A canção «I'm every woman», um dos temas mais populares de Chaka Khan, não poderia ser mais sintomática. Logo no início do tema, que mais tarde seria regravado por Whitney Houston, a cantora norte-americana nascida em Chicago diz que é «todas as mulheres». «Está tudo em mim», afirma mesmo no refrão da música. Nos dias que correm, todas as mulheres têm mesmo de ser todas as mulheres.

Têm de ser a dona de casa perfeita, a companheira cúmplice e compreensiva, a mãe extremosa e preocupada, a profissional competente e cumpridora, a filha atenta, a nora responsável, a amiga presente, a governanta que organiza o dia a dia da família... A lista é interminável. Apesar das exigências e dos desafios permanentes, a mulher tem ainda de arranjar tempo para ser o que é... Mulher!

Não pode descurar a imagem, tem de estar permanentemente de olho nos ponteiros da balança, tem de andar em cima da celulite e tem arranjar tempo para conseguir ir ao ginásio, para ver montras ou, pura e simplesmente, para a pôr a conversa em dia com as amigas. Pode não ser tão difícil como noutras alturas mas ser mulher nos dias que correm continua a ser um desafio com muitos obstáculos ainda por transpor.

A desigualdade que continua a existir

Nos últimos anos, Portugal recuou 12 posições no ranking da igualdade de géneros, ocupando em 2014 a 47ª posição, uma situação que a associação Corações Com Coroa (CCC), presidida por Catarina Furtado, assume como prioritária, ao ponto de a definir como uma das suas áreas de intervenção prioritárias. «O mundo é muito desigual para homens e mulheres e entre homens e mulheres», justifica a apresentadora de televisão.

Em meados de fevereiro de 2013, 21 empresas, públicas e privadas, incluindo a Auchan Portugal, a Carris, a Microsoft e a Nestlé Portugal, concordaram em implementar um leque de perto de uma centena de medidas a favor da igualdade de género no local de trabalho, uma iniciativa inédita em Portugal e que ainda está longe de ser implementada noutras empresas, onde até se discriminam mulheres com mulheres, praticando políticas de salários diferentes para a mesma função entre diferentes colegas de trabalho.

Estas companhias representam, contudo, uma gota de água num país onde as mulheres, apesar de alguns progressos, continuam a ganhar menos do que os homens em termos médios, continuam a ser discriminadas no acesso ao emprego e continuam a ser mantidas afastadas dos principais lugares de chefia na administração de grandes empresas e organismos públicos.

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A pressão que muitas mulheres continuam a sentir para não engravidar

Muitas mulheres são mesmo pressionadas para adiar a maternidade e não engravidar ou para não fazer o horário reduzido a que têm direito no período de amamentação. «Temos de contribuir para que a desigualdade entre homens e mulheres no nosso país não seja tão grande», defende mesmo Ana Magalhães, membro da direção da CCC. Mas não é só em Portugal que esta situação se verifica. Muito pelo contrário!

Mesmo nos países mais industrializados e/ou ocidentalizados, esta continua a ser a tendência. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, na indústria cinematográfica, uma onde as mulheres mais brilham enquanto atrizes, apenas 18% dos realizadores, produtores executivos, guionistas, cineastas e editores são do sexo feminino, por oposição a 82% do sexo masculino, revela um estudo do Centro para os Estudos de Mulheres na Televisão e Cinema, divulgado em meados de janeiro de 2013.

Dos realizadores dos 250 filmes de Hollywood mais lucrativos em 2012, apenas 9% são mulheres. Acha pouco? Ainda assim, essa percentagem registou um crescimento de 4% face a 2011, ano em que as mulheres que conseguiram integrar essa lista representaram apenas 5% do total. Aliás, foi preciso esperar até 2010 para uma realizadora, Kathryn Bigelow, conseguir ser a primeira mulher a vencer o Óscar para Melhor Realizadora. Continua a ser a única até hoje.

Os progressos significativos que a condição feminina tem vindo a registar

Todavia, independentemente do muito que ainda há por fazer neste e noutros campos, a verdade é que a condição feminina tem vindo a registar progressos significativos. «Ser mulher hoje é uma distância fundamental do que era há uns anos em que as mulheres não tinham direitos nenhuns», recorda Maria de Jesus Barroso, ex-primeira-dama. «Até para sair do país, uma mulher precisava de um documento autenticado pelo notário», relembra.

«Ainda hoje não gozamos dos nossos direitos na sua plenitude, nomeadamente em certos setores, mas vamos caminhando. Temos, pela primeira vez, uma mulher na presidência da Assembleia da República, mas temos de mudar mentalidades», referiu mesmo na sua intervenção na conferência «As meninas e as mulheres em primeiro lugar», promovida pela CCC em novembro de 2012.

«Como é que uma mulher pode ser uma grande profissional com as exigências que tem atualmente? Tem de haver políticas que permitam criar condições para que a mulher se realize profissionalmente e isso tem faltado», afirmou também, no mesmo evento, Maria Manuela Eanes, presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC). «Os estabelecimentos de ensino deveriam ter horários mais flexíveis e esta questão, que é fundamental, tem sido descurada», sublinha.

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A necessidade de dar melhores condições às mães... e aos pais!

Para Maria Manuela Eanes, a necessidade de maior apoio à família continua a ser um desafio. «É preciso dar condições aos pais e às mães. Há mulheres que são umas heroínas todos os dias», salienta ex-primeira dama. Ainda assim, apesar das mulheres continuarem a fazer a maioria do trabalho não remunerado em todo o mundo, assiste-se também a uma nova realidade.

«Hoje em dia, a maior parte dos desempregados já são homens», constata Catarina Furtado. «As mulheres estavam melhor preparadas para este novo mundo empresarial», defende a apresentadora. Outra das novas realidades dos dias que correm é que, ainda há trinta anos, os homens emigravam e as mulheres juntavam-se-lhes numa fase posterior.

Hoje, em muitos casos, já são elas que são convidadas para trabalhar noutros países, largando eles tudo para as acompanhar. «Nas últimas décadas, houve uma mudança profunda nos direitos e nas condições das mulheres. Mas, em pleno século XXI, estamos a ter uma falsa ideia de que as questões de desigualdade entre homens e mulheres estão resolvidas pelos imensos progressos das últimas décadas, se é que os houve», considera, contudo, Duarte Vilar.

O diretor executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF) desde 1988 não tem fugido ao assunto. «A igualdade de direitos faz bem à humanidade mas continuam a haver imensas áreas onde as questões da igualdade não estão resolvidas ainda», afirmou já publicamente.

Texto: Luis Batista Gonçalves