O sucesso profissional já não é apenas ter um ordenado chorudo, um gabinete com vista para o mar e um carro topo de gama na garagem. Isso era dantes!

De há uns anos para cá que as coisas têm vindo a mudar. A conjuntura de hoje a isso obriga. Em outubro de 2011, a notícia caiu como uma bomba
na City, centro financeiro e histórico da cidade de Londres.

O centro
financeiro da Europa não esperava
que o português António Horta
Osório, alto executivo do Loyd's
Banking Group, se afastasse da
direção de um dos mais antigos
bancos britânicos, por motivos
de stress. Este tipo de fragilidades
nunca foi bem recebido no mundo
empresarial. Um homem ou
mulher de sucesso é aquele que
nunca cede ao cansaço do mundo
dos negócios. Porém, essa visão
começa a estar ultrapassada.


Desperta agora uma nova
consciência de vida, sobretudo
na chamada Geração X (aqueles
que nasceram entre 1965 e
1980) que desafia o status quo
conquistado pela geração anterior. A tendência vem de fora e começa,
timidamente, a deixar marca
também em terras lusas. Trata-se
de uma nova visão sobre o que é,
afinal, ter sucesso na vida. Dinheiro
e estatuto serão suficientes para
que esta Geração X se sinta
realizada? Ao que tudo indica, não.

«Hoje, aparecem-nos muito mais
candidatos preocupados com a sua
qualidade de vida, sacrificando,
por vezes, o salário em função
de um melhor equilíbrio da vida
pessoal e profissional», sublinha
Sílvia Nunes, responsável da
Michael Page, multinacional
especialista em Executive Search.
A opinião é partilhada por Pedro
Amorim, diretor da empresa de
recrutamento Hays. «Em Portugal,
o estatuto continua a ser muito
importante, mas começa a surgir
um conjunto de profissionais
que valorizam mais a qualidade
de vida e que procuram negociar
benefícios que lhes proporcionem
essa mesma qualidade», refere.

Atentas a esta nova dinâmica, várias
são já as empresas que oferecem
muito mais do que um chorudo
pacote salarial aos seus executivos.
Google, Microsoft, Unisys, entre
muitas outras, procuram facilitar
o equilíbrio entre a vida pessoal e
profissional dos seus colaboradores,
promovendo uma série de
benefícios que os façam sentir
felizes no local de trabalho.

Matthieu Ricard,
considerado o homem mais feliz
do mundo (foi alvo de estudos
neurocientíficos com conclusões
surpreendentes) era um engenheiro
molecular de sucesso e um brilhante
académico. Circulava entre a nata
intelectual francesa, convivia
com filósofos, prémios Nobel e
músicos. Em 1972, depois de ver
um documentário sobre os monges
tibetanos decidiu que também ele
queria seguir aquela vida. Com
apenas 24 anos mudou-se para
os Himalaias e, hoje, despojado
de bens materiais, considera-se
extremamente feliz.

Para ele, a
felicidade não está na posse nem no
sucesso da vida profissional. A mesma teoria é defendida pelo
Instituto da Felicidade Coca-Cola
Portugal. «Ir uma vez por mês a uma
reunião de um qualquer grupo a
que se pertença, fazer voluntariado
ou uma visita cultural uma vez por
mês correspondem em felicidade ao
equivalente a duplicar o salário», defende.

Já uma pesquisa realizada por
Lauren Leader-Chivee, para o
Centre for Worklife Policy, realça
outro aspeto importante. A Geração
X, profissionais que estão agora
entre os 25 e os 50 anos, é motivada
pelo empreendedorismo, onde o
sucesso se traduz por ter controlo
da vida profissional e tempo para uma vida pessoal com mais sentido.
Segundo o estudo, esta geração cria
três vezes mais negócios próprios
do que a geração anterior, a dos
Baby Boomers. Torna-se, assim, claro
que o significado de sucesso está a
mudar. Uma carreira bem sucedida
é cada vez menos aquela que traz
status, mas aquela que mostra as
capacidades de liderar a própria vida
profissional.


Veja na página seguinte: Os exemplos de quem não teve medo de arriscar

Veja-se o caso de Manuel Forjaz, 48
anos, um executivo de sucesso que
percebeu atempadamente que não
era dono da sua vida.

«Não quero
olhar para trás e arrepender-me do
tempo que não passei com os meus
filhos. Podemos ser o autor da nossa
história ou seguir o guião escrito
por outro», diz.

Assim, deixou um
rendimento de 10 mil euros mensais
para se lançar na incerteza. Hoje,
apoia jovens empreendedores a
partir de casa, sentindo-se livre e
em constante busca pela felicidade.


Também Fredy Vinagre, 36 anos,
jornalista durante 12, percebeu que
não era no jornalismo que se sentia
feliz. Deixou tudo para trás
e abriu uma clínica onde é terapeuta
quântico. «Nunca ganhei tão pouco
mas também nunca fui tão feliz.
Hoje, consigo gerir o meu tempo.
Faço contas ao fim do mês? Faço
e muitas. Mas nunca sorri tanto»,
afirma, hoje, orgulhoso.

Deixar a cidade para trás

António Ferreira,
40 anos, deixou uma confortável
mas stressada vida em Lisboa para se
instalar com a mulher e dois filhos
em Vila do Bispo, no barlavento
algarvio. Publicitário durante
anos, aos 30 e pouco deparou-se
com um problema de saúde. A vida
agitada que levava trouxe-lhe a
primeira ameaça de AVC. Foi aí que
considerou
afastar-se do mundo
publicitário. Sem saber que rumo tomar,
iniciou uma busca pela casa
de férias perfeita, um objetivo
extraprofissional que lhe daria
algum prazer.

Foi assim que
conheceu a Aldeia da Pedralva,
em Vila do Bispo, um lugar
praticamente abandonado, onde
um colega de trabalho já adquirira
uma casa. Comprou uma primeira moradia, umas semanas depois
comprou mais duas. Desafiou
o colega a comprar mais algumas
e acabaram por adquirir oito. Foi
aí que o projeto turístico Aldeia da
Pedralva começou a tomar forma.
E, em 2008, despediu-se, deixou
o Estoril, agarrou na família e
mudou-se definitivamente para
gerir o projeto.

«Foi um misto de
loucura e aventura. Não é fácil
largar um emprego seguro e sair
do conforto que tínhamos, mas
agora temos mais qualidade de vida,
tempo para a família e os amigos, e
não sentimos tanta pressão para ter
isto ou aquilo», desabafa António
Ferreira. Atualmente, são quatro
os sócios que dão vida à Aldeia da
Pedralva (aldeiadapedralva.com),
que abriu ao público em 2010 e é
composto por 27 casas recuperadas.

«No campo o tempo rende mais,
descansamos. Na cidade o nosso
cérebro é bombardeado com 3 000
marcas por dia, cansando-nos sem
que nos apercebamos disso», remata. Procurar a felicidade
profissional mudando de vida,
sobretudo a partir dos 35 ou 40
anos, não é um movimento novo,
apenas recolhe agora mais adeptos.


Christine Kellond, irlandesa
de 63 anos, relembra como, em
1976, ela e o marido deixaram
vidas profissionais de sucesso, ele
era gerente da Burberry em Nova
Iorque e ela professora de biologia, para se instalarem em Portugal.
«Quando fiquei grávida quis
procurar uma vida mais calma para
educar os meus filhos. Sei que o Alentejo é o local ideal
para isso», assegura. Atualmente, é dona da
loja Milflores, em Marvão, onde cria
bijuteria em vidro e cerâmica.


Veja na página seguinte:

Pelo mesmo processo passou,
mais recentemente, Joana Garcia,
de 41 anos.

Era advogada em Setúbal,
onde vivia, e diretora de marca
num operador turístico em Lisboa,
quando engravidou do primeiro
filho.

«O meu dia a dia era infernal e
quase não tinha vida pessoal. Sentia-me desagradada e pensei em mudar»,
desabafa. Pediu conselhos ao pai
que lhe sugeriu ir para o Vimieiro,
concelho de Arraiolos, Alentejo,
fazer queijos à moda antiga. A ideia
não surgiu do nada.

Além de ser a
terra da avó, o irmão tinha já um
negócio de criação de ovelhas de
leite naquele local. Joana Garcia nada sabia de queijarias,
a ideia pareceu-lhe irrealista, mas
acabou por arriscar. Na altura, o
filho tinha quatro anos, chegava
muito tarde a casa e dedicava-lhe pouco tempo. Sentia que
tinha de fazer alguma coisa para
mudar. Conseguiu o investimento
necessário e partiu para a aldeia
alentejana, onde a tradição no
queijo artesanal se estava a perder.

Iniciou as primeiras experiências
produzindo queijo apenas com
leite de ovelha, sal e cardo, como se
fazia antigamente. Hoje, oito anos
depois, é dona de uma empresa de
sucesso, produz 300 mil queijos
por ano e exporta para Espanha e
França. «Acredito que tenho agora
mais sucesso profissional, pois
sou melhor queijeira do que era
advogada. E, sobretudo, sou mais
feliz», diz Joana Garcia.

Um novo estilo de vida

Já Cristina Teixeira, 44
anos, de uma coisa tinha a certeza. Mudar de vida, sim, mas sem
deixar Lisboa. Vivera um período
sabático com o marido no Algarve
e sabia que não queria prescindir
do conforto que tinha em Lisboa.
Acreditava que era possível ter
uma vida mais calma, com mais
equilíbrio, mesmo dentro da
grande cidade, apenas teria de
fazer as escolhas certas.

Licenciada
em economia, fez carreira no
mundo da banca e, aos 27 anos,
já era diretora de marketing da
extinta companhia de seguros
império. Em 2000, passou para
o grupo BES, esteve ligada ao
banco BEST e à PME link. Foi
nesta altura, já com 35 anos, que
sentiu o apelo da maternidade. Em 2003 nasceu o primeiro filho
e, em 2004, o segundo. foi aqui
que se deu o volte-face. «Tinha a
ideia de desenvolver um projeto
pessoal para gerir melhor o meu
tempo e que me trouxesse valor
acrescentado como pessoa»,
diz Cristina Teixeira.

Surgiu então, em
sociedade, a empresa Terra
Alternativa, que organiza eventos
destinados «a plantar sementes
nas pessoas sobre novas formas
de viver». Foi um tiro no escuro
mas que, felizmente, correu bem.
o primeiro evento que organizou,
em 2006, a Feira Alternativa, na
cordoaria, foi um sucesso, com
10 mil visitantes. Outros eventos
se seguiram, como o Mulheres de
Corpo e Alma e o Eco-coaching,
na Zambujeira do Mar. Ganhou
tempo, qualidade de vida e passou
a ir buscar os filhos à escola às
16h30h, ajudando-as a fazer os
trabalhos de casa e passando-lhe
sólidos valores familiares.


Veja na página seguinte: Quem é a geração X?

Quem é a geração X?

Várias são as teorias
sociológicas que definem,
pelas suas características
comuns, as diversas
gerações ao longo da
história da humanidade.


Uma das mais
reconhecidas é a teoria
geracional de
Strauss-Howe, publicada na obra
Generations, em 1991, por
dois autores americanos,
William Strauss e Neil
Howe.

Estes destacaram
no século XX a Geração
Baby Boomers (1943/1960),
a Geração X (1960/1980),
a Geração Y (1980/2004)
e a Geração Z (a partir
de 2005).

A Geração X, cujo nome
já vem dos anos 50, e que
significa geração das
incógnitas, caracteriza-se
por uma postura rebelde,
que desafia os pais e
educadores. Insatisfeitos
com as instituições,
como o casamento ou a
empresa onde trabalham,
procuraram novas formas
de vida e de equilíbrio
pessoal. Empreendedores
por natureza, preferem
criar o seu próprio negócio
a ter um emprego para
a vida, como a geração
anterior.

Texto: Helena C. Peralta