Abdicar de si, dos amigos e da família em prol da carreira pode ser o indício de uma obsessão pelo trabalho com consequências graves.

«Durante um ano e meio deixei de ter tempo para mim, para
os amigos e para a família. Chegava ao escritório antes da hora de entrada,
prescindia da minha hora de almoço e ficava a trabalhar até de madrugada», recorda a consultora de comunicação Sofia Andrade.


«Os fins de semana eram passados a trabalhar e cheguei ao ponto de não
ter fome, nem sono. Em 17 anos de carreira, nunca tinha passado por uma
situação semelhante. Estava completamente viciada no trabalho», refere ainda esta mulher que, aos 38 anos, depois de longos períodos de uma entrega profissional quase absoluta, sentiu na pele
as consequências mais perigosas do workaholismo, um problema que começa
no envolvimento excessivo com o trabalho e que, na última década, tem vindo a aumentar de forma quase galopante.

Quando a vida pessoa passa para segundo plano

«O trabalho é uma peça
central na vida das pessoas
e na satisfação de diversas
necessidades, sendo encarado,
até, como uma atividade
saudável. Contudo, em alguns
casos, há um compromisso
demasiado pesado com o
trabalho, em prejuízo da vida
pessoal e familiar», pode ler-se
no trabalho de investigação
«O excesso de trabalho mata ou
dá prazer? - Uma exploração dos
antecedentes e consequentes do
workaholismo», de Jorge Gomes e
Patrícia Soares, investigadores
na área da psicologia social
e das organizações.

Uma
afirmação que retrata bem o
caso de Sofia Andrade, que viu a vida
profissional sobrepor-se a
todas as outras áreas da sua
vida. «Deixei de ir ao ginásio,
de comparecer nos almoços de
família, de sair com os amigos
e acabei por adiar um objetivo
pessoal muito importante para
mim, a maternidade», revela a consultora de comunicação.

O que está por trás do workaholismo

O caso de sofia está muito
longe de ser um acaso ou
uma exceção. No mesmo
estudo, realizado em
Portugal, em 2011, mais
de 60% dos inquiridos
revelaram ser afetados pelo
workaholismo. Na origem deste
comportamento, estão certos
traços da personalidade ou
experiências socioculturais,
mas também a existência de
reforços positivos perante
comportamentos workaholicos, da infância à idade adulta.

Alguns autores sugerem
que os indivíduos com
baixa autoestima estão mais
predispostos a tornarem-se
workaholics porque procuram
encontrar gratificações no
trabalho que não conseguem
ter noutras atividades. Outros
dizem que é a necessidade
de realização que predispõe
as pessoas para um foco
excessivo no êxito da
carreira. A dependência do
trabalho pode também estar
relacionada com determinadas
experiências familiares ou
laborais.

Por um lado, pode
ser uma fuga socialmente
aceite à família. Por outro, uma
exigência da própria empresa.
Dois anos depois de ter vivido
um episódio de workaholismo,
Sofia Andrade reconhece que a dependência que desenvolveu
se deveu em parte à filosofia
da empresa onde trabalhava.
«Havia uma exigência muito
grande ao ponto de nos
incutirem medo e represálias,
caso os objetivos definidos não
fossem atingidos», lembra.
Mas não só. Ia bastante mais para além disso!

«O meu foco era o trabalho.
Queria cumprir as minhas
funções da melhor maneira e
com o maior profissionalismo.
Geralmente, ia sempre além
de todas as expectativas dos
clientes e das chefias. Estava
a zelar pelo bom nome da
empresa e pelo meu enquanto
consultora há já vários anos.
esqueci a Sofia como pessoa e
só via a Sofia profissional», sublinha Sofia Andrade.


Veja na página seguinte: Depressão versus profissionalismo

Depressão versus profissionalismo

Para Clara Pracana,
psicoterapeuta e professora de
comportamento organizacional,
existem dois tipos de
workaholics, os depressivos e
os perfecionistas, cada um deles com características bem definidas.

«Podemos
estar perante uma pessoa
perfecionista que não consegue
cumprir prazos por estar
demasiado preocupada com os
pormenores e, então, prolonga
as horas de trabalho ou alguém
que se concentra no trabalho
para fugir a problemas que
não consegue resolver noutras
áreas da vida», afirma a especialista.

Sofia Andrade
reconhece que também foi o
seu perfecionismo que a levou
ao workaholismo. «Eu queria
fazer todas as tarefas bem feitas
e hoje sei que, por vezes, não
podemos ser tão perfecionistas
porque o tempo disponível não
o permite», refere a consultora de comunicação.

Efeitos nefastos

«Só percebi que algo de
errado se estava a passar
comigo quando não consegui
dormir durante 15 dias
consecutivos. Contei o que
estava a acontecer à minha
médica de família e foi ela
que me obrigou a parar de
trabalhar. estive, pela primeira
vez, de baixa e só regressei
ao trabalho 90 dias depois,
até recuperar totalmente»,
revela Sofia Andrade. Os efeitos do
workaholismo não se revelam
apenas em relações sociais
pobres mas também numa
saúde física e mental muito
mais frágil. Stress, síndrome de Burnout
(distúrbio psíquico precedido
de esgotamento físico e
mental intenso) e queixas
fisiológicas como perda de
apetite e dores musculares são
frequentemente associadas ao
excesso de horas no trabalho.

Um vício como os outros

Para alguns workaholics, o
trabalho passa a ser uma
obsessão, transformando-se
numa dependência.
«É uma adição como o
álcool ou o jogo», constata a
psicoterapeuta Clara Pracana.
«E, como em qualquer vício,
não têm a capacidade de
reconhecer o problema para
procurar ajuda. A maioria
dos casos que acompanho
na consulta de psicoterapia,
chegam por iniciativa dos
familiares ou do companheiro, que acabam por perceber
que aquele comportamento
não é normal», conta a
especialista.

«A intervenção
de um psicoterapeuta, como
alguém isento e objetivo, é
fundamental para fazer ver ao
workaholic que algo não está
bem», alerta Clara Pracana.
Sofia Andrade confessa que,
na altura, não se apercebeu
do problema. «Toda a gente
me dizia que eu vivia só para o
trabalho, mas eu achava que as
pessoas é que não conseguiam
compreender o meu trabalho»,
recorda a consultora.

Como tratar o workaholismo

«Perceber o mecanismo
psíquico que desencadeia
o workaholismo é essencial
para controlar este
comportamento aditivo
e recuperar o equilíbrio»,
refere a psicoterapeuta. «Não
quer dizer que em algumas
profissões não se justifique,
por vezes, ficar a trabalhar até
mais tarde» ressalva.


«No entanto, quando
o excesso de trabalho interfere
nas outras áreas da vida e leva
ao isolamento, é necessário
intervir. Uma vida saudável
e equilibrada passa pela
conciliação da área afetiva,
social e profissional», alerta
a psicoterapeuta.
«Na psicoterapia e no coaching
levamos as pessoas a tomarem
consciência do problema
e a definir os objetivos
necessários para mudar»,
conclui.

7 sinais de alerta

Procure ajuda se tem:

- Excesso de
horas
de trabalho

- Dificuldade em
desligar-se do
trabalho quando
chega a casa

- Excesso de
stress

- Falta de tempo
para atividades
de lazer

- Dificuldades
de comunicação
e socialização

- Distúrbios de
sono

- Perda de
apetite


Veja na página seguinte: 5 formas de prevenir o workaholismo

5 formas de prevenir o workaholismo

1. Esteja atenta
aos primeiros sinais indiciadores de que o excesso de trabalho está a afetar a sua vida pessoal e social.


Se está a deixar de ter tempo
para cuidar de si e para estar
com os outros (amigos,
família e/ou namorado), procure
perceber o que deve mudar
na sua rotina.

2. Pratique exercício
físico regularmente.
Caminhar durante cinco
minutos por dia não chega.
reserve tempo para praticar
Uma atividade que exija
esforço físico. a prática
de exercício promove
o bem-estar.

3. Organize as suas tarefas
no escritório.
Estabeleça objetivos diários
e faça de tudo para atingi-los,
sem atrasar a sua hora de
saída. Fazer uma pequena
pausa ao longo do dia
aumenta a concentração.

4. Rentabilize o seu horário
de trabalho.
Atribua um tempo para
cada tarefa e, sempre que
possível, saia a uma hora
que ainda lhe permita ir ao
ginásio, estar com os amigos
ou com a família.

5. Faça um balanço
no final do ano.
Tome nota do que conseguiu
fazer em termos profissionais
e pessoais. Esta reflexão vai
ajudá-la a perceber o que
quer fazer no ano seguinte
e aumenta a probabilidade
de se sentir mais realizada.


Quem é o típico workaholic?

Estes são alguns dos sinais mais comuns:

- Gasta uma grande
parte do seu tempo em
atividades de trabalho

- Abdica de outros
aspetos sociais (família,
amigos e lazer)

- Pensa em assuntos de
trabalho, mesmo quando
não está a trabalhar

- Trabalha muito mais
além do que é esperado
do cargo que ocupa

O workaholismo traz mais sucesso a nível profissional?

A curto prazo, os
workaholics podem ser
trabalhadores alegres e
cheios de energia que
dedicam mais horas ao
trabalho, obtendo uma
performance superior.
Contudo, podem
apresentar uma saúde
mental e física frágil que,
a longo prazo, pode reduzir
a eficácia no trabalho.

Investigadores
internacionais concluíram
que não há relação entre
aumento do salário
e comportamento
workaholic. Os workaholics podem
trabalhar mais, sem
receberem mais por isso.
eles são motivados por
forças internas e não por
fatores externos.

Texto: Sofia Cardoso com Clara Pracana (psicoterapeuta na Clínica Psicronos, coach e professora de comportamento organizacional)