Tem uma profissão de improviso mas assente em muito trabalho de preparação. Uma paixão que já vem de longe. «O resultado dos meus testes vocacionais no secundário levou-me a ser um Doutor Palhaço. Bem… na verdade, deveu-se a um misto de predestinação e sorte. Sempre tive um prazer insaciável em fazer rir outras pessoas», confessa Pedro Fabião. Veja a galeria de imagens do Dr. Cámóne.

«Sempre quis aprofundar a forma de arte do palhaço, sempre quis estar do lado de uma boa causa e sempre gostei da ideia de ter uma profissão invulgar. Doutor Palhaço parece ter conjugado bastante bem essas tendências. Isso e a sorte de estar no lugar certo na hora certa e de ter tido uma grande empatia com a Bia [Beatriz Quintella, fundadora da Operação Nariz Vermelho]», acrescenta.

«Especializei-me em psicologia clínica psicodinâmica, em que o contacto e a relação são instrumentos centrais de terapia. Sem dúvida que isso me dá solidez na consciência do que está a acontecer do lado de lá e me ajuda enquanto Dr. Cámóne. Mas em alguns aspetos também prejudica», lamenta.

«Ao longo do dia, tenho de estar constantemente a moderar a tendência para pensar», assume Pedro Fabião. Um homem que se realiza com a diversão dos que o rodeiam. «A maior felicidade é a que damos aos outros», afiança o médico a fingir.

A formação de palhaço

Fazer divertir os outros não é algo que se consiga de ânimo leve. «Ser Doutor Palhaço exige o máximo de profissionalismo. Por isso, a formação é extensa e nunca fica concluída. Todos os meses temos formação em algo. A mais contínua é a artística», afirma Pedro Fabião. A arte do palhaço é das mais difíceis artes cénicas.

Em muitas das escolas de teatro internacionais, é o último módulo. «Temos formação artística regular e coaching artístico no hospital com os melhores formadores internacionais, que nos dão formações intensivas, uma ou duas vezes por ano. Temos também formação hospitalar, sobre patologias, regras de higiene, conduta e segurança, psicologia, faixas etárias, desenvolvimento infantil e juvenil, entre outras», diz.

O amor à profissão

Aos 34 anos, Pedro Fabião acumula as funções de Doutor Palhaço como as de diretor artístico da Operação Nariz Vermelho. O que o motiva? «Coragem, amor, piada, palermice, senso comum, responsabilidade, atenção, sensibilidade, ânsia de aprender… Em suma, trabalhar como quando se está apaixonado. Isto é tudo o que é necessário para se ser um Doutor Palhaço», confessa.

«Esta profissão não é um flirt», sublinha, contudo. «É uma paixão que nos deixa sem jeito e que ao longo dos anos se torna um amor devoto. É também importante saber articular a atuação enquanto palhaço com o ambiente hospitalar. Como? Juntando à liberdade artística a sensibilidade», diz.

Mas não só. Também é preciso «ter os pés na terra e uma escuta muito atenta, conhecer as regras hospitalares dos procedimentos, das relações, das hierarquias. E isto tudo articula-se com experiência e com muito humor», afiança o Dr. Cámóne.

Veja na página seguinte: O trabalho de preparar o improviso

O trabalho de preparar o improviso

Ser palhaço dá trabalho. Muito! «Para fazermos um bom trabalho, necessitamos de muita investigação. A nossa pesquisa incide, sobretudo, no impacto que o nosso trabalho tem nas crianças, nas suas famílias e nas equipas hospitalares. Há também estudos que tentam explorar o que fazem os palhaços para obter o melhor resultado na interação com a criança, ou como deve funcionar uma organização de palhaços de hospital», diz.

«Os múltiplos estudos que temos vindo a desenvolver são orientados por investigadores académicos, que pertencem a uma rede internacional que se dedica a este fenómeno dos palhaços em contextos de saúde que, apesar de tudo, é recente e só desde há uma década tem suscitado a curiosidade mais séria das universidades», afirma Pedro Fabião.

«O nosso trabalho é improvisado, mas o próprio improviso tem de ser muito bem preparado. A liberdade só se consegue com muita estrutura e disciplina, por isso, o treino de modelos de improvisação, o conhecimento dos clássicos, o desenvolvimento da escuta e da aceitação das propostas… Tudo isso é fundamental. Mas se aprendermos a conhecer o nosso palhaço e a dar espaço para o seu prazer, meio caminho está feito», refere.

Um trabalho de equipa

Minorar o impacto de quem sofre com a doença é a motivação maior destes profissionais. «A nossa missão é trazer as crianças de volta para a sua maior responsabilidade, que é brincar, experimentar, sonhar, sentir e aprender. Como a Bia dizia, nós estamos lá para dar emprego à criança desempregada», graceja.

«Para o conseguirmos fazer, e dado que lidamos com algumas crianças em fase terminal da doença, trabalhamos em dupla, para poder sempre contar com um segundo ser humano para absorver o impacto de algumas situações. Depois temos terapia de grupo, que nas partilhas mensais absorve mais um pouco do impacto, e, por fim, temos fases em que trabalhamos com psicólogos, onde esperamos que se possa filtrar o resto do peso que possa ficar colado ao corpo», diz.

«Esta última fase é aquilo a que chamamos de higiene emocional», explica Pedro Fabião. «O palhaço olha cada situação, grave ou não, com a mesma leveza e inocência. Pode chorar, mas chora como quem pode rir passado segundos», acrescenta ainda.

Veja na página seguinte: A melhor recompensa que um Doutor Palhaço pode receber

O melhor salário

Podem não chegar à miséria do palhaço pobre mas os Doutores Palhaços também não são ricos. «Não há maior felicidade do que aquela que damos aos outros. Não há maior liberdade do que a de sentir e ser quem somos, e o permitirmos aos outros, com poesia e beleza. Isso é o palhaço. Essa é a maior recompensa», defende Pedro Fabião.

«Entrar no hospital e distribuir sorrisos é a maior honra e privilégio do mundo. Algo que encaramos com o maior respeito, que questionamos à entrada de cada quarto, que temos que construir de raiz com o poder do encontro e de uma relação mágica e transformadora», acrescenta.

«É sempre marcante ver uma criança que não está bem mas que vibra quando os Doutores Palhaços estão com ela. É essa renovação dos encontros profundos e cheios de significado que nos alimenta», assegura o elemento do grupo, que faz parte da Operação Nariz Vermelho, uma instituição de solidariedade social que oferece, a alguns hospitais portugueses, um programa de intervenção nos serviços pediátricos, através da visita de palhaços profissionais.

São artistas especializados no meio hospitalar, que realizam atuações adaptadas a cada criança e a cada situação. A equipa é constituída por 22 Doutores Palhaços, mais nove profissionais que trabalham nos bastidores, que garantem visitas semanais, durante 42 semanas por ano, às crianças hospitalizadas, distribuindo-lhes sorrisos, bem como aos pais.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Luis Batista Gonçalves (edição online) e Artur (fotografia)