na noite tudo era brilho. A começar por ela, pela forma como se produzia, para se sentir sexy, pela forma como fazia conversa social, mostrando uma disponibilidade óbvia. Quando isto acontece ao jeito de «vamos reviver os 20 anos outra vez», há muita coisa que se perde pelo meio, como amizades consistentes, além de ter hoje uma imagem de pouca credibilidade no local onde trabalha.

Nem todas as amigas, que continuaram no sítio de sempre, à hora do costume, alinhavam nesta nova incursão à procura do príncipe encantado. Filomena não encontrou o homem perfeito na noite. Foi antes na praia. E agora sossegou. Investigações internacionais confirmam que viver um novo amor é uma das melhores formas de ultrapassar os dramas do período que sucede ao fim do casamento.

6 erros a evitar no pós-divórcio (que apenas prolongam o seu sofrimento)

1. Estar sempre a falar do seu ex. Acredite, ninguém vai aguentar muito tempo ouvir vezes sem conta a mesma história. Nem mesmo a sua melhor amiga. Há uma diferença entre desabafar e ser aborrecida ou inconveniente.

2. Vestir a pele da vítima. Fazer-se de coitadinha é dos piores sentimentos que alguém pode ter. Encontre amor-próprio e reaja.

3. Pensar «E se tivesse feito isto?»… É uma ilusão. Não adianta refletir sobre o passado, sobre o que poderia ter dito ou ter feito. Quem lhe garante que não podia ter sido ainda pior? Não há lugar ao arrependimento.

4. Frequentar os mesmos locais de quando era casada. Esqueça o ginásio, o restaurante, a esplanada e a livraria onde ia com o seu ex, pelo menos durante uns tempos. Não queira ser confrontada com a inevitabilidade de dar de caras com ele e ter de fazer conversa de circunstância.

5. Ficar no sofá a ver telenovelas ou séries compulsivamente enquanto se alimenta mal, a menos que queira ganhar 10 kg no espaço de dois meses. Ninguém a proíbe de fazer sessões de cinema noite dentro. Mas não deixe que a sua vida se transforme na rotina do sofá.

6. Ceder à tentação de enviar sms ao ex a toda a hora, sobretudo se tem tendência a refugiar-se nos fi lhos para ter assunto. E, não, não é boa ideia continuar a espreitar a página dele de Facebook.

Texto: Ana Cunha Almeida com Alexandra Leonardo (psicóloga clínica de terapia familiar)