Mulher que é mulher não resiste a uma boa sessão de compras, preferencialmente na companhia das amigas e num local repleto de lojas.

No entanto, ao contrário do que muitos (homens) pensam, as mulheres portuguesas são tendencialmente boas gestoras, apesar de por vezes perderem a cabeça e desperdiçarem dinheiro em gastos supérfluos.

Para Susana Albuquerque, secretária-geral da ASFAC, Associação de Instituições de Crédito Especializado, especialista em educação financeira e finanças pessoais e autora do livro «Independência financeira para mulheres», publicado recentemente pela editora Estrela Polar, perceber onde se gasta demais é um primeiro para passar a adotar comportamentos que permitam gerar poupança.

A partir dessa análise, é possível desenvolver estratégias que possibilitem uma gestão de despesas eficaz. Uma delas passa por colocar de lado uma verba, de preferência mensalmente ou, pelo menos, com alguma regularidade. Se tiver filhos, é importante envolvê-los no processo desde cedo.

As mulheres portuguesas são boas gestoras?

Sim, sem dúvida. Mas a minha experiência leva-me a considerar que tendem a desvalorizar as suas competências e/ou a não desenvolver as suas capacidades nesta área.

Existe na sociedade portuguesa a tendência das mulheres gerirem o orçamento familiar e os homens serem responsáveis pelos investimentos do casal. De acordo com a sua experiência, porque é que isto continua a acontecer?

Isto está relacionado com a nossa cultura. Antigamente, eram apenas os homens que trabalhavam fora de casa, ficando as mulheres com a responsabilidade de cuidar da casa e de gerir o dinheiro para esta finalidade. Claro que, cada vez mais, a tendência é para que este tipo de comportamentos se venha a esbater.

Porque é que ainda há tantas mulheres que acham que percebem menos de dinheiro que os homens se, a avaliar pelas estatísticas, as melhores alunas a matemática são mulheres?

Por razões de ordem ancestral, histórica e cultural. Por definição, os homens eram mais dominados pelo hemisfério esquerdo e, logo, mais racionais e as mulheres mais relacionais e intuitivas, mais regidas pelo hemisfério direito do cérebro, logo à partida os homens seriam melhores em todas as disciplinas com maior componente de raciocínio lógico-dedutivo.
Claro que desde há várias décadas que já não é assim, mas persiste por vezes ainda no subconsciente individual e colectivo a ideia de que os homens são melhores com contas.

As mulheres têm fama de ser mais consumistas que os homens. É verdade ou considera que trata-se apenas de uma frase feita?

É uma ideia pré-concebida que não sustentada por nenhum dos estudos ou análises estatísticas feitas nesta área. O que acontece é que as mulheres tendem a comprar mais coisas de valor mais baixo, por isso compram mais vezes e em maior número, daí o rótulo de consumistas. Os homens, por sua vez, costumam comprar produtos de valor mais elevado, como por exemplo as últimas novidades na área da tecnologia.


Veja na página seguinte: Conselhos para conseguir reduzir (mesmo) custos

Que conselhos daria a uma mulher que tem tendência a gastar (quase) mais do que ganha para reduzir gastos, sobretudo em tempos de crise?

O primeiro conselho é o de que reflita sobre qual a necessidade profunda que tenta preencher através de um bem ou serviço supérfluo, normalmente esta razão ajuda a perceber a verdadeira razão pela qual se gasta de mais e, depois de o fazer, deverá perguntar-se de que forma que não implique o dispêndio de dinheiro poderá assegurar a satisfação dessa necessidade profunda.

Depois é fundamental que faça o seu orçamento mensal.

É importante que decida onde deve cortar despesas. Por outro lado, se se tratar de um problema de consumo compulsivo, o meu conselho é que se pergunte sempre se precisa daquilo que vai perguntar e onde vai colocar, quando vai usar. Se, ainda assim, lhe apetecer comprar, não o faça e deixe reservado.

Provavelmente no dia a seguir nem sequer se vai lembrar do que deixou reservado. Por outro lado deve evitar locais de tentação e reduzir o número de idas a superfícies comerciais. Faça uma lista de compras e dirija-se a este tipo de locais apenas quando necessita.

Que parte do orçamento mensal da família deve ser posto de lado todos os meses?

Eu sugiro que a família poupe 10% do seu rendimento. Os estudos indicam que é possível retirar esta percentagem do rendimento sem que isso afete o estilo de vida da família (elasticidade da oferta e da procura).

Mas, mais importante do que o montante, é a regularidade com que se poupa. Por isso, sugiro uma poupança automatizada e à cabeça, ou seja, logo que o dinheiro entra na conta ordenado, deverá passar para uma conta a prazo através de uma ordem mensal de débito em conta.

O dinheiro dá felicidade ou este é mais um dos mitos sociais com que temos de lidar hoje em dia?

O dinheiro não dá nem compra felicidade, mas o controlo da situação financeira pessoal contribui, fortemente, para que se viva de forma mais livre e descansada, contribuindo assim para uma vida mais feliz.

Recorrer ao crédito é um sinal de má gestão financeira?

Não, de todo. O crédito é um produto financeiro, tal como um depósito ou um fundo. O importante é conhecer o produto, as suas vantagens e desvantagens e perceber se faz ou não sentido a pessoa apostar nele.

A primeira coisa que se deve saber antes de recorrer ao crédito é qual é a minha capacidade financeira e qual a minha capacidade de endividamento e depois devo compreender bem todas as condições do crédito que vou contratar e recolher pelo menos três propostas, compará-las e escolher a melhor, de acordo com as minhas necessidades.

Que conselhos daria a uma mulher que acaba de se divorciar e que nunca lidou com dinheiro no sentido de conseguir a sua independência financeira? 

Comece por fazer um plano de gastos. Este é o primeiro passo. Perceber quais as receitas e despesas e o que é necessário mudar. Por vezes, é necessário mudar de estilo de vida, pelo que isso tem de ser encarado com naturalidade e sem preconceitos. Explicar às crianças que a situação se alterou e quais são as reais condições financeiras da família é fundamental para tornar o processo menos doloroso.


Veja na página seguinte: Como fazer uma poupança financeira... ecológica!

No seu livro aponta vários exemplos de situações de poupança financeira ecológica. Quais são, de todos os que enumera, os que considera verdadeiramente indispensáveis?

Podemos poupar em todo o tipo de consumo doméstico, desde a eletricidade à água, gás, telefone, telemóvel e internet, mas também no consumo de roupa e de brinquedos.

O princípio é sempre de nos perguntarmos de podemos encontrar uma alternativa mais barata que não implique mais produção, ou seja, mais gastos para o ambiente e para nós.

Devemos lembrar-nos sempre de distinguir entre necessidades e desejos. Depois, onde e como podemos satisfazer a mesma necessidade recorrendo à reciclagem.

Muitas pessoas não sabem gerir o seu dinheiro porque não o aprenderam em criança e na escola o tema também é raramente abordado. Como é que uma mãe deve ensinar o seu filho a gerir o seu dinheiro e a partir de que idade?  

A idade ideal para iniciar a educação financeira é por volta dos 2/3 anos, porque é nessa fase que a criança começa a pedir coisas, logo podemos ensinar-lhe a distinguir entre necessidades e desejos e quais os nossos limites orçamentais. Nessa fase, é importante ensinar a adiar a gratificação imediata, ou seja, esperar para ter, nem que seja o chocolate ou o gelado. Isso equivale e ensiná-la a poupar.

Conforme vão crescendo, e por volta dos 4/5 anos, deve-se começar a dar uma semanada à criança, em diversas moedas. Os pais devem definir em conjunto com a criança para que irá servir o dinheiro e deve ser feita uma monitorização dos gastos, não com o intuito de julgar, mas de monitorizar de que forma a semanada foi gasta e o que aprendeu com os eventuais erros.

Quando vão para o segundo ciclo, é a altura de passar para uma mesada (se já gerirem bem a semanada). É natural que nas primeiras vezes o dinheiro seja gasto antes do limite definido, mas isso faz parte do processo de aprendizagem.

As semanadas e as mesadas são, sem dúvida, o principal instrumento de educação financeira das crianças porque permite ensiná-las a fazer e a gerir um orçamento desde cedo. No entanto, o exemplo dos pais também é fundamental.

Assim, sempre que vão ao supermercado, encarregue o seu filho pelo cumprimento da lista de compras (que deve ser preparada por ambos em casa) e explique-lhes a diferença de preços entre determinados produtos. Na gestão da família, inclua o seu filho na definição/discussão do orçamento familiar e das prioridades da família. Será mais fácil que ele ajude a cumprir os objetivos definidos.