"Estamos muito orgulhosos por dar das boas-vindas a estas duas senhoras, Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar, mas também à comunidade que representam, os yazidi, um dos povos mais antigos do mundo", começou por dizer o Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, no hemiciclo, na manhã desta terça-feira (13/12).

"Ambas estas senhoras são umas heroínas. Sofreram crueldades indescritíveis. Sobreviveram ao sofrimento, escaparam e conseguiram proteção na Europa. Ambas lutam contra a impunidade e querem trazer à Justiça os homens que cometem as atrocidades de que elas e a sua comunidade foram e continuam a ser vítimas", disse o alemão, antes de entregar o galardão às duas refugiadas e ativistas.

"Toda a comunidade internacional deve reagir e é uma vergonha e impensável não o fazer", alertou o parlamentar, que acrescentou que o "Parlamento Europeu apela para que estes crimes sejam perseguidos no Tribunal Penal Internacional".

Nadia Murad Basee Taha e Lamiya Aji Bashar sobreviveram à escravatura sexual do Estado Islâmico e tornaram-se porta-vozes das mulheres vítimas da campanha de violência sexual do Daesh. Em Estrasburgo, esta terça-feira, receberam o mais importante prémio atribuído pelo Parlamento Europeu.

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"Agradeço à União Europeia e ao Parlamento Europeu por este prémio e por olhar para o sofrimento de muitas mulheres e cidadãos como nós", reagiu Nadia Murad, em língua curda, no hemiciclo, onde foi aplaudida de pé pela maioria dos presentes.

"É muito difícil falar sobre isto. E é difícil para nós trazer-vos esta mensagem. Mas a nossa comunidade, pessoas que são iguais a nós, estão a viver um genocídio há dois anos", alertou Nadia Murad, momentos antes da entrega do prémio, numa conferência fechada para jornalistas. "Muitas mulheres e meninas acabam por se suicidarem para não continuarem a ser escravizadas pelos homens do Daesh", referiu a laureada de 23 anos, também ela vítima durante vários meses das sevícias sexuais de extremistas islâmicos. A mãe, pai e irmãos de Nadia Murad foram mortos em 2014 quando o Estado Islâmico tomou o controlo de Kocho, uma aldeia no Norte do Iraque.

"Nós não somos a única minoria perseguida. Se o mundo não fizer alguma coisa, todas as minorias no mundo serão eliminadas. Se não pararmos o Daesh, ele manter-se-á", disse Nadia Murad, refugiada na Alemanha. "Hoje nós fechamos os olhos e ainda ouvimos o som das balas a matarem a nossa família", recordou esta mulher que foi nomeada pela Organização das Nações Unidas, em setembro, Primeira Embaixadora da Boa Vontade para a dignidade dos sobreviventes do tráfico humano.

Já no hemiciclo, num discurso forte e emotivo, fez um apelo: "Se o mundo não nos pode receber a todos, peço-vos que nos proteja. Somos cerca de meio milhão a viver em zonas de risco. É preciso criar uma zona protegida para os yazidis pela comunidade internacional, coordenada em conjunto com as autoridades do Iraque, para impedir que o genocídio continue".

Lamiya Aji Bashar, 18 anos, dirigiu-se ao Parlamento para apelar à comunidade internacional que se faça justiça. "Espero que levem o caso do genocídio dos yazidi ao Tribunal Penal Internacional. É preciso evitar o surgimento de novos grupos do Daesh e é preciso evitar que novas comunidades, mais pessoas como nós, sofram e sejam mortas", pediu esta jovem que viu o pai ser assassinado pelo Estado Islâmico.

"Eu fui comprada e vendida várias vezes. A última vez que fui comprada foi por um médico iraquiano que me violou a mim e a outras meninas, algumas com 9 anos. Três de nós conseguimos fugir. Mas a Katrin, que estava comigo, pisou uma mina. Eu vi e ouvi a Katrin a morrer. Foi a coisa mais horrível que vi na vida", contou Lamiya, lavada em lágrimas.

"Peço-vos a todos, que nos prometam, que nos oiçam e que não permitam que isto continue a acontecer. Existem mais de 3.500 mulheres e crianças ainda nas mãos dos captores do Daesh", concluiu.

Os destroços da mina que matou Katrin deixaram Lamiya cega de um olho e com marcas profundas no rosto.

As duas galardoadas com o Prémio Sakharov 2016 vivem na Alemanha, onde obtiveram o estatuto de refugiadas, e dedicam-se a alertar a comunidade internacional para o genocídio dos yazidis.