É um estilo de vida simples que combina preços baixos, consciência ambientam e um look urbano. Ganha cada vez mais adeptos no mundo inteiro. Há pessoas mais felizes assim, a prova de que menos pode mesmo ser mais.

Não foi só a crise. Mas a verdade é que a austeridade forçou a grande maioria dos portugueses a procurar alternativas. Formas mais modestas de viver.

Há quem tenha mudado de casa para conseguir uma renda mais baixa. Há quem tenha chegado à conclusão que não podia ter empregada, mesmo que fosse uma vez por semana. Há quem tenha deixado de almoçar ou jantar fora de casa ao fim de semana. Há quem tenha tirado os filhos do colégio privado. Há quem tenha deixado de comprar um vestido ou uns sapatos todos os meses.

Mónica Truninger, socióloga e investigadora no Instituto de Ciências Sociais, confirma que houve uma viragem comportamental em termos de consumo impulsionada pela crise. «Parece estar mais presente uma racionalidade económica que privilegia a poupança, quer seja de energia e água, quer seja na compra de produtos mais baratos mas que são percebidos como de qualidade similar (produtos de linha branca, por exemplo) ou na substituição de práticas de consumo alimentar fora de casa pelas dentro de casa ou com refeições feitas em casa (o caso da marmita)», refere.

E no meio de tanta mudança, há coisas que vieram para ficar e que não são, necessariamente, más. Há uma nova tendência no ar que mistura um pouco de tudo, incluindo um certo ar cosmopolita, preços mais baixos e, acima de tudo, uma grande consciência ambiental e social. O conceito low cost que aqui há uns tempos associávamos apenas às companhias aéreas, foi-se transformando e, hoje, é mais cool do que nunca. Privilegiar o low cost é uma atitude perante a vida.

Quando me encontrei com a Carla Pessoa para conversar sobre isto do low cost cool, ela sai do portão da sua pequena casa em Sintra a trincar uma cenoura e com uma garrafa SIGG na mão, onde se podia ler Simply Eco Logical. Ela acaba por confessar que não gosta muito da palavra cool, nem sequer dá muita importância ao assunto. Prefere falar numa vida low cost e em pessoas boa onda. Aos 37 anos, acabados de fazer, Carla trabalha como freelancer em design e ilustração e desenvolveu um projeto de Oficinas Criativas para crianças na área da expressão plástica.

A grande mais-valia do low cost, depois da preocupação ambiental e do lado económico é o sentido de liberdade que permite. Viver sem grandes pressões. «As pessoas têm de perceber que se querem uma vida mais livre não podem ter um estilo muito material. É preciso renunciar a certas coisas», explica a designer. Com um bebé de cinco meses, Carla Pessoa preza uma vida minimal. Não se preocupa com o status de ter um iPad ou um iPhone, de ter um grande carro, de ter uma carteira desta ou daquela marca. «As aparências não trazem felicidade, só trazem despesa!», salienta.

Mas converter-se ao low cost não significa ser miserável nem adotar um ar desleixado. É uma tomada de consciência que não se faz de um dia para o outro. Também Carla já percorreu o seu caminho até chegar aqui. Ela lembra-se de ser o protótipo da sociedade de consumo. Um emprego a full time, em que era escrava do trabalho. Uma casa grande, seis assoalhadas decoradas com todo o design, pensada ao detalhe, na Ericeira (local super cool), com jardim. Dois carros. Vários gadgets.

E houve um dia que percebeu que nada daquilo a preenchia. Não era feliz. «Tinha uma vida vazia, trabalhava das 08h00 às 21h00, não usufruia de nada daquilo», assume. A grande mudança dá-se quando decide vender a casa. Pelo meio passou pela casa de uma amiga, pela casa da mãe e, com o encaixe da venda, dedicou-se a fazer tudo aquilo que lhe interessava. Largou o emprego.

Fez um workshop de agricultura biológica, viveu na pele a experiência de acordar de madrugada para trabalhar numa quinta de agricultura biológica em Colares. Fez ainda workshops de ilustração infantil e de recuperação de mobiliário. Trabalhou num hostel durante um ano. Fez oficinas na área de expressão plástica com idosos. E também fez voluntariado.

Depois de tudo isto, Carla Pessoa continua a aplicar no dia-a-dia tudo o que foi aprendendo com estas experiências. Hoje tem uma casa alugada em Sintra, com um pequeno quintal que lhe permite cultivar o que mais gosta. Alfaces, couves, alho francês, cebolinho, chagas (flor comestível), espinafres, tomate cherry e outras culturas, consoante a época. Quão cool pode ser uma salada feita com aquilo que colhemos da nossa horta?

Faz pão em casa duas vezes por semana. Faz bolachas e barritas, onde poupa imenso em idas ao café em bolinhos para as tardes. Faz ghee, uma manteiga indiana clarificada, feita a partir de manteiga sem sal. Faz leite de arroz. Tem a vida organizada para ir poucas vezes ao supermercado. Evita comprar comida feita. «Quando tenho mais trabalho, geralmente faço doses maiores de comida. Ainda que seja para comer no dia a seguir é muito mais saudável que comprar feito na loja. Pode não ser cool mas é low cost», diz.

Tem bicicleta, claro! Oferecida por um australiano que percorreu a Europa toda com ela. Um carro pequeno em segunda mão ou até mesmo em terceira. Quanto à roupa, gosta de reaproveitar peças que já não veste. Um vestido comprido pode transformar-se numa saia nova. às vezes troca peças com amigas. Já comprou no eBay e gosta de fazer trocas online.

Acredita que, independentemente de se trabalhar a full time, part time ou como freelancer, a ideia é que cada um faça o seu caminho. «Todos podem ter uma vida low cost se quiserem. Se isso te faz cool, melhor ainda», conclui.

Do outro lado do Atlântico, em Nova iorque, vive Graham Hill. O fundador de LifeEdited.com e TreeHugger.com também percorreu um grande caminho desde o final dos anos da década de 1990. Fez fortuna depois de ter vendido uma start-up. Para trás ficou uma casa gigante, cheia de eletrónica e gadgets, carros topo de gama à porta e advisers para tudo e para nada.

«Foram precisos 15 anos, um grande amor e muitas viagens para me livrar de todas as coisas que não são essenciais. Hoje, vivo os frutos disso mesmo. Tenho uma vida maior, melhor, mais rica», escreve o empreendedor no jornal norte-americano The New York Times.

Quando os amigos vão jantar no seu pequeno estúdio de 40 metros quadrados (a que chama de caixinha de jóias), Graham Hill abre a mesa extensível. Quando quer dormir, puxa a cama da parede. Diz que se sente melhor sabendo que a sua pegada ecológica «é significativamente mais pequena daquela que tinha antes». Graham Hill estudou design de produto na faculdade. Quão irónico isto pode parecer?

Ele gosta de coisas materiais como qualquer pessoa. Mas a experiência ensinou-o que a partir de certa altura os objetos tendem a esmagar as necessidades emocionais para as quais se destinam. «Os objetos roubam espaço físico e mental às pessoas», considera. Por isso, agora está dedicado a um novo projeto, o de construir casas pequenas o suficiente para suportarem as nossas vidas.

E não o contrário. O motivo? Os americanos têm hoje três vezes mais espaço do que tinham há 50 anos. E mesmo assim não chega para armazenar tudo o que têm como consumidores. «As casas que crio têm menos coisas, mas tornam tudo mais fácil para quem as habita e com controlo sobre a sua pegada ambiental», diz. E com isto ganha-se mais liberdade e mais tempo. Cool, não?

4 princípios cool

1. Ter respeito por si próprio e não ter medo de arriscar. Seguir o seu sonho, por si e por mais ninguém.

2. Pensar nos outros e no que vai deixar um dia mais tarde aos seus filhos.

3. Ter uma consciência e preocupação ambiental.

4. Ter uma visão económico-financeira minimal: gastar naquilo que é essencial.

24 horas low cost

07h00 – Pequeno-almoço rápido. Come uma laranja e metade de um pão de cereais com doce.

07h15 – Calça os ténis e sai para uma corrida matinal porque a inscrição no ginásio ficou adiada para tempos mais abonados. Pega na trela do cão, ele vai sempre consigo.

08h05 – Chega a casa e toma banho. Deixa o cabelo meio molhado. Ao pescoço, coloca um lenço novo que comprou na Internet numa super promoção (e sem pagar portes de envio). Sai com os seus óculos de sol na cara. Ninguém diz que não são Ray-Ban, mas só custaram 10€.

09h00 – Por sorte, trabalha perto de casa e chega ao ateliê de bicicleta. Pedalar é um luxo, ainda para mais com os novos Fred Perry que encontrou a 70% na última edição do Stockmarket.

10h00 – Hora de beber um café que leva dentro de um copo cerâmico para a reunião onde vão definir os últimos acertos do plano de marketing do cliente.

11h00 – Sai do ateliê para comprar k-line para fazer uma maquete. Vende-se numa papelaria especializada mesmo ao lado. Volta em 10 minutos.

13h00 – Pega na bicicleta e vai até ao jardim onde combinou encontrar-se com uma amiga para um almoço como nos velhos tempos. No cesto da bicicleta leva duas sanduíches e umas peças de fruta.

14h30 – Regressa ao escritório com um sorriso nos lábios.

15h00 – Já está com os auscultadores a ouvir a sua playlist preferida enquanto prepara a apresentação do projeto.

16h30 – Faz um chá que vai bebendo ao longo da tarde.

17h45 – Recebe um telefonema da loja de mobiliário em segunda mão, a dizer que acabam de receber mais uma cómoda e um aparador. Perguntam se quer ficar com eles para restaurar e a resposta é... sim!

19h00 – Segue para casa. Apanha o cão e fazem um passeio demorado.

20h00 – O relógio diz que são horas de jantar. Mas nada como poupar alguns trocos e comer o que sobrou de véspera numa versão melhorada, conseguida com uma salada de alface, maçã e nozes.

21h30 – Prepara-se para sair. Tem encontro marcado no bar da praia com os amigos de sempre. As noites já estão mais quentes. E amanhã é sábado.

Texto: Ana Cunha Almeida