A maior parte dos cuidadores informais vive em dois tempos, o seu e o de quem depende de si. Numa sociedade envelhecida, são aliados indispensáveis dos serviços de saúde. Dão tudo sem nada receber em troca, abdicando da sua própria vida para dignificar a dos outros. Estima-se que em Portugal existam cerca de 90.000 e que 80 por cento sejam familiares, na sua maioria mulheres e de idade avançada.

«É um processo difícil, desgastante e, muitas vezes, o sucesso passa por sermos capazes de cuidar melhor de nós, reconhecer as dificuldades do que estamos a fazer e, se necessário, pedir ajuda, sem constrangimentos», escrevem as autoras do guia «Do Hospital para Casa. E Agora?», uma obra publicada pela editora Oficina do Livro que pretende facilitar a vida destas pessoas.

Ainda que esteja prevista a efetivação do estatuto legal do cuidador informal e que, a partir de 2018, possam vir a existir regalias sociais, fiscais ou mesmo financeiras, até hoje esses apoios nunca existiram. Além disso, falamos de pessoas sem preparação nem qualificação, um fator que fragiliza o próprio cuidador, o expõe a situações complicadas e pode mesmo levar a cenários de rutura e exaustão.

Foi a pensar nestas questões e nessas pessoas em concreto que surgiu «Do Hospital para Casa. E Agora?», um guia prático, assinado por três enfermeiras, que ensina a cuidar de pessoas dependentes, mas que também olha para quem cuida, fornecendo estratégias para que essa tarefa se torne mais efetiva e afetiva.

O que é exatamente um cuidador informal?

É um familiar, vizinho ou amigo que cuida do doente quando este retorna ao seu contexto familiar com algum tipo de dependência, assegurando, na maior parte das vezes, a totalidade das necessidades específicas do doente, que vão desde a alimentação, higiene pessoal, vestuário, posicionamentos e gestão de medicação ao acompanhamento a consultas.

Quais os principais desafios que se colocam a um cuidador?

Uma situação de dependência reflete uma mudança na vida do doente e de quem o acompanha, momentos de verdadeiro stresse e angústia, em que surgem sentimentos de tristeza, ansiedade e medo de não ser capaz. É essencial uma restruturação a vários níveis. A nível físico é necessário aprender a viver com a incapacidade alheia e encontrar estratégias e motivação para superar as dificuldades.

A nível emocional, é imperativo nunca deixar de cuidar de si e evitar cair em estados depressivos. Em termos familiares, é preciso ter em conta a reorganização de papéis, em que, por exemplo, o filho passa a cuidar do pai. A nível social, é essencial evitar o isolamento.

Em termos profissionais, o cuidador vê-se forçado a reduzir o horário de trabalho ou despedir-se. Por fim, há que ter em conta um imperativo financeiro, que pode passar por contratar técnicos especializados, pela restruturação do domicílio, entre outros fatores relevantes e condicionantes.

Qual o primeiro passo para gerir estes desafios?

Procurar a ajuda certa, que passa pelo recurso a enfermeiros, ao médico de família e técnicos de serviço social. São estes profissionais, que se encontram nas unidades de saúde (centro de saúde, hospital ou centro social), que poderão esclarecer dúvidas e dar aconselhamento técnico, nomeadamente em termos de manipulação de dispositivos, higiene, posicionamentos e alimentação, entre outros.

Abdicam de muitas coisas para cuidar de quem não pode cuidar de si

Veja na página seguinte: As dúvidas mais frequentes dos cuidadores informais

Quais as dúvidas mais frequentes dos cuidadores informais? 

São principalmente ao nível da deslocação do doente. Por exemplo, como levantar alguém da cama para um cadeirão ou como posicioná-lo corretamente no leito. Estas questões surgem em vários contextos e à medida que o nível de dependência vai aumentando. Idealmente, as equipas de saúde que prestam apoio domiciliário deveriam ajudar neste sentido, mas essa é uma realidade que não existe pela escassez de recursos.

Qual a importância de o cuidador não se esquecer de cuidar de si?

É determinante. O cuidador informal apenas consegue fazer um bom trabalho se estiver bem física e psicologicamente, pois todo este processo é desgastante e, muitas vezes, desesperante. Cuidar de alguém é um ato de coragem e é importante que se saiba que há quem possa ajudar e que pedir apoio é uma atitude sensata.

Cada vez mais, os técnicos de saúde estão sensibilizados e capacitados para prestar um apoio que, muitas vezes, passa por ouvir e aconselhar. No entanto, existem locais que podemos recomendar, tais como grupos informais de apoio, associações de familiares e doentes, profissionais especializados em psicologia.

No caso de uma pessoa que tem de receber cuidados paliativos, é recomendável que seja o cuidador informal a ocupar-se da situação?

Nesse caso, terá de ser uma equipa multidisciplinar a cuidar do doente pois o cuidador informal pode até dar resposta a algumas necessidades, mas provavelmente não será suficiente. Assim, deve procurar-se apoio de uma equipa especializada, sendo o ideal o acesso a uma unidade de cuidados paliativos.

Que apoios têm hoje os cuidadores informais?

Enquanto não for aprovado o estatuto do cuidador informal, a situação é muito complicada. Em termos financeiros, existe apenas a possibilidade de se solicitar o subsídio por assistência de terceira pessoa, através da Segurança Social, o que pode ser feito neste site.

Há alguma data para o reconhecimento desse estatuto?

O estatuto já foi proposto junto do Ministério da Saúde, do Ministério das Finanças e do Instituto da Segurança Social e prevê-se que seja oficializado durante o próximo ano [2018].

Essa situação trará benefícios sociais, fiscais e financeiros, dando, por exemplo, a possibilidade de fazer reduções fiscais em sede de IRS, ter horários de trabalho reduzidos e compensações monetárias. O Governo divulgou ainda a criação de uma plataforma online para dar resposta às necessidades dos cuidadores durante 2017.

Abdicam de muitas coisas para cuidar de quem não pode cuidar de si

Veja na página seguinte: Os serviços de apoio na comunidade a que pode recorrer

Serviços de apoio na comunidade

Seja em casos de cuidados continuados, paliativos ou para melhorar o bem-estar do doente e dar-lhe uma melhor qualidade de vida, existem serviços de apoio na comunidade para esses fins:

1. Serviço de apoio domiciliário

Geralmente ligados a entidades sem fins lucrativos, prestam apoio à pessoa dependente no seu domicílio, ao nível da higiene pessoal e doméstica, supervisão terapêutica, fornecimento de refeições, acompanhamento a consultas/tratamentos e atividades  de animação e socialização.

2. Empresas de apoio domiciliário

Resposta complementar ou alternativa aos serviços de apoio domiciliário, mas a título privado.

3. Cuidador formal

Equipas profissionais de empresas privadas ou centros de convívio, centros de dia, casas de repouso/lares de idosos, instituições que podem funcionar em regime de internato.

4. Teleassistência

Resposta imediata, segura e confortável, para situações de urgência, segurança ou solidão. Funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Baseia-se em equipamentos disponibilizados ao utente, em formatos simples e práticos (uma pulseira, um colar ou até no telefone), com atendimento imediato por profissionais.

5. Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

Unidades e equipas de saúde, apoio social, cuidados e ações paliativas que garantem a prestação de cuidados continuados integrados a pessoas com dependência. Saiba mais neste site.

6. Rede de Apoio Cuidadores de Portugal

Esta é uma rede multidisciplinar e independente de profissionais com serviços de apoio para a promoção da saúde e qualidade de vida do cuidador. Entre a informação disponível, destacam-se estratégias para cuidar de alguém, técnicas de relaxamento para lidar com o stresse ou relatos  de outros cuidadores. Para saber mais, clique aqui.

Texto: Carlos Eugénio Augusto com Ana Catarina Ribeiro, Ana Isabel Temudo e Diana Maia, enfermeiras e autoras do livro «Do Hospital para Casa. E Agora?», publicado pela editora Oficina do Livro)