Os primeiros sintomas surgiram aos 14 anos, mas só aos 26 soube que sofria de esclerose múltipla. Em agosto de 2014, Luísa Sacchetti Matias, 37 anos, embarcou numa aventura contra a doença, representando Portugal no veleiro Oceans of Hope. «Descobri à força que tinha na doença, pois ficava com as pernas paralisadas sem saber o motivo. Comecei a não conseguir andar e fui à neurologista, acabando por fazer uma ressonância magnética (RM) que mostrou as lesões no cérebro e na espinal medula», recorda hoje.

Tinha 26 anos. «No momento do diagnóstico, fingi não ser importante por dois motivos», desabafa. «Não entendi o que era uma doença desmielinizante e a família estava a lidar com mais situações complicadas», confessa Luísa Sacchetti Matias. «Ingenuamente, pensei que a minha era a que seria mais fácil de gerir. Claramente não sabia o que me esperava», revela ainda.

Os primeiros sintomas da doença

Quando os primeiros sintomas da doença se manifestaram, era ainda adolescente. «Surgiram aos 14 anos, numa viagem aos Estados Unidos da América. Comecei a sentir as pernas muito pesadas, com formigueiro, visão desfocada e um cansaço terrível», relembra. «Nos treinos e jogos de basquetebol fui deixando de conseguir saltar e correr e, outras vezes, nem conseguia andar bem», acrescenta.

Apesar da idade, Luísa Sacchetti Matias  ainda se lembra dos dias de sofrimento iniciais. «Via mal mas, quando ia ao oftalmologista queixar-me de visão desfocada e dificuldade em orientar-me, diziam-me que os meus olhos estavam ótimos», descreve. «A condição agravou-se antes do verão de 2004», refere ainda.

Uma nova realidade

Ter de lidar com uma nova realidade naquela idade foi tudo menos fácil. «O mais radical e difícil foi ter de abandonar o basquetebol, modalidade que praticava ao nível de alta competição. Fui muito abaixo porque não sabia o que fazer com tantas horas por dia a seguir ao trabalho e os fins de semana passaram a ser um pesadelo. A doença roubou um pedaço muito importante de mim que era parte da minha identidade», lamenta.

«O meu corpo começou a arrastar-se cada vez mais, as pernas não obedeciam e o cansaço obrigava-me a ficar horas deitada no sofá. Não tolerava os extremos das temperaturas. No trabalho, via-me aflita para me manter sentada e a concentração era quase nula. Não queria estar com ninguém. A vontade era desistir de tudo, porque achava que nenhum esforço valia a pena», desabafa ainda Luísa Sacchetti Matias.

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A necessidade de mudar o estilo de vida

Corajosa e determinada, Luísa Sacchetti Matias recusou-se a baixar os braços. «Para inverter a minha situação, comecei a viver para a saúde em vez de viver para a doença. Comecei a agradecer o que tinha, nomeadamente as pessoas que se mantiveram sempre do meu lado, apesar de muitas vezes não me conseguir mexer. Iniciei a prática de kundalini yoga, uma abordagem mais focada na respiração, vocalização de mantras e também algumas posturas que eram possíveis adaptar», refere.

«Esta prática permitiu-me controlar a ansiedade interior permanente. Comecei a mudar a minha alimentação depois de encontrar, nas minhas pesquisas, pessoas com esclerose múltipla que diziam estar melhores, descobrindo algumas coisas que tinham em comum. Tinham abandonado o leite de vaca e outros lacticínios e o glúten, cortado no consumo de proteína animal, reforçado suplementos como os ómegas 3-6-9, complexo vitamina B, vitamina D, magnésio, selénio, entre outros», descreve.

A persistência e a determinação acabaram por dar frutos. «Desde essa altura, estávamos em 2008, nunca mais paralisei e não acredito que tenha sido coincidência. Tenho recorrido, de vez em quando, a outros terapeutas, como os de medicina tradicional chinesa, sentindo-me bastante melhor de algumas cólicas renais, do cansaço e de alguma variabilidade emocional», afirma Luísa Sacchetti Matias, que continua a recorrer a acompanhamento médico especializado para combater a doença.

«Quando me sinto pior a nível de marcha, recorro a um quiropata, pois algumas alterações sensitivas que interferem no andar são, por vezes, causadas pelo mau alinhamento dos ossos e tendões e nem sempre pela esclerose múltipla. Tomo diariamente um comprimido para retardar a progressão da doença. Fundamental é, também, o apoio incondicional da equipa de neurologia do Centro Hospital e Universitário de Coimbra», refere.

A grande aventura

No início de 2014, desejou algo que muitos achariam estranho de alcançar, um mês sem esclerose múltipla. «Tendo eu a doença e trabalhando como técnica de comunicação e marketing na Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), seria muito difícil ter direito a tal pausa. Mas em abril desse ano coloquei um post no meu recém criado blogue, em que desenhei um barco com as letras EM», diz.

«Qual não foi o meu espanto quando em maio recebo um email da Federação Internacional (MSIF) a dizer que o Oceans of Hope procurava pessoas com a doença para a tripulação», recorda. Não perdeu tempo. «Reuni os papéis para a candidatura, que incluía o relatório da neurologista quanto à situação estável da esclerose múltipla e a explicação do meu passado na vela. Tive de esperar quase dois meses», refere.

No início de julho de 2014, já o veleiro estava na costa francesa, recebeu o telefonema do médico Mikkel Anthonisen, o mentor do projeto Sailing Sclerosis do Oceans of Hope. «Luísa, precisamos de um português a bordo para a travessia de Lisboa a Boston. Queres vir connosco?», relembra.

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Aprendizagens em alto mar

A experiência foi uma verdadeira aventura. «Impressionou-me o facto de cinco pessoas com esclerose múltipla não terem tido qualquer agravamento da doença a bordo. Estivemos cinco semanas no mar, com temperaturas que ultrapassaram os 40 graus, a água do mar a 30 graus, passávamos horas sem dormir, o equilíbrio era uma questão presente a toda a hora, mudámos de dieta e a fadiga era um risco constante», diz.

«A viagem permitiu que aprendêssemos todos mais rapidamente estratégias para ultrapassar situações de risco», refere. «Se estávamos muito cansados, íamo-nos deitar e dormir. Se estava demasiado calor, tomávamos banho no oceano ou utilizávamos os baldes e mangueiras para refrescar. Ficámos sem argumentos de doença, só com capacidades e estratégias para lidar com o que não se consegue fazer», diz Luísa Sacchetti Matias.

«Todos os receios puderam ser vencidos com trabalho de equipa, amizade, bom senso e relações humanas. É duro ter de refletir sobre os ensinamentos da doença, mas, em parte, ensinou-me limites», acrescenta. O balanço final da experiência em alto mar não poderia, por isso, ser mais positivo.

«Ensinou-me, também, que posso transformar as incapacidades em capacidades, que tenho de ter mais paciência, aprender a esperar pelo que semeei mas que nesses períodos, às vezes negros, a minha capacidade de superação é inesgotável, desde que acredite em mim. E que peça ajuda», afirma Luísa Sacchetti Matias.

Os principais sintomas da esclerose múltipla

São vários e dependem da localização da inflamação e da desmielinização no sistema nervoso central. Os mais frequentes são:

- Fadiga

Manifesta-se por períodos que podem durar alguns meses, durante os quais a energia se esgota diariamente após um pequeno esforço.

- Neurite ótica

Inflamação do nervo da visão que dura um ou dois dias, deixando-a turva ou embaciada, e podendo sentir-se dor por trás do olho.

- Perda de força muscular nas pernas e braços

Varia entre destreza reduzida (os dedos deixam de funcionar) até à paralisia. Pode ocorrer temporariamente ou como processo gradual sem recuperação.

- Alteração de sensibilidade

Sensação de encortiçamento nas pernas, de pele irritada, formigueiro ou picadas que pode ocorrer em várias partes do corpo, assim como dormência.

- Dor

As mais comuns são na face, pernas, costas ou braços

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O projeto que ensina a velejar contra a esclerose múltipla

Inserido na campanha desenvolvida pela fundação dinamarquesa Sailing Sclerosis, o Oceans of Hope é um veleiro que em 2014 partiu de Copenhaga, em Dinamarca, para uma viagem de circum-navegação à volta do mundo, em 17 meses, com uma tripulação composta por doentes com esclerose múltipla. O objetivo do projeto é alterar perceções relativas a esta doença que afeta cerca de 2.500 milhões em todo o mundo.

Fizeram-no, mostrando o que é possível atingir quando pessoas com uma doença crónica são desafiadas à conquista de novas metas individuais. Qualquer portador de esclerose múltipla pode candidatar-se a participar em futuras edições desta aventura, que terminou a 15 de outubro de 2015 em Barcelona. Para tal, basta realizar a inscrição no site www.sailing-sclerosis.com. Luísa Sacchetti Matias recomenda vivamente a experiência.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Luis Batista Gonçalves (edição internet)