Em «Cão como nós», publicado pela editora Dom Quixote, Manuel Alegre fala sobre o épagneul-breton Kurika, o amigo de quatro patas que se tornou parte integrante da vida da família. «Era um cão rebelde, caprichoso, desobediente, mas um de nós, o nosso cão (...) um cão que não queria ser cão e era cão como nós», descreveu, na altura, o escritor. Muita gente pensa da mesma maneira, atribuindo sentimentos humanos aos bichos.

Poder-se-à afirmar que os animais se emocionam? Gostarão de nós como nós gostamos deles? Há especialistas que garantem que sim e outros que afiançam que não. A ciência divide-se. «Os cientistas têm dificuldade em aceitar a ideia que os animais possam ter sentimentos», afirma o neurocientista da Emory University Gregory Berns, que usou a tecnologia para mapear o cérebro dos cães que usou numa experiência.

Um trabalho científico que deu origem ao livro «What it’s like to be a dog», publicado nos EUA. A discussão é antiga. De um lado, situam-se os defensores da teoria que os animais não têm capacidades mentais complexas e, logo, são assentimentais. Do outro lado da barricada encontram-se, paradoxalmente, os adeptos da corrente que defende que não há dúvida que os bichos (e não só os de estimação) se emocionam.

Ter ou não ter um animal de estimação?

Para os apologistas desta teoria, os animais estão dotados dos requisitos necessários para sentirem, embora sejam subestimados pela maioria dos detratores da ideia. Um estudo levado a cabo na Universidade de Bristol, no Reino Unido, tentou demonstrar que as vacas dispõem de um universo emocional riquíssimo, onde se destacam sentimentos como amizade, rancor e, imagine-se, frustração.

Esta constatação aplicava-se não só aos bovinos mas também aos porcos, cabras e galinhas. Aliás, segundo Keith Kendrick, professor de neurobiologia na Universidade de Cambridge, em Inglaterra, as ovelhas afeiçoam-se a alguns humanos, caindo em depressão se estes se ausentam por períodos prolongados e saudando-os entusiasticamente quando regressam. Há quem também associe esses sentimentos a macacos.

Uma questão de química

Entre estas duas visões opostas e, numa zona intermédia, menos polémica, estão aqueles que defendem que os animais têm emoções que se podem equiparar às dos humanos, embora não sejam necessariamente iguais e tenham que ser interpretadas num contexto específico. Cientificamente falando, não há dúvidas que as emoções se fazem acompanhar por mudanças bioquímicas, ao nível do cérebro. O mesmo se aplica aos animais.

A alegria, por exemplo, aciona a libertação de substâncias químicas que acalmam e nos fazem sentir bem. O medo estimula a produção de químicos que nos fazem ficar em estado de alerta, preparados para, se for caso disso, fugirmos. No entanto, existem sentimentos que não têm tradução biológica tão clara, como é o caso da vergonha, por exemplo, uma emoção social difícil de percecionar em animais.

Veja na página seguinte: Descodificador de emoções de quatro patas

Os melhores amigos

Independentemente do que sentem e como sentem, o que é certo é que, a nível geral, quem tem um animal de estimação o trata como se fosse um ser emocional. Uma pesquisa levada a cabo no Canadá apurou que oitenta por cento das famílias inquiridas oferecia um presente à sua mascote no seu dia de aniversário ou no Natal. 94% declararam que conversava com o seu animal de estimação como se se tratasse de outra pessoa.

Mais de 90% referiram ter a certeza que o seu cão ou gato os compreendia totalmente. Muitos dos donos destes bichos são apologistas desta ideia. E, se falamos das emoções dos animais, não podemos deixar de salientar que adotar uma mascote também parece ter repercussões nas emoções dos donos, particularmente dos de palmo e meio. É verdade, como certificam investigações internacionais.

A maioria dos estudos afirma que conviver com um animal de estimação aumenta a maturidade das crianças, assim como o sentido de responsabilidade e a capacidade de concentração. Várias pesquisas salientam que as que têm mascotes são mais sociáveis, altruístas, cooperantes e dedicadas. Ter de cuidar de um companheiro de uma espécie diferente obriga-as a preocupar-se com coisas com as quais não lidariam de outra forma.

Descodificador de emoções de quatro patas

Se não acredita na existência de gatos deprimidos e cães stressados, leia o que se segue:

- Medo

Ligado ao instinto de sobrevivência, é uma emoção em que se reconhece uma situação de potencial perigo. Esta constatação conduz ao estado de alerta e permite ao animal averiguar se o perigo é real ou imediato e, de acordo com a avaliação que faz, tomar a medida adequada. Desaparecer, esconder-se, ficar estático...

- Nojo

Trata-se de um mecanismo de evitação. Associado ao sabor e ao cheiro, a sensação de nojo permite aos animais, por exemplo, não ingerirem comida estragada.

- Desejo

Provoca reações químicas corporais e está intimamente ligado à procura de parceiro sexual e à necessidade de acasalamento.

- Tristeza

Os humanos dispõem de uma gama vasta de emoções dentro da categoria tristeza que pode abranger desde situações circunstanciais e passageiras até ao desgosto e à depressão. Segundo vários estudos, os gatos manifestam sintomas de depressão quando um companheiro chegado morre e pensa-se que a ansiedade de separação demonstrada por cães e gatos, quando o dono se vai embora, é provocada pelo mecanismo da tristeza.

- Alegria

Ajuda-nos a procurar repetir situações que nos tenham dado prazer no passado. Quando nos encontramos numa situação que nos é agradável, são libertadas substâncias que provocam a sensação de bem-estar. O mesmo acontece com os animais quando estão a brincar ou são acariciados pelos donos.

- Stresse

Resulta da exposição continuada a um estímulo desagradável e, tal como acontece em relação aos humanos, debilita o sistema imunitário dos animais e reduz a capacidade de defesa contra diversas patologias. O nível de stresse varia entre as várias espécies mas crê-se que os gatos e os cães fiquem stressados mais facilmente. Será por conviverem mais de perto connosco?

Texto: Teresa d'Ornellas e Luis Batista Gonçalves