Recordei de imediato como foi que a conheci. Lembrei-me da sua atitude vivaça e da confluência da nossa maneira encantada e curiosa de olhar para a vida.

Narrou-me que recentemente tinha defendido, perante o pai e amigos, a sua visão da vida: para ela a felicidade é viajar e viver cada ano num lugar diferente do mundo. O pai replicou-lhe que pode viver nesse "mundo da fantasia" porque não tem responsabilidades com família, filhos, casa e carro. Ela respondeu que, caso tivesse responsabilidades, iria ser feliz à mesma e continuaria a seguir a sua filosofia de vida.

Só que no fim... bem, no fim da mensagem, a Angela acabou por me pedir para escrever sobre isto: a responsabilidade retira a liberdade de opção das filosofias de vida?

Quero começar por duas premissas básicas que talvez não estejas a ter em conta, Angela. A primeira é que, apesar de teimarmos em resistir à mudança, somos seres em constante mutação interior. O que hoje é de suprema importância, amanhã pode já não ser; aquilo a que hoje não ligamos nenhuma pode ser, no futuro, a génese da nossa felicidade.  A segunda premissa é que a esmagadora maioria da humanidade é profundamente sedentária. Por mais que sejamos rebeldes, sedentos de mundo e nos vejamos como nómadas inveterados, na verdade temos uma falta imensa de raízes e de um lar para onde voltar. O mundo só faz sentido se houver um cantinho de afetos que é nosso.

Mas deixa-me formular a minha opinião num contexto bem mais geral, que não se prenda só com a filosofia de conhecer o planeta inteiro.

A liberdade de opção é limitada pelas responsabilidades. Isto não é uma teoria, é mais uma fórmula matemática do que outra coisa qualquer. As responsabilidades trazidas pelo emprego, pelo sustento da casa e criação de uma família (entre muitas outras responsabilidades que escolhemos ou que nos são impostas) implicam necessariamente uma diminuição drástica da liberdade de viver os anos ao sabor da nossa vontade.

Contudo as responsabilidades que tomamos nas mãos são, por si mesmas, um produto da nossa liberdade de escolha (pelo menos é assim que deveria ser). Casar e constituir família, por exemplo, são "projetos" de vida que jamais devíamos aceitar tomar sem ter a certeza absoluta de o querermos. Mas, posto isto, nem tudo está perdido para todos os nossos outros sonhos. É preciso inteligência, coragem e dedicação; é preciso que nos desdobremos como super-humanos; é preciso alguma dose de loucura, até. E, a meio do caminho, descobrimos que as responsabilidades não nos cortaram a liberdade de seguir com as nossas filosofias de vida: descobrimos que elas foram ampliadas, reformuladas e negociadas com nós próprios. E é aí que a nossa existência se começa de facto a tornar repleta do seu mais completo sentido.

Ana Amorim Dias

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