No final de 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia deliberou que «a obesidade pode constituir uma deficiência na aceção da diretiva relativa à igualdade de tratamento no emprego», divulgou a agência Lusa, citada pelo jornal i. A deliberação foi acionada pela justiça dinamarquesa, depois de um auxiliar de educação, com mais de 160 quilos, alegar ter sido despedido por ser obeso.  Na base do despedimento estaria a redução do número de crianças, mas o município dinamarquês que o havia contratado não terá justificado porque havia decidido despedir este funcionário. O processo teve início num órgão jurisdicional dinamarquês que pedia «a declaração dessa discriminação e uma indemnização», contou a mesma fonte.

A decisão

Na sequência do pedido, o tribunal dinamarquês pediu ao Tribunal de Justiça da União Europeia que esclarecesse se a obesidade poderia ser considerada deficiência. De acordo com a BBC News, os juízes da instância europeia «afirmaram que a obesidade, em si, não é uma deficiência, mas se a pessoa tem uma incapacidade de longo prazo, devido à obesidade, deve ser protegida pela legislação relativa à deficiência». Segundo a agência Lusa, o Tribunal Europeu deliberou que «embora nenhum princípio geral do direito da União proíba, por si só, as discriminações baseadas na obesidade», esta condição pode inserir-se no conceito de deficiência.

Tal sucederá «quando, em determinadas circunstâncias, impeça a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores», defende a instituição. Contudo, ficou definido que seria o órgão jurisdicional dinamarquês a definir se o caso se enquadrava ou não no conceito de deficiência.

O impacto em Portugal

A relevância desta decisão para Portugal, explica Eduarda Proença de Carvalho, advogada, resume-se ao facto de se ter «iniciado o debate da temática. Os tribunais portugueses não estão vinculados às decisões do Tribunal da União Europeia que não lhes digam respeito. Adicionalmente, a decisão remete para o órgão jurisdicional dinamarquês a apreciação se a obesidade se enquadra no conceito de deficiência, não decidindo em definitivo o tema nem dando quaisquer parâmetros para a densificação do conceito de obesidade».

«Neste contexto, um português obeso que se sinta discriminado no local de trabalho terá de, em primeira mão, convencer o tribunal de que a obesidade é uma deficiência e, enquanto tal, que merece ser protegido», acrescenta ainda. Como elucida a especialista, atualmente, «o direito português não estabelece um princípio geral de não discriminação devido à obesidade no âmbito do emprego», mas caso a obesidade passasse a ser enquadrada legalmente no conceito de deficiência, o trabalhador obeso beneficiaria «da proteção conferida no Código do Trabalho».

Nessa situação, o empregador passaria a ter que adotar «medidas adequadas para que a pessoa com deficiência ou doença crónica tenha acesso a um emprego, o possa exercer e nele progredir, ou para que tenha formação profissional, exceto se tais medidas implicarem encargos desproporcionados», esclarece. Neste caso, o empregador teria de, por exemplo, «arranjar cadeiras maiores para os trabalhadores obesos» ou, em determinadas circunstâncias, se estivesse em causa a sua saúde ou segurança, «adaptar o horário de trabalho».

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As debilidades e os riscos da decisão

Segundo Eduarda Proença de Carvalho, a decisão do Tribunal Europeu não oferece resposta a inúmeras dúvidas, nomeadamente, se «o conceito de deficiência pode ser entendido no sentido de que abrange não apenas a incapacidade de exercer uma atividade profissional ou também uma dificuldade no exercício da mesma» e em que circunstâncias «se pode considerar que a obesidade é incapacitante».

A especialista adverte ainbda que, sendo um tema tão sensível, «a discussão deverá ser realizada com base em termos médicos e não jurídicos» e que «uma resposta positiva poderá acarretar riscos sérios para a sociedade», como a possibilidade de «trabalhadores obesos procurarem proteção na lei em vez de tratamento para a doença», acrescenta ainda.

O que pode fazer um trabalhador poruguês que se sinta discriminado por ser obeso? 

A pergunta impõe-se e a resposta também. «Poderá requerer à Autoridade para as Condições do Trabalho que instaure um processo de contraordenação contra o empregador faltoso e/ou reclamar judicialmente da situação, pedindo o pagamento de uma indemnização.  Porém, os factos associados a este tipo de processo são muito difíceis de provar», responde Eduarda Proença de Carvalho.

Segundo a medicina o que é a obesidade?

Definida pela organização mundial de Saúde como uma doença caracterizada por «uma acumulação anormal ou excessiva de gordura», é um fator de risco de doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de cancro. Corresponde a um índice de massa corporal (IMC) acima de 30. Para calcular o seu, pode recorrer a várias aplicações móveis e sites na internet, como este.

Como interpretar os resultados

- Baixo peso < 18,5

- Peso normal 18,5 - 24,9

- Pré-obesidade 25 - 29,9

- Obesidade de grau I 30 - 34,9

- Obesidade de grau II 35 - 39,9

- Obesidade de grau III = ou > 40

Texto: Nazaré Tocha com Eduarda Proença de Carvalho (advogada)